quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Ana Lúcia Torre


A atriz participou de grandes produções na televisão como ‘Tieta’ e ‘Renascer’. No cinema atuou em filmes como ‘Romance da Empregada’ e recentemente de ‘Reflexões de um Liquidificador’.


Conte como foi sua iniciação com o cinema. De criança, como você começou a se inteirar pela sétima arte?
Eu tenho pais que sempre foram ao cinema, e na minha época de infância e de adolescência, a televisão era uma coisa que estava no início, anos 50 e anos 60. Então nós não éramos fixados em televisão, nós eu digo a sociedade como é hoje, e as pessoas iam muito a teatro e as pessoas iam muito ao cinema. E desde pequena eu fui levada pelos meus pais, até quando pequena, mais ao cinema do que ao teatro. Eram raras as peças em que as crianças podiam ir, e não tinha essa quantidade de peças infantis. Eu ia muito ao cinema, e eu me lembro de salas de cinema em São Paulo, eu tenho viva em mim a estrutura toda da sala, para mim era uma paixão ir até o cine Marrocos. Porque a gente entrava, e eu pequenininha, o tapete era fofo, e meu pezinho afundava no tapete. E nós íamos ao Pulman, que hoje em dia seria balcão, e as cadeiras, você fazia força com o corpo e ela reclinava. Eu achava aquilo o máximo.

Eu lembro a inauguração do Cine Olido, que tinha na frente da tela... tinha um palco que tinha um buraco, da onde subia um órgão e ele tocava antes da sessão, e acabava de tocar, ele descia via tela e passava. Eu tenho lembranças de muitos filmes que eu via naquela época, eu adorava, sempre gostei de ir ao cinema, era um grande programa na época em que eu era pequena ir ao cinema. Então eu lembro de ‘Volta ao Mundo em 80 dias’, eu lembro dos grandes épicos, ‘Ben-Hur’, ‘Os Dez Mandamentos’, lembro a primeira vez que chegou aqui o cinema em três dimensões, que foi uma festa.

Na adolescência eu comecei a me interessar por outro tipo de coisa, acho que pela própria faculdade, que eu comecei a fazer com 17 para 18 anos, as coisas que eu começava a ler iam mudando um pouco a minha cabeça. Ai eu passei a ser freqüentadora do Belas Artes. Então era muito Cahier du Cinéma. Muito filme italiano, filme francês, porque felizmente, na minha época de adolescência, nós tínhamos cinema, a nossa perspectiva de ver vários tipos de cinema era muito maior do que hoje. Você tem muito hoje cinema americano, na época você tinha tudo. Eu ai falar de outra coisa, eu não sei por que a minha família sempre gostou e eu sempre participei, existia um cinema, se eu não me engano era o Cine Coral, na rua Aurora, a parte mais agradável da rua Aurora, que passava deslumbrantes filmes japoneses. E eu comecei a ver Kurosawa e outros grandes japoneses, quando eu tinha 13, 14 anos ainda, o que quase ninguém via ainda, e eu já.

Nós íamos praticamente pelo menos duas vezes por mês, nós íamos ver filme japonês, porque tanto eu quanto papai e mamãe adorávamos. E eram filmes belíssimos. Então eu acho que eu fui mais ou menos bem, dentro de toda turma que eu tinha, eu fui mais ou menos bem encaminhada nessa arte. Um pouco pelo prazer que meus pais tinham de assistir cinema, porque eles ano tinham uma cultura cinematográfica, ou teatral que era fundamental na vida deles, mas era por puro prazer, e dentro desse prazer eles foram selecionando coisas que para mim foram muito importantes para o resto da vida.

Queria que você falasse da sua experiência como atriz no cinema e também nos curtas...
Eu sempre fiz teatro, a minha vida artística é baseada no teatro e eu nunca tinha feito cinema. E eu sempre dizia assim, meu Deus, deve ser muito gostoso, porque todo mundo fala que é um prazer fazer cinema, e eu não conheço ninguém, fica um pouco de panelinha, como é que faz. Um dia eu estou em casa, toca o telefone, era a Tata Amaral, me convidando para fazer “Através da Janela” com a Laura Cardoso. Eu fiquei numa alegria só, porque começar com a Tata é tudo de bom, aí fui lá. Fomos filmar. No primeiro dia, a Tata sabia que eu nunca tinha entrado em um set de filmagem, eu só fazia televisão e teatro, eu não tinha idéia da linguagem cinematográfica, de como eu faria, de como eu me comportava. Eu falei tudo para ela, eu fui muito franca, aí fomos filmar. Quando terminou o primeiro dia de filmagem ela falou para mim: você tem certeza que você nunca fez cinema? Eu falei, eu tenho certeza de que eu nunca fiz cinema, mas eu também hoje acabei de ter uma certeza, eu quero fazer muito cinema, porque é muito bom.

Então eu digo, são três coisas totalmente diferentes: a televisão, o cinema e o teatro. O teatro eu sinto que é uma coisa mais artesanal, todo mundo faz tudo, todo mundo trabalha. Agora o que me fascinou no cinema, foi principalmente a relação das pessoas em um set de filmagem. Eu fiquei fascinada com o respeito que todo mundo tem por todo mundo, e como todo mundo tem o seu tempo para preparar a sua parte, que respeito todos os outros tem para esperar que o companheiro diga agora está bom para mim. E foi muito interessante, esse é um dos aspectos que eu mais gosto, o pessoal diz assim: a gente fica horas esperando para filmar. Eu sei, eu acho que faz parte de você entrar nesse grupo, de você entrar na linguagem, de você ficar no cantinho do set, esperando que o set fique pronto para você entrar. Você fica sabendo o que o fotógrafo fez, o que ele quer com aquela luz, você fica sabendo como a câmera vai se posicionar. Então quando você entra você já está dentro daquele espírito, dentro daquela linguagem que se quer levar para aquela cena. Essa foi minha primeira experiência, depois eu fiz um filme do Michael Holman que foi uma história para adolescentes, muito interessante. Fiz pouca coisa para cinema, fiz com o Sergio Bianchi, o “Quanto Vale Ou É Por Quilo?”, que também é outra experiência maravilhosa, embora o Sérgio seja o oposto da Tata, são linguagens diferentes, personalidades diferentes. E fiz curtas, eu adoro fazer curtas, eu fico fascinada como é que um roteirista de curta consegue sintetizar aquele mundo que ele quer dizer, em 10, 15, 16 minutos. Aquilo me fascina, e como a gente como atriz precisa, e junto com esse roteiro que tem uma vida muito curta, e você precisa e você precisa fazer essa linguagem, esse início de enxergar o que o roteiro pede em 10, 15 minutos.

Eu adoro fazer curtas, eu fiz um o ano retrasado no Rio com a Duda Gorter é uma jovem cineastas surpreendente, que foi o “Francamente...” e agora acabei de fazer um com ela que chama “Na madrugada”, fiz eu e Denise Weinberg, que é uma grande atriz de São Paulo, e uma grande amiga minha. Esse ainda não está pronto, quer dizer, ficou pronto, mas agora que começa a ser mandado para festivais.

Como atriz, que quer ver ser trabalho sendo amplificado, o curta é pouco exibido, é um trabalho que só algumas pessoas sabem que você fez. Isso de certa forma te chateia ou desmotiva a trabalhar no curta?
Não me desmotiva de jeito nenhum. Primeiro porque eu gosto muito de fazer, segundo porque eu sei que tem muita gente nova, saindo da faculdade, fazendo coisas maravilhosas, com idéias novas. Não só idéias de argumentos, mas com idéias de formas de filmas e de montas. E eu adoro, e eu acho que a gente tem que fazer mesmo, e eu acho que é uma grande colaboração que a gente pode fazer para nossa cultura, porque o curta retrata muitos cotidianos, e o curta retrata muito interiores das pessoas. Eu acho que o curta-metragem para mim, deveria ser guardados como um grande arquivo histórico dos nossos tempos, de todos enfim, mas você através dos vários curtas que você pega durante uma década,você pode ver todo um comportamento social representado ali.

Acho uma pena que, como existia antigamente, que você tinha o longa e tinha um curta obrigatório de exibição anterior, acho uma pena que não se faça mais isso. Mas por outro lado esse curta viaja pelo Brasil inteiro. Às vezes eu estou viajando com o teatro no Rio Grande no Norte ou em Natal, e passa alguém que diz: vi teu curta. Eu acho isso uma coisa extraordinária, a pessoas não chegam para mim para dizer eu vi a ultima novela que você fez, mas eu vi um curta no festival.