quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Vera Setta



Atriz e produtora de teatro. Em cinema trabalhou em filmes como ‘Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão’, ‘Luz, Cama, Ação!’, entre outros.

Como que foi o estágio para começar essa carreira de atriz? 
Para começar minha carreira de atriz, eu tenho 35 anos de profissão. E comecei sem inspiração, acho foi por acaso. Eu ia fazer medicina, talvez psicanálise, mas uma área completamente diferente, não era completamente, até tem uma certa ligação, mas eu optei por fazer um curso de cultura geral. Na época na Martins Pedro, uma escola de teatro. Dali, daquele curso, da história do teatro, eu me matriculei para fazer o curso normal de teatro. Que na época não era nem universitário. Ator, era assim, a gente tinha carteira de censura, a gente era como prostituta, era uma carreira que não tinha o glamour de hoje. Tinha umas coisas meio marginal, mas assim mesmo eu enfrentei e resolvi fazer, e acho que eu acertei porque estou nessa carreira a tantos anos. Sai do país quando eu tinha mais ou menos, depois de “Galvez, o Imperador do Acre”, que não tinha ido bem, isso foi em 84, e eu levei meus filhos pequenos para os Estados Unidos, e fiquei lá 20 anos. Vindo para o Brasil, fiz “Amazônia”, a novela da TV Manchete que não foi bem, mas fiz também, “Jean Genet”, uma peça muito interessante na sala das Flores, uma peça forte, eu vim para o Brasil fazia 6 meses, e voltei depois para os Estados Unidos novamente. Só que eu sempre gostei de trabalhar com o tema de mulheres, no início enquanto eu estava nos Estados Unidos eu montei uma peça brasileira “A última Gota”, que foi com co-autores americanos, e eu dirigi, porque eu não tenho essa fluência em inglês, que por exemplo meus filhos tem, falam perfeito, sem sotaque, e eu com sotaque, falando mau, carregado, não gostei muito desse idioma.

Então eu só dirigi, e eu estava no mesmo complexo da Eve Ensler, que é a autora da peça “Monólogos da Vagina”, que estourou nos Estados Unidos, a nossa peça foi bem, na média, mas a dela foi um estouro, que a CNN foi atrás, e eu falai que peça é essa? Como eu dirigia, eu podia assistir, e nessa que eu assisti eu adorei a Eça, e eu conversei com a Eve, nós estamos falando do mesmo tema, mulheres, eu tenho tantos anos de profissão, mostrei meu currículo a ela, e falai que quero comprar a peça. Adquiri os direitos da peça e vim embora, que foi outro capítulo na minha vida, forte, que foi montar a peça no Brasil, em um país dito liberado, que não é nada liberado. Tudo fingimento, porque sexualmente nós temos vários bloqueios, no mundo inteiro, só que aqui mais, eu acho que é a influência da igreja católica, não sei o que é. Eu sei que determinadas religiões, e isso tem uma influencia incrível, quando falou vagina, e a falta dos direitos da mulher, porque nesse ponto eu toco mais.

Que é o racismo, é o ceticismo, é uma série de coisas no Brasil que é um país altamente racista e fala que não é, país altamente sexista, que fala que não tem problema de sexualidade, mas não aceita nada. Se aparece duas mulheres lésbicas e vão conversar já muda o clima, se os homossexuais, melhor os homossexuais, já ganharam mais um pouco o terreno, mas nem tanto, precisa ganhar um pouco mais. Então nisso, nós mulheres, aonde ficamos, Miguel Falabella sempre fala, num país de bundas, como entrar com a vagina?Como nós vamos entrar com a vagina, num país que promove só as bundas? E as mulheres deixaram isso acontecer também, não são só os homens os culpados, agente não está culpando ninguém. A Verdade é que as pessoas custam a aprofundar e saber aonde elas estão, você fala a palavra feminista no Brasil já é um xingamento, já acham que é aquelas mulheres que vêm para brigar, nada disso, no movimento feminista, não só nos Estados Unidos como na Europa, os homens estão juntos, as pessoas todas estão juntas, estão juntas em vários momentos, não só da mulher. Só que da mulher está engatinhando, ainda para a mulher ganhar o mesmo salário, tudo isso, essa peça veio, e virou uma causa na minha vida, uma causa que eu continuei da Eve Ensler, que é a autora, eu no Brasil fiquei sendo a porta-voz dela, a porta-voz que as vezes eu converso com a platéia. Hoje é dia e conversar que tem a platéia melhor, que é a de sábado, maior, então eu aproveito para conversar o que é essa causa dela, o “V-Day” que é o dia da assumida da vagina, da mulher em si, essa palavra, assumir essa palavra é assumir a mulher. Então quando vira um problema essa palavra, até a época que eu estava com o Miguel Falabella, se eu não estivesse convidado o Miguel Falabella, a peça não aconteceria, porque ele é audacioso, nem que seja embaixo da ponte nós vamos encenar essa peça. Então vamos embora, e não vamos mudar o nome da peça, porque o pessoal do teatro me pediu para mudar o título, ele não vamos mudar o titulo. O titulo vai ser esse, e nenhum teatro tinha a coragem de colocar a palavra vagina. Hoje todo mundo já sabe, pelo menos já ouviu falar dessa peça. Já não é só uma comedinha ligeira, é uma peça que levanta uma polêmica. Levanta a sexualidade toda, desde a época que a mulher ficou menstruada.

Ela entrevistou várias mulheres de vários países, então isso foi uma coisa importante, esse trabalho é chegar ao Brasil. E meus amigos o Lucas Mendes, jornalista, me deu muita força, ele falava: essa vagina vaiou não vai? Eu falei: vai ela vai sair. Quando estreou a peça foi maravilhoso que foi uma coisa de realização nossa, foi um trabalho que já está há 8 anos e meio. Quando querer tirar de cartaz eu falo, não, não, vamos segurar mais um pouco.

Queria que você falasse da sua carreira no cinema que também é bastante interessante. 
Você já procurou saber. Eu tenho sim, a bruxinha dos trapalhões, que é “As Minas do rei Salomão”, que eu fiz com o Didi, tem o “Segura Malandro”, vários filmes que eu fiz com o Nelson Xavier também. Cinema sempre foi uma área que eu gostei muito, só que eu fiz filmes nos Estados Unidos, só que eram filmes bem coadjuvantes, e que eram filmes de arte. Mas eu adoro cinema, cinema e teatro, acho um luxo. Na minha carreira é mais forte, fiz televisão também, mas fiz novela “Sassaricando”, na TV Globo, fiz alguns capítulos, 105 participações, mas eu acho que eu sou mais uma atriz de teatro, hoje eu entendo isso, é uma coisa de personalidade, isso é muito forte. Eu sinto as vezes que eu posso até estourar no vídeo, ir além do que eles precisam, a não ser que seja um personagem específico. Mas não é uma coisa que eu boto em primeiro plano na minha carreira. Minha careira é teatro, vocês sabem que é dificílimo fazer teatro no Brasil, mas eu podendo segurar esse lado que é falando e discutindo coisas, o teatro não só vai fazer o digestivo. Que eu não tenho nada contra, eu acho que você tem que sobreviver, tem que fazer tudo. Se vocês me pegarem uma vez fazendo um teatro engraçadinho é porque eu tenho que sobreviver. Agora mesmo eu estou pensando em escrever uma comédia com um amigo meu, “Eles não usam batom” e essa peça vai discutir uma série de coisa, inclusive o dia-a-dia dos homossexuais que eu observei muito, tenho muitos amigos, e ela é muito interessada.

No principio é só para ir mas eu acho que vou só produzir talvez com o amigo meu. Não vou atuar, claro, porque não tem papel, e eu não estou pensando em atuar nas duas próximas peças que estão na minha mira, pensando em produzir. Que aí é uma coisa que eu posso ganhar dinheiro para sobreviver e para depois vir para uma outra que eu estou trabalhando seriamente, numa peã que eu acredito, que ainda é monólogo, ai eu vou entrar, numa peça que vai ser bem pesada mesmo.

Estilo Brasil, falando de Brasil, bem pesada, mas ao mesmo tempo o povo ai rir muito, porque é uma crítica agente mesmo, então uma crítica construtiva, não sei nem se é construtiva, se eles vão achar como construtiva, mas é uma critica que vai virar uma coisa um pouco internacional, que você fala um pouco das guerras, entendendo o que é esse Rio de Janeiro com as guerras. Como pode isso. Ai eu digo que eu sou uma dissidente carioca, para mim eu prefiro estar em São Paulo, estar em Nova Iorque, do que estar no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro eu moro em um apartamento simplesinho, vou ao meu cinema de arte, meu barzinho que eles me conhecem, e os milícias tomando conta. Não tem nada contra um ou outro, só que virou uma guerra, você não sabe se tem a banda podre por todos os lados, e eu estou no meio disso, então digo culpa de quem? De nós todos.

Vera, também pesquisei e vi que você fez curta-metragem também, como que foi esse seu trabalho com curtas? 
Com curta-metragem eu me lembro que foi, eu não sei bem em que ano, você que pesquisou deve saber melhor que eu, que eu não estou nem com o meu currículo aqui, e foi em Nova Iorque, com o pessoal que estava fazendo. Eu acho incrível, eu acho que é um trabalho seriíssimo, eu acho que sempre que pode tratar no cinema para pegar uma platéia maior, e tendo fôlego, vocês que são novos, eu aconselho totalmente a sair com uma câmera na mão, porque é isso, você está documentando, está vendo, você já fez aquele roteiro. Não é tão caro como o longa, mas você já está começando uma carreira para o longa, quem sabe um dia que tem muitos filmes, minha filha também é atriz, mora fora do país, é casada com um diretor também agora. Vai a festivais e não entra no mercado, aqui é maior ainda, porque nós temos essas produções todas estrangeiras entrando com preferência, porque elas tem dinheiro para bancar uma mídia maior que na nossa.

E a gente fica assim, ]eu tenho várias idéias de gravar na minha cabeça, mas eu nem vou mexer com isso. No momento eu estou mexendo com teatro, mas eu acho que é da maior importância, porque é esse momento que nós estamos vivendo. Essa dificuldade que eu estou dizendo é até mundial, agente tem que documentar, agente tem que falar dos seus estados, a cada minutos que agente vê televisão, ela informa essa coisa toda que está acontecendo. Curta disso seria uma coisa mais detalhada e consegue aprofundar mais do que a televisão. A televisão é sempre mais superficial, dar a noticia, cortou, acabou, aquela bula imediatista. Sempre o curta fala mais, é como se você pegar o fato e ir em cinema dele. Eu adoro festival de curta, acho que é importantíssimo acontecer no Brasil.

Você que é uma autora também, escreve. Como é trabalhar com a síntese, você falou que já teve idéias para curta-metragem, como comprimir, se é que tem que comprimir, as suas idéias em pouco tempo? Você acha que teria alguma dificuldade, ou é um exercício para você como atriz e autora? 
Eu acho que é um grande exercício, porque eu falo muito, então eu preciso sempre de uma pessoa me organizando. Essa coisa de dupla, de parceria, eu acho da maior importância. Porque às vezes, você sabe que eu sou muito afobada, tem hora que eu não vou tara o computador mesmo, que dá vontade de jogar o computador pela janela por qualquer probleminha que haja. Aí senta uma pessoa e ela fica me organizando, e eu vou embora. Por isso mesmo eu acho da maior importância trabalhar com duas pessoas, a dupla, ou ter sempre uma pessoa do lado para que se organize isso. Porque tem pessoas que são fantásticas, e elas tem coisa de fazer aquilo mais sucinto, ela vai espremer mais para aquilo passar, porque ai você começa, mas acho que você tem que começar no aberto, no grande e vai diminuindo vai zerando. Acho que no teatro também tem que acontecer isso, porque às vezes fica muito com “a barriga”. Acho que o curta-metragem não dá para fazer tanto com a barriga, porque como dizer tanta coisa em pouco tempo? Pelo menos passar o essencial, o que é. Talvez não consiga dizer tudo que gostaria de dizer, mas sempre alguma inquietação vai passar, e que essa coisa passe mesmo, que é um grande exercício eu acho, para nós como seres humanos.

E para finalizar, eu gostaria que você passasse um recado para essa nova geração que só está começando no teatro, no cinema e na televisão. Um recado para seguir sua carreira e trilhar um caminho bacana com a sua carreira. 
Eu acho que é dedicação mesmo. Tem horas até que é de parar, você para e você fica inquieto, não estou conseguido fazer não está mesmo. Então assume que não está conseguindo fazer e dali relaxa, vive alguma outra coisa, saia, vá para algum lugar diferente na vida, sai para um bar, daqui a pouco estão acontecendo coisas em volta, que você vai desfrutando, e você mesmo junta seus pedaços. Fala espera aí, daqui é um passo, mas eu acho que um sozinho agora, é meio que impossível, pelo menos para mim. Eu acho que é juntar um grupo mesmo, ou juntar com outra pessoa, e começar a contar isso para fora, porque o ser humano é de uma riqueza, é que nós sumos muito ignorantes, nós não sabemos a riqueza que nós temos.

Quando nós estamos em cena, agente vê o que agente pode discutir,e descobrir. Um diretor e um ator que não tem muita capacidade de concentração, eu não tenho muito, mas eu adoraria ter, ser mais concentrada, mas calma, eu acho que isso é um luxo na vida. Então não desperdiçar isso, porque são as pessoas que vem de uma maneira mais clara, pessoa calma, que observa. Então nisso ai pode surgir muita coisa eu acho que tem que ter paciência. Paciência, hoje eu dormi 4 horas por noite, mas vou para o palco, faço minha função, volto, porque tem que surgir outro trabalho. Eu não posso viver só desse trabalho. Porque teatro é isso, arte é isso. Mas sem arte não tem salvação.

O país não tem salvação sem a arte, sem educação que quer dizer arte também. Porque caminha para a arte e para todo mundo conseguir ver, assistir no mínimo música, todas as artes. E agente tem que lutar por isso, se agente sente que tem essa veia, tem que insistir, mesmo que seja para trabalhar meio dia. Sai fora dali, mudou de roupa e vai embora, sem preconceito, sou um vendedor de loja, dou isso, sou aquilo, e corre para fazer, não tenha medo de ficar só lá, trabalhando, depois corre para o teatro, tira a roupinha, entra em cena. E isso está vivo, você está vivo enquanto está produzindo, enquanto está atuando, não tem dinheiro, vamos pegar uma câmera, fulano tem uma câmera, vamos pegar emprestado, vamos fazer não sei o que, é isso esse é o segredo. Dedicação, tem que se dedicar mesmo, você faz pequeno, faz no seu tamanho, depois isso vai aumentando, vai conhecendo pessoas, vai freqüentando, vai para o bar de atores, procure saber se ligando.

Os próprios bairros, os próprios lugares tem muito isso, que a pessoa pudesse juntar intelectualidade. Você já está no meio. Então é muito isso para os estudantes. E dedicação nisso, e agora para ter alguma coisa muito grande, como agente consegue? Fazer alguma coisa, vocês vêem, eu não sou estrela, mas eu consegui botar a mão na obra, mas é a realização de ter conseguido trabalhar. Tudo bem, já vou aí falar com você , cinema e a bruxa que ele aprendeu, ele que era o produtor executivo, e ele faz cinema, e ele vai fazer um filme agora,. Então está bom, o recado é esse.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

R.F.Lucchetti


Rubens Francisco Lucchetti no jornal "O Estado de S.Paulo"

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Ana Lúcia Torre


A atriz participou de grandes produções na televisão como ‘Tieta’ e ‘Renascer’. No cinema atuou em filmes como ‘Romance da Empregada’ e recentemente de ‘Reflexões de um Liquidificador’.


Conte como foi sua iniciação com o cinema. De criança, como você começou a se inteirar pela sétima arte?
Eu tenho pais que sempre foram ao cinema, e na minha época de infância e de adolescência, a televisão era uma coisa que estava no início, anos 50 e anos 60. Então nós não éramos fixados em televisão, nós eu digo a sociedade como é hoje, e as pessoas iam muito a teatro e as pessoas iam muito ao cinema. E desde pequena eu fui levada pelos meus pais, até quando pequena, mais ao cinema do que ao teatro. Eram raras as peças em que as crianças podiam ir, e não tinha essa quantidade de peças infantis. Eu ia muito ao cinema, e eu me lembro de salas de cinema em São Paulo, eu tenho viva em mim a estrutura toda da sala, para mim era uma paixão ir até o cine Marrocos. Porque a gente entrava, e eu pequenininha, o tapete era fofo, e meu pezinho afundava no tapete. E nós íamos ao Pulman, que hoje em dia seria balcão, e as cadeiras, você fazia força com o corpo e ela reclinava. Eu achava aquilo o máximo.

Eu lembro a inauguração do Cine Olido, que tinha na frente da tela... tinha um palco que tinha um buraco, da onde subia um órgão e ele tocava antes da sessão, e acabava de tocar, ele descia via tela e passava. Eu tenho lembranças de muitos filmes que eu via naquela época, eu adorava, sempre gostei de ir ao cinema, era um grande programa na época em que eu era pequena ir ao cinema. Então eu lembro de ‘Volta ao Mundo em 80 dias’, eu lembro dos grandes épicos, ‘Ben-Hur’, ‘Os Dez Mandamentos’, lembro a primeira vez que chegou aqui o cinema em três dimensões, que foi uma festa.

Na adolescência eu comecei a me interessar por outro tipo de coisa, acho que pela própria faculdade, que eu comecei a fazer com 17 para 18 anos, as coisas que eu começava a ler iam mudando um pouco a minha cabeça. Ai eu passei a ser freqüentadora do Belas Artes. Então era muito Cahier du Cinéma. Muito filme italiano, filme francês, porque felizmente, na minha época de adolescência, nós tínhamos cinema, a nossa perspectiva de ver vários tipos de cinema era muito maior do que hoje. Você tem muito hoje cinema americano, na época você tinha tudo. Eu ai falar de outra coisa, eu não sei por que a minha família sempre gostou e eu sempre participei, existia um cinema, se eu não me engano era o Cine Coral, na rua Aurora, a parte mais agradável da rua Aurora, que passava deslumbrantes filmes japoneses. E eu comecei a ver Kurosawa e outros grandes japoneses, quando eu tinha 13, 14 anos ainda, o que quase ninguém via ainda, e eu já.

Nós íamos praticamente pelo menos duas vezes por mês, nós íamos ver filme japonês, porque tanto eu quanto papai e mamãe adorávamos. E eram filmes belíssimos. Então eu acho que eu fui mais ou menos bem, dentro de toda turma que eu tinha, eu fui mais ou menos bem encaminhada nessa arte. Um pouco pelo prazer que meus pais tinham de assistir cinema, porque eles ano tinham uma cultura cinematográfica, ou teatral que era fundamental na vida deles, mas era por puro prazer, e dentro desse prazer eles foram selecionando coisas que para mim foram muito importantes para o resto da vida.

Queria que você falasse da sua experiência como atriz no cinema e também nos curtas...
Eu sempre fiz teatro, a minha vida artística é baseada no teatro e eu nunca tinha feito cinema. E eu sempre dizia assim, meu Deus, deve ser muito gostoso, porque todo mundo fala que é um prazer fazer cinema, e eu não conheço ninguém, fica um pouco de panelinha, como é que faz. Um dia eu estou em casa, toca o telefone, era a Tata Amaral, me convidando para fazer “Através da Janela” com a Laura Cardoso. Eu fiquei numa alegria só, porque começar com a Tata é tudo de bom, aí fui lá. Fomos filmar. No primeiro dia, a Tata sabia que eu nunca tinha entrado em um set de filmagem, eu só fazia televisão e teatro, eu não tinha idéia da linguagem cinematográfica, de como eu faria, de como eu me comportava. Eu falei tudo para ela, eu fui muito franca, aí fomos filmar. Quando terminou o primeiro dia de filmagem ela falou para mim: você tem certeza que você nunca fez cinema? Eu falei, eu tenho certeza de que eu nunca fiz cinema, mas eu também hoje acabei de ter uma certeza, eu quero fazer muito cinema, porque é muito bom.

Então eu digo, são três coisas totalmente diferentes: a televisão, o cinema e o teatro. O teatro eu sinto que é uma coisa mais artesanal, todo mundo faz tudo, todo mundo trabalha. Agora o que me fascinou no cinema, foi principalmente a relação das pessoas em um set de filmagem. Eu fiquei fascinada com o respeito que todo mundo tem por todo mundo, e como todo mundo tem o seu tempo para preparar a sua parte, que respeito todos os outros tem para esperar que o companheiro diga agora está bom para mim. E foi muito interessante, esse é um dos aspectos que eu mais gosto, o pessoal diz assim: a gente fica horas esperando para filmar. Eu sei, eu acho que faz parte de você entrar nesse grupo, de você entrar na linguagem, de você ficar no cantinho do set, esperando que o set fique pronto para você entrar. Você fica sabendo o que o fotógrafo fez, o que ele quer com aquela luz, você fica sabendo como a câmera vai se posicionar. Então quando você entra você já está dentro daquele espírito, dentro daquela linguagem que se quer levar para aquela cena. Essa foi minha primeira experiência, depois eu fiz um filme do Michael Holman que foi uma história para adolescentes, muito interessante. Fiz pouca coisa para cinema, fiz com o Sergio Bianchi, o “Quanto Vale Ou É Por Quilo?”, que também é outra experiência maravilhosa, embora o Sérgio seja o oposto da Tata, são linguagens diferentes, personalidades diferentes. E fiz curtas, eu adoro fazer curtas, eu fico fascinada como é que um roteirista de curta consegue sintetizar aquele mundo que ele quer dizer, em 10, 15, 16 minutos. Aquilo me fascina, e como a gente como atriz precisa, e junto com esse roteiro que tem uma vida muito curta, e você precisa e você precisa fazer essa linguagem, esse início de enxergar o que o roteiro pede em 10, 15 minutos.

Eu adoro fazer curtas, eu fiz um o ano retrasado no Rio com a Duda Gorter é uma jovem cineastas surpreendente, que foi o “Francamente...” e agora acabei de fazer um com ela que chama “Na madrugada”, fiz eu e Denise Weinberg, que é uma grande atriz de São Paulo, e uma grande amiga minha. Esse ainda não está pronto, quer dizer, ficou pronto, mas agora que começa a ser mandado para festivais.

Como atriz, que quer ver ser trabalho sendo amplificado, o curta é pouco exibido, é um trabalho que só algumas pessoas sabem que você fez. Isso de certa forma te chateia ou desmotiva a trabalhar no curta?
Não me desmotiva de jeito nenhum. Primeiro porque eu gosto muito de fazer, segundo porque eu sei que tem muita gente nova, saindo da faculdade, fazendo coisas maravilhosas, com idéias novas. Não só idéias de argumentos, mas com idéias de formas de filmas e de montas. E eu adoro, e eu acho que a gente tem que fazer mesmo, e eu acho que é uma grande colaboração que a gente pode fazer para nossa cultura, porque o curta retrata muitos cotidianos, e o curta retrata muito interiores das pessoas. Eu acho que o curta-metragem para mim, deveria ser guardados como um grande arquivo histórico dos nossos tempos, de todos enfim, mas você através dos vários curtas que você pega durante uma década,você pode ver todo um comportamento social representado ali.

Acho uma pena que, como existia antigamente, que você tinha o longa e tinha um curta obrigatório de exibição anterior, acho uma pena que não se faça mais isso. Mas por outro lado esse curta viaja pelo Brasil inteiro. Às vezes eu estou viajando com o teatro no Rio Grande no Norte ou em Natal, e passa alguém que diz: vi teu curta. Eu acho isso uma coisa extraordinária, a pessoas não chegam para mim para dizer eu vi a ultima novela que você fez, mas eu vi um curta no festival.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Nilton Bicudo



Nilton atuou em filmes como ‘Primo Basílio’ e ‘Caixa Dois’.

Gostaria que você falasse da sua história em relação aos curtas-metragens.
Na verdade, no curta não é muito, eu fiz poucos. Eu fiz mais longas, eu tenho uma filmografia esquisita, porque é um pé para cada lado. Tem o Ruy Guerra, tem Bruno Barreto, Daniel Filho, que seria uma coisa mais Globo filmes, o Ruy Guerra que é professor de cinema, ele faz um cinema cult, no meio disso tem um longa com a Denise Weinberg, duas participações nos filmes do Hugo Giorgetti, “Antigas”, “Sábado” e “Boleiros 1”, então é uma coisa que não tem uma lógica, quando eu fui chamado para fazer uma participação no cinema, eu fui. Acabai de fazer um filme austríaco, filmado na Amazônia. E recebi ontem o filme, é uma produção para a televisão austríaca, sobre piloto de táxi aéreo na selva. Eu fazia um piloto de táxi aéreo e o Nando Alves Pinto faz um piloto de hidroavião. Curta eu fiz dois ou três na verdade, e o meu contato no cinema começou através da publicidade. Porque quando eu comecei a fazer teatro, uma forma de ganhar dinheiro que apareceu era a publicidade, e a publicidade sempre foi feita em cinema. Então era lá, era filme, não existia digital há 15 anos, os trabalhos eram todos feitos em cinema, tinha esse cuidado com a iluminação, demorava horas, às vezes você ficava 18 horas em um filminho bobinho de publicidade. Então eu comecei a ter contato com esse tipo de mundo através da publicidade, trabalhei com o Tadeu Jungle, trabalhei com o João Moreira Salles, que são pessoas ligadas ao cinema, mas que faziam publicidade, acho que nem fazem mais, não sei se ainda fazem. Tinham produtoras de cinema que faziam filmes publicitários, e eu como ator fazia filmes publicitários. Então eu comecei a fazer assim, comecei a ter contato com o cinema dessa forma.

E a sua preparação para atuar numa peça de teatro, em um filme, como que é o tempo de preparação de um personagem, o que difere do teatro para ao cinema?
Eu acho totalmente diferente. No teatro você tem um tempo muito mais a seu favor. O ator está com o tempo mais a favor dele. Porque você tem uma rotina diária de ensaios, e eu como sou uma pessoa que comecei a fazer teatro e continuo fazendo muito teatro alternativo, uma coisa que não visa tanto a publicidade, o marketing da profissão, mas uma coisa mesmo por uma vocação, uma vontade de fazer, então eu acho que o teatro dá essa liberdade para o ator, de ter uma rotina de ensaios, e você se prepara de uma forma mais lenta. Não te obriga a ler tudo a respeito daquilo em um momento, você não tem tanto um prazo, porque você sabe que uma peça vai começar e você vai ficar às vezes 6 meses a 1 ano fazendo essa peça, e que você vai aprendendo com ela ao longo de toda essa temporada. Como você vai ter sempre todo dia de fazer a mesma peça, o mesmo texto, você vai ter sempre o poder, a possibilidade de melhorar, e de requintar aquilo que você está fazendo. De buscar mais detalhes, mais profundidade, mais humor, ver outros lados da personagem e da própria peça. Aí você pega um autor bom, ou uma comédia, um drama ou o que seja, e vai durante um tempo fazendo aquilo, e vai elaborando seu trabalho, então é um exercício permanente para o ator, e você vai aprendendo com a temporada. No cinema não, você faz algumas vezes, de repente, o máximo que você vai fazer, sei lá, 10, 12, 15 vezes uma cena, o que hoje em dia ninguém mais repete tanto, e você já está com tudo aquilo feito, e você se livra daquilo, e vai fazer outra cena, outra personagem. Mas a preparação do cinema, ela também é mais aguda, porque sabe que durante dois meses, ou um mês, ou durante 20 dias, ou três meses, você vai filmar um filme com uma personagem que tem começo, meio e fim, e que é aquilo lá. Você tem que ler tudo sobre aquilo, qual é a profissão da sua personagem, o que ele faz, por exemplo, no filme do Ruy Guerra eu era o Gabriel García Márquez, então eu fui ler todos os livros do Gabriel García Márquez, deve ter uns 15 livros, então você fica um mês e meio lendo todos os livros do Gabriel García Márquez, é uma primeira etapa da preparação. Depois você começa a elaborar a personagem na sua cabeça, pensar em quem você está se inspirando, se é seu pai, se é o seu tio, seu primo, se é alguém conhecido, e por aí vai.

Então é um processo mais focado, aí você vai mais concentrado, você não se permite desconcentrar, você não permite brincar tanto, porque é uma equipe muito grande, existe a responsabilidade de você gravar poucas vezes e aquilo já estar pronto, e aquilo vai ficar, então você quer fazer o melhor de você para aquilo ficar. E você ainda tem que assistir depois que é a pior parte. Agora no teatro não, no teatro tem esse lado mais libertário, você faz, é mais anárquico, é mais solto, é mais libertário. Você faz, você não se vê, não repete, nunca é igual, entendeu? Você não tem esse compromisso mais técnico digamos. Então eu acho que a elaboração de um ator para o cinema é mais técnica.

Você gosta da linguagem do curta-metragem? Como um ator que trabalha com o curta, que trabalha com a síntese. É uma coisa que mexe com você como ator?
Gosto, curtas de um modo geral, e no teatro também. Eu gosto de peças curtas, Terence Williams tem peças curtas maravilhosas, que inclusive já montei e já dirigi algumas. Você junta duas peças curtas dá um espetáculo muito interessante porque você vê dois lados de uma mesma situação, ou você complementa aquele sentimento, aquela situação. Se é solidão, se é morte, se aquela investigação que você faz sobre o ser humano tem uma possibilidade de ser mais colorida com duas três peças curtas. E eu gosto de curta-metragem também porque, inclusive a produção de curta-metragem cresceu muito com a força que o cinema ganhou nos últimos 10 anos, e tem coisas muito criativas. Eu acho que o curta, por ter essa despretensão, tudo que é despretensioso tem um poder criativo maior. Primeiro: o dinheiro muitas vezes corrompe, tanto no teatro quanto no cinema, em qualquer situação, ele às vezes embota um pouco a criatividade das pessoas envolvidas, porque ele pressupõe uma responsabilidade maior, e você fica pisando mais no mercado, você fica querendo acertar mais, e quando você fica querendo acertar mais, você perde um pouco da sua espontaneidade.

E você passa por mil crivos, produtores, e não sei mais o que, então você fica mais atrelado. E curta que não precisa de muito dinheiro e o teatro quando é mais alternativo, quando não está atrelado com um grande patrocinador, e alguma coisa desse tipo, certamente tem um poder de criatividade maior. Você fica mais solto, menos pretensioso, o trabalho sai mais a revelia, ele acontece, e acho que a criatividade de todas as pessoas envolvidas acaba aparecendo. Eu gosto muito do curta-metragem pela natureza do trabalho, pela coisa da paixão, geralmente são os estudantes de cinema que fazem, ou pessoas que já estão na estrada, mas que querer fazer uma coisa que é uma idéia fulminante e que não vão esperar dois anos para juntar um dinheiro, para ter um patrocínio e tudo mais, querer fazer uma coisa condensada. Eu gosto muito, esse ano já perdi a oportunidade de fazer dois curtas porque eu não consegui ter horário, mas me culpei, fiquei me corroendo, porque os roteiros eram excelentes. Inclusive um tinha uma coisa muito inventiva, porque o curta todo era feito sem aparecer os rostos dos atores, só as vozes. E eu achei o máximo isso, porque de repente você está lá interpretando mais seu rosto nunca é visto, só tuas pernas e sua voz é ouvida, é como se a câmera tivesse desligada.

Você pensa em dirigir um curta, tem idéia ou o seu trabalho é mais como ator?
Eu dirijo teatro também quando meus amigos atores me convidam para dirigir uma peça eu acabo cedendo. Eu sou mais, na verdade, ator do que diretor, e eu tenho um roteiro para curta escrita já, escrevi há mais ou menos 2 ou 3 anos um roteiro para curta. Eu poderia ter vários, porque vira e mexe eu tenho umas idéias, mas eu acabo dormindo e dormindo em cima dessas idéias e elas acabam virando pequenos poemas, viram poesias, viram crônicas, mas acabo tendo preguiça de escrever no formato de curta. Mas eu tenho um curta sim, eu tenho um curta escrito e nunca mostrei para ninguém na verdade, uma hora dessas eu preciso pegar alguém que produz, umas pessoas mais animadas e mostrar. Mas ele se passa em Florença, então teria que ter um tratamento para a gente mostrar que está na Itália, ele tem toda uma coisa assim, é uma trupe de teatro que viaja com uma peça para um festival de teatro em Firenze. De qualquer maneira está muito ligado ao teatro.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

No ar: Ivan Cardoso


O GÊNIO DO TERROR

Há poucos escritores que tenham mentido tanto e tão apaixonadamente embaido os seus leitores como R.F. Lucchetti.

Seus disfarces e falsidades são inumeráveis. Antes de abrir um de seus livros, ele já apresenta uma mistificação: na capa ou no prólogo lê-se um nome que não é o seu... pois Lucchetti, lhanamente, começa por ocultar o seu próprio nome. Às vezes, lhe antepõe um título nobiliárquico. Só no pseudônimo, na informação falsa é que se sente bem.

Nesta entrevista, exclusiva para a Tribuna BIS, ficamos sabendo um pouco mais dessa personalidade ímpar e misteriosa, o único autor brasileiro especializado em novelas policiais, de terror, histórias em quadrinhos e roteiros cinematográficos:

Já li muitas definições a seu respeito, uma delas, que é um autor de ‘short history of mystery magazine’. O que é isso?
Lucchetti – Esse é um gênero de histórias cultivadas pelas revistas conhecidas como ‘pulps’ (no Brasil tivemos várias: ‘Policial em Revistas’. ‘X-9’, ‘Meia Noite’, ‘Detective’, etc.), tendo como exemplo autores como Raymond Chandler e Dashiell Hammett. Ou seja, autores cuja produção literária saíram inicialmente nessas revistas, obedecendo a uma nomenclatura própria. Nesse caso, nem sempre o enredo é tão importante e sim as cenas criadas.

Quantos livros você já escreveu, como ‘ghost writter’?
Lucchetti – Com toda a sinceridade não sei. Embora possua em meu arquivo um exemplar de tudo quanto escrevi e foi publicado, nunca me dei ao trabalho de contar. Acredito que passem dos quinhentos títulos...

Cite alguns dos pseudônimos ou heterônimos que você usa.
Lucchetti – Theodore Field, William Collison, Frank Luke, Robert Branson, Roger M.Thomas, Brad Steiger, Frank King...

Mas você usa, também, alguns femininos?
Lucchetti – Os femininos... (pensa um pouco), Helen Reilly, Helena Bartons, Isadora Highmith, Cristine Gray, Doroty Burgess, Mary Shelby, Vera Waleska... foram mais para assinar novelas de horror gótico. Segundo os editores, “elas” exercem um certo fascínio sobre os leitores.

Você é autor de dezenas de novelas de horror. Algum outro escritor brasileiro perseguiu esse gênero?
Lucchetti – O horror, realmente, nunca seduziu os nossos autores. Esse gênero tem sido explorado, unicamente, nas histórias em quadrinhos. Aí sim, temos verdadeiros expoentes como Jorge Scudellari, Nico Rosso, Jaime Cortez, Rodolfo Zalla, Eugênio Colonnese, entre muitos outros. Já no gênero fantástico vamos encontrar excelentes exemplos, nos textos de Monteiro Lobato, Humberto de Campos e Machado de Assis.

Talvez aqui o horror seja considerado “subliteratura”?
Lucchetti – “A subliteratura” está somente na cabeça dos preconceituosos. Eu prefiro a classificação de boa ou má literatura. Um livro é bem escrito ou mau escrito... O resto é bobagem!

“Os filmes devem ser feitos com pedaços de sonhos. O sonho pode ser um pesadelo, mas é sempre uma fantasia...”. Foram as palavras do escritor R.F. Lucchetti – o Lovecraft de Ribeirão Preto – numa animada conversa com o crítico Salviano Cavalcanti de Paiva.

Rio, Sexta-feira, 19 de junho de 1992.
Tribuna da Imprensa