quarta-feira, 31 de março de 2010

Daniel Rezende



Daniel é considerado um dos maiores montadores de cinema do país, formou-se em publicidade pela Escola Superior de Propaganda e Marketing. Depois de fazer carreira em comerciais e videoclipes, estreou no cinema com Cidade de Deus trabalho pelo qual ganhou o BAFTA, prêmio da Academia de cinema da Inglaterra, além de uma indicação ao Oscar em 2004. “Blackout”, curta dirigido por Daniel Rezende, ganhou o prêmio de Melhor Curta de Ficção segundo o Júri Oficial do Festival do Rio 2008.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Acredito que sim, mas será sempre uma vida de amor à arte, porque o curta-metragem não paga as suas contas. Os orçamentos, quando existem, são sempre enxutos. Geralmente você acaba colocando dinheiro nele.

Como é trabalhar com a síntese no curta-metragem? Seu trabalho com comerciais e videoclipe ajudou?
O que eu acho mais bacana num curta é exatamente a síntese. Me interessa idéia que se resolvem em um espaço curto de tempo e geralmente gosto das mais simples. Curtas que tentam desenvolver muito uma situação, personagem ou uma história geralmente ficam no meio do caminho, acabam sendo “curtas longos”. E como fazer curta no Brasil é sempre muito difícil e, quase sempre, não tem dinheiro, acredito que a solução é exatamente essa. Histórias interessantes que se resolvam com poucos personagens e em poucas locações.

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Não acredito que haja mais espaço (do que o pouco que há hoje) pra curtas nas salas de cinemas. Hoje em dias até os longa-metragem estão lutando para não perder esse espaço... Infelizmente, na sala de projeção, os curtas são vistos apenas em festivais (que geralmente tem um público mais específico). Os DVDs estão com os dias contados. Acho que o futuro do curta, sem dúvida, está na Internet.

Ainda estamos no começo, já que a qualidade dos vídeo em sites como o Youtube!, ainda são muito ruins, mas isso deve mudar em muito pouco tempo. Nos Estados Unidos, quase todas as redes de televisão já tem toda a sua série na rede e com uma qualidade muito boa, quase chega a de um DVD. Já se pode alugar ou comprar curtas no iTunes e qualidade é excelente. É uma questão de tempo para estarmos falando apenas na internet como principal meio de difusão de curtas. O que é uma pena, porque assim perdemos a experiência do coletivo, da sala escura, do parar tudo para colocar sua atenção só no filme. 

Conte como foi filmar "Blackout", seu processo de criação, produção e direção.
"Blackout" nasceu de uma idéia simples que tive há uns 8 anos, mas que ficou na gaveta. E se na hora que você estivesse numa situação de perigo, sua vida estivesse em perigo e nada mais pudesse dar errado, acabasse a luz e você ficasse totalmente no escuro.

Simone Alexal, a roteirista, foi a responsável de transformar essa idéia numa história. Foi ela que trouxe todo o fundo político e desenvolveu os personagens.Como era o primeiro curta que eu ia dirigir, queria desde o início que ele fosse simples. Tanto de conceito como, e principalmente, de realização. Assim criamos uma história que se passa numa única locação, com praticamente apenas dois atores na frente da câmera todo o tempo e num único plano seqüência. Filmamos em apenas uma diária (com dois ensaios prévios com os atores), o que facilitou muito a produção, já que não tínhamos dinheiro. Já sabíamos que esse plano seqüência seria falso, porque há uns 8 ou 9 cortes escondidos, mas acabamos filmando um contra-plano que foi usado no final do curta. Apesar de termos criado uma situação quase que surreal, queria que tudo parecesse o mais natural e real possível, o que era um desafio muito grande. Para isso, precisa trabalhar com dois excelentes atores. Tivemos a sorte de contar com o Wagner Moura e o Augusto Madeira, que criaram uma química perfeita, possibilitando, assim, que o plano seqüência funcionasse. Ficamos todos muito felizes com o filme, acho que conseguimos mesclar tensão com boas doses de humor negro.

Você é considerado um dos maiores montadores de filme do mundo. Quais as suas perspectivas em relação ao seu trabalho como diretor?
Primeiro, muito obrigado pelo elogio, mas estou anos-luz de me considerar um dos maiores montadores do mundo, pois tenho muito o que aprender ainda.Uma das principais razões pela qual eu quis dirigir o "Blackout" foi descobrir como era estar do outro lado. Como era sentar na outra cadeira e ter a responsabilidade geral em contar uma história. Foi por isso que convidei uma montadora para trabalhar no "Blackout", a Valéria de Barros. Respeito os diretores que montam os próprios filmes, mas acho, talvez por ser montador, que uma segunda visão do material é tão importante que acho que sempre vou querer trabalhar com um outro montador em qualquer trabalho que venha a dirigir. Gosto de dividir com a equipe a função de contar uma história. Uma das melhores qualidade de um bom diretor é saber ouvir.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Claro, estou trabalhando num novo roteiro com a Simone Alexal, roteirista do "Blackout".

quarta-feira, 24 de março de 2010

Caco Ciocler



O ator protagonizou vários filmes, entre eles: ‘Quase Dois Irmãos’, ‘Olga’ e ‘Desmundo’.

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Acho que o grande público não conhece a linguagem ou encara o curta-metragem como um exercício universitário de quem ainda não pode fazer um longa. O que não deixa de ser verdade, na maioria dos casos. Mas eu acredito no curta como linguagem e não somente como exercício. Acho um pouco impositivo obrigar o espectador a assistir a um curta antes de uma sessão de cinema. Acho um pouco ingênuo torcer para que um espaço para curtas seja criado nas televisões abertas... Mas dar a opção ao espectador de assistir a curtas nos DVDs que aluga, por exemplo, acho um bom caminho. As distribuidoras de DVDs fariam uma seleção ou concurso e incluiriam em seus menus essa opção. Assim estaríamos formando um público e estimulando a produção de qualidade.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Posso estar sendo leviano mas acho que é um pouco por causa desse lugar que o curta ainda ocupa de uma linguagem um pouco menor, de exercício universitário, de um caminho para o longa, sabe? E também porque o Jornal precisa vender. Não existe um mercado comercial para o curta, ou seja, não existe "noticia" para o curta. A não ser os festivais e mostras...e aí sim, acho que a crítica e a mídia cumprem o seu papel.
Você já participou de diversos curtas como: Limbo, Km 0, Jack, entre outros. O que te faz aceitar, como ator, um convite para atuar em curta-metragem?
Primeiro porque me sinto lisonjeado quando recebo um convite. Depois porque gosto de me exercitar. O curta é rápido, um exercício rápido, geralmente com um astral mais livre, mais democrático, mais de conjunto. Gosto das idéias frescas, sem dinheiro. Gosto de quem sabe que não sabe tudo.

O que te levou para trás das câmeras e ter a iniciativa de dirigir curta-metragem?
Foi uma certa arrogância ingênua. Tinha feito já uma série de filmes como ator e sempre sentia falta de alguma coisa, sempre imaginava como eu dirigiria aquela cena...o que diria aos atores... Depois me descobri, em análise, um voyer...e entendi que dirigir era um caminho interessante de exercitar essa faceta da minha personalidade.

Por que começou com curta?
Porque não tenho paciência para correr atrás de dinheiro.
Para vender projeto, essas coisas. E quando levo muito tempo para botar em prática uma idéia, a coisa toda perde o sentido. Senti vontade de contar uma história, tinha uma câmera, tinha amigos a fim de trabalhar, de me ajudar...pronto. Os únicos gastos que tive foram com a gasolina e um jantar que paguei para a equipe. Além disso minha história foi concebida mesmo para um curta. Em momento nenhum tive vontade de fazer dela um longa...até agora!

Como é trabalhar com a síntese no curta-metragem?
A síntese é a alma do curta. É genial. Estou transformando agora dois vídeos meus para o formato de um minuto. É incrível esse exercício de desapego...a gente sofre para cortar, se apega, mas quando consegue entende a beleza da síntese... Alguns curtas são só boas idéias esticadas, sabe? Para virar um filme.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa.
Acho que sim. Mas acho difícil não brotar em você a vontade de experimentar outras linguagens. É natural.

Pensa em dirigir um curta futuramente? Qual é o seu próximo projeto?
Penso sim. Ele já está roteirizado. Não gostaria de falar muito sobre ele porque trata-se de uma adaptação de um romance. Mas nesse momento estou passando exatamente por essa dúvida, se ele é mesmo um curta ou um média, ou um longa...vamos ver. Acho que vou rodar o primeiro capítulo como um curta e ver o que acontece. Conforme for parto para o longa. O romance permite isso. tem oito capítulos interligados, claro, mas que se sustentam independentemente.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Aurora Duarte

Atriz, produtora e diretora de cinema, Aurora Duarte, já integrava a Associação de Cinegrafistas Amadores do Brasil, realizou o documentário ‘A Sereia e o Mar’, do qual foi diretora e dona do papel principal. Era o começo de sua carreira de atriz.

Aurora, eu gostaria que você explicasse a sua trajetória no cinema, como que começou a sua carreira e tudo mais.
Numa conversa com a Maria Della Costa, a gente chegou à conclusão que a história de todos os artistas são muito parecidas, são quase iguais. Então quando eu era bem nova eu brincava com os pedaços de filme “Paixão de Cristo” que eu era louca pela “Paixão de Cristo”, fazendo aqueles projetores. Depois, por coincidência, eu ainda era adolescente, eu conheci um francês que fazia filmagem para a Walt Disney, filmava pássaros, e eu comecei a ajudar na produção. Depois eu entrei, ainda adolescente, na associação de cinegrafista amadores do Brasil e fiz um filme, o meu primeiro filme se chamava “A Sereia e o Mar”, eu obviamente era a sereia, e fui a diretora, roteirista e fotógrafa desse filme. Isso me deu popularidade devido a minha idade, eu tinha 13 para 14 anos quando comecei a ter essas experiências, e também a publicar coisas em jornal sobre poesias, eu faço poesia dos 13 anos até agora. Eu tenho dois livros publicados.

Quando o Cavalcanti chegou a Recife, foi uma coisa natural que me levassem até ele, e eu queria trabalhar na produção, sempre tive mania de trabalhar por trás, e o Cavalcante achou muita graça por causa da minha juventude, e eu comecei a ajudar a ver os locais. Então essa experiência para mim, foi de uma importância muito grande, porque meu começo foi com um mestre que nós aqui não respeitávamos, mas eu vi lá fora como era. Trabalhei com o Cavalcanti entre preparação e filmagem mais de um ano. Depois eu vi Cavalcanti ser presidente do festival de Cannes e vi o publico todo aplaudindo ele em pé. Então meu começo foi com um mestre ultrajado aqui porque o que se falava de Cavalcanti era que ele era homossexual, e eu tive que responder muitas vezes essa pergunta em muitas entrevistas, mas na verdade é que ele é homossexual, e que eu dizia: é, mas não é só isso. Então eu explicava para muita gente que não sabia. Agora eu quero dizer o seguinte, eu também não sabia quem era Cavalcanti até eu sair do Brasil, porque daqui a lembrança era de um cara que não tinha tido uma experiência que não foi muito boa na Vera Cruz, e que era homossexual, que era uma coisa secundária, ele era um homem de uma classe incrível, e isso era uma coisa irrelevante. E depois eu tive com ele em vários festivais internacionais. Ele vivia muito na Itália, e todas as vezes que eu estive na Itália, eu estava com ele. Este começo ele foi muito importante, foi o fundador do documentário na escola de documentário Inglesa, dai eu ter ficado como documentarista até hoje, apesar de ter ingressado como atriz, modelo, tudo, até cantei, mas eu me considero uma documentarista.

Pouca gente conhece sua faceta com o curta-metragem. Gostaria que você contasse como foi seu trabalho com o curta. Você gosta desse trabalho, como que é?
Eu comecei a fazer um trabalho sobre folclore, então eu fiz 18 documentários sobre folclore, esses documentários foram para vários países, e eu viajei muito. Era candomblé maracatu, eu levava esses documentários para fora. Ai a minha vida como atriz começou, mas eu nunca liguei, esporadicamente eu voltava e fazia documentário. Mas o que eu acho importante na minha formação, foram as pessoas que tiveram influência na minha vida. Porque eu saí da influencia de homem como o Cavalcanti e fiz 6 filmes com o Carlos Coimbra que era um diretor que não tinha cultura, e eu tinha que ensinar coisas elementares para ele de filosofia, de vida, de história, e ele ao mesmo tempo sendo o grande técnico, porque ele era um grande montador. Ele tinha essa coisa de técnica de cinema, que ele prestava tanta atenção, que é um conto que eu me debato muito, e que nós brasileiros, nós ainda não entendemos, nós cineastas, que o cinema é uma arte baseada numa técnica, não adianta você ter uma grande idéia, se você não sabe realizar tecnicamente. Então você vê, eu faço muitas restrições a muitos filmes, porque eles não disseram direito a que vieram por causa da técnica.

Futuramente a senhora pensa em filmar um curta-metragem?
O curta-metragem eu passei a fazer, eu fiz sobretudo o que eu tinha vontade. Eu fiz um documentário sobre Dantas mortas, sobre poesia, território do Poeta Emílio, fiz um documentário que eu me orgulho muito sobre a faculdade de direito Lar São Francisco, fiz um trabalho sobre a Revolução de 32 que todo ano passa ai pelas televisões e que foi um estudo que eu fiz muito grande, eu fiz um trabalho sobre alcoolismo, que eu fiquei muito tempo fazendo, porque eu sempre tive curiosidade, porque eu conheço tanta gente que bebe. Eu achei que eu tinha uma missão, e eu comecei a fazer uma pesquisa sobre alcoolismo. Esse filme foi considerado de utilidade pública e ficou e exibição durante 10 anos. Eu tenho projetos de documentários, mas no presente momento eu estou muito ligada, não é que tenho por encerrada a parte folclórica, mas eu sou muito por tema, e no momento eu estou muito interessada em história de assombração. No Brasil inteiro você tem histórias incríveis, por exemplo, o “Contos da Lua Vaga” que é um filme japonês que eu adoro, é uma história em preto e branco que tem paranormalidade e que tem uma história em Pernambuco muito parecida com aquela. Eu estou muito voltada no presente momento não a fazer documentário puro, mas a fazer uma coisa mais lúdica, porque o documentário eu já fiz bastante, agora vamos botar um pouco mais de mistério.

E o curta que a senhora gravou, gostaria que a senhora contasse um pouco da história desse curta-metragem?
Um dos documentários que eu acho que é mais interessante que eu fiz foi esse do alcoolismo deu mais satisfação, é claro, até hoje todo mundo fala porque eu fiz um painel sobre o problema do alcoolismo, como é que você faz os diversos caminhos para a cura. Mas eu gosto muito desses documentários da pesquisa, porque você acaba se apaixonando. A revolução de 32, eu fiquei 2 anos lendo sobre a revolução até fazer o filme, claro que fazendo outras coisas. Mas eu tenho filmes, por exemplo eu tenho um chamado “Porta para o Mistério” que é sobre aquelas escritas, que os desenhos estão comendo as letras. Aquele filme, eu já não era criança quando eu fiz, e eu subi aquelas montanhas com uma equipe onde ninguém tinha mais de 30 anos, então a equipe muitas vezes queria que eu ficasse em baixo que era perigoso, mas eu quis fazer. E aqueles buracos, eu fiz um trabalho, que é claro que o que o público viu, o que passou no cinema, que era de 10 minutos, que era da lei. Mas eu guardei esse material, e eu ainda pretendo colocar nessas coisas de mistério, porque eu filmei São Tomé das letras inteiro, que é um lugar muito cinematográfico, muito lúdico, muito interessante.

Eu gostaria que a senhora fizesse um comentário sobre essa nova geração de cineastas. Você vem uma geração que foi vitoriosa, que até hoje é referência no cinema nacional. Como a senhora enxerga esse pessoal que está surgindo , você acha que ainda tem essa integração dos cineastas de um tempo atrás que ainda estão atuando com os novos, você acha que ainda tem que aprender, ou você acha que não vai geração como a sua no cinema nacional?
Eu acho que existe uma distância muito grande, eu tenho contato com cineastas jovens, mas você depois que fica com certo conceito, as pessoas ficam com certo receito de fazer alguma coisa. Então eu não comungo realmente com a nova geração, mas eu tenho contato. E eu acho que nós estamos entrando, porque na minha geração, eu faço muita critica a falta de técnica dos filmes, poucos filmes eu considero bem realizados tecnicamente, acho que muitos ficaram no meio do caminho. Por exemplo, eu adoro “A hora da Estrela” da Suzana Amaral, acho um filme perfeito, porque é uma bela história e está muito bem focado. Agora desses mais recentes, aquele filme do Bavis onde ele filma São Paulo, como eu gostaria de filmar. Então eu gosto muito do filme, porque ele se apropriou da coisa que tem o cinema, que é a sua técnica, e ele conseguiu para mim, admirável, gosto muito do filme dele. Gosto do “O Cheiro do Ralo”, agora eu continuo fazendo muita restrição ao cinema brasileiro, sabe por quê? Nós não conseguimos conquistar o nosso publico, nós temos hoje bons financiamentos, mas a realidade é que o público ainda não está lá.

Existe todo um trabalho, existe um filme que eu gosto muito “O homem que copiava”, porque aquela coisa moral, aquela coisa o bandido se dá mal, eu acho ótimo, porque fica uma coisa mais real do que um bandido se dá bem, mas é um filme, mas muita gente não tem o filme visto como deveria ser. Nós temos ai uma mentirosa visão do que é o cinema atual, mentira, porque o público não está indo ver. Tem um filme meu, não vou falar da “morte do Cangaço”, porque é um filme que ficou 20 anos em exibição, mas vamos dizer, é um filme que ficou duas semanas, deu muito mais expectadores do que muitos lançamentos atuais em um mês dois meses, três meses. Eu acho que no presente momento, estamos encontrando um caminho certo, começamos a nos apoiar na técnica para usar a nossa linguagem. Como você prescrever você tem que saber a gramática, finalmente o cineasta de hoje ele sabe que tem que ele tem que conhecer os planos, agentes, e que mesmo que ele não vá colocar a lente, eu tenho que saber o que eu quero. Nessa parte eu acho que é uma grande vitória, mas eu acho que nós ainda não temos uma identidade. Essa é a realidade, não temos uma identidade do cinema brasileiro.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Luiz Valcazaras



Valcazaras é diretor teatral, dramaturgo, criador e agitador cultural. 

Luiz, conta sobre a sua experiência com cinema.
Na verdade, eu vou contar uma experiência muito singular do cinema. O cinema me acompanhou muito perto na infância, porque meu pai era dono de cinema no interior de São Paulo, então eu era mais conhecido como o filho do dono do cinema. Então toda a geração que eu tive com a arte de representação começa com o cinema principalmente com esse contato que eu tinha com o meu pai. Eu era muito jovem, era menino e ficava na casa de máquinas vendo eles rodarem as bobinas de filmes, assistia filmes pela janelinha de onde se projetava. Meu universo cinematográfico começa desde a infância.

Com essa possibilidade que eu comecei a pensar em sair do interior e criar uma arte que fosse muito próxima ao cinema. Nessa época não tinha ainda o cinema novo, o cinema era uma coisa ainda muito difícil, ele não era tido como indústria aqui no Brasil. A dificuldade de fazer cinema era muito grande. Então eu achei que me aproximando do teatro, eu estava mais próximo como artesão, estava mais próximo de uma arte que eu pudesse executar, independente de um grande patrocínio, enfim, estava mais em cima das minhas possibilidades. E eu comecei a trabalhar como ator de teatro, daí comecei a descobrir que é importante numa interpretação, os atores tinham um equilíbrio entre prazer e responsabilidade, achei isso muito bacana.

Eu enquanto ator, sentia mais responsabilidade do que prazer, porque eu queria ser o melhor. Então eu comecei a estudar todas as coisas que envolvem o teatro, iluminação, direção, trilha sonora, figurino, enfim, tudo que embargava o universo da interpretação. A dado momento eu vi que esse equilíbrio de prazer e responsabilidade encaixava quando eu estava dirigindo. Eu estou levando mais a entrevista para o lado do teatro, porque é onde eu domino mais, mas todos os meus trabalhos, todas as minhas concepções no palco deve diretamente para o cinema. No cinema nós temos vários tipos de cortes, tem o americano, de close e tal, e no teatro agente tem que trabalhar só com dois cortes, que é plano geral, e plano detalhe, ou você abre a cena e fala do universo vasto que está passando ali, ou você fecha em um foco de ação como se fosse um plano detalhe, como se fosse só no que o ator está contanto. Todas as minhas criações estão muito baseadas no universo do cinema, hoje eu costumo brincar, hoje não, nós temos a edição digital...

Luiz, você pretende ir mais fundo, já que seu trabalho tem essa inspiração no cinema, e ir efetivamente para o cinema, talvez um curta-metragem, que é uma coisa mais experimental, que aproxima um pouco do teatro, que não tem que seguir tanto os trâmites do cinema?
Na verdade a experiência que eu tive, além de fazer alguns curtas, e como trabalho diretamente vinculado ao ator, mesmo o Evaldo Mocarzel além de fazer documentários, ele tem uma enorme vontade de fazer ficção. Ele me procurou certa vez, porque ele queria ter mais esse dia-a-dia do ator. Então eu chamei ele para o meu grupo e falei, olha você vai ter uma experiência no teatro, dentro da sala de ensaio, para ver como um diretor interage com o ator. E ele veio e entrou como se fosse um teórico assistindo, eu o viele fazendo os exercícios com os atores, interagindo com os atores, foi uma experiência muito legal. Em contra partida, ele me levou para um lugar de cinema, que era para ter a mesma experiência que ele teve com o teatro, eu ter com o cinema. E ele me convidou para fazer essa experiência de direção, do “Do Luto à Luta”, e como é um documentário a gente não consegue sair ileso, porque nós não estamos fazendo ficção, a gente está fazendo com a realidade das pessoas, agente invade a casa das pessoas, invade a vida das pessoas. E essa experiência que é um documentário me abriu uma vontade muito grande de trabalhar com o cinema.

Depois ele rodou ‘À Margem do Concreto’, o roteiro inicial ele queria trabalhar com partes ficcionais. Então a parte que era documentário ele trabalhou, e a parte que era ficcional eu trabalhei com pessoas que ocupam prédios, e a gente fez vários rituais diante de fogueiras, diante de ocupações e tudo mais. E na verdade com um papo, acho que com o Bernardet, ele falou que era legal ficar só na ficção. E então o Evaldo, depende, acho que quando ele lançar esse filme em DVD, fazer uma parte sobre o que foi montado dessa parte que é mais teatral. Mas ficou essa vontade de ir um pouco mais a fundo, como eu falei para você, o cinema não depende só da visibilidade, ele depende de toda uma gama de fatores que são logísticos e que entrar nesse meio, não é só com boa vontade que agente entra, tem que ter certa política, tem que saber com que produtora que trabalha. Com um simples roteiro por melhor que seja, se ele não estiver embasado nesse fundo industrial dificilmente vai pegar um edital. É o que eu penso.

Como é trabalhar com o texto de teatro e de cinema? Quais são as diferenças ou as similaridades que você encontra nessas duas frentes?
Na verdade os dois veículos têm uma proximidade porque eles dependem do trabalho do ator. Dizem que o teatro é a arte do ator, e o cinema a arte do diretor. Mas essa inter-relação entre a direção e a arte de interpretar tem que estar muito afinada, muito ligada, para que no cinema o ator possa se expressar diante da tua arte dentro da concepção que o diretor está esperando. Às vezes uma grande expressão que é feita no teatro, um movimento de câmera pode resolver. E a outra coisa que é muito importante, é que no teatro você trabalha, na maioria dos casos, de uma forma linear, você tem uma história, você tem um estudo, você mergulha naquele personagem e quando você vai fazer a peça, você faz de uma maneira contínua. No cinema, eu acho que exige muito da concentração do ator, justamente pelos cortes, mudanças de câmera, e ele tem que manter uma linearidade de sentimentos, de emoção diante do que o personagem exige, sempre fragmentado.

Às vezes você está com uma emoção muito forte, tem que cortas, mudar a luz, mudar a câmera, e você continuar com aquela emoção. Eu acho na verdade genial, acho que os bons atores têm isso, uma arte esquizofrênica, quando você trabalha pensamento, emoção fragmentados, esquizofrenia que é espírito cingido, espírito fragmentado. É uma alegoria que eu estou fazendo para mostrar que como o ator consegue deturpar a sua emoção, um texto mantém suas qualidades, agora fazer isso com a emoção, tem que ser muito bom, tem que ser muito experiente, tem que ser muito perspicaz o trabalho do ator no cinema. Por isso que quando o ator não tem essa experiência, um ator novo, como a gente vê ao trabalhar com adolescentes e crianças, depende muito do diretor, de como ele consegue dar o processo de continuidade na emoção de quem ele está trabalhando.

O teatro é mais retina, você assiste e aquilo se perde. Já teve algumas experiências que fora filmadas,como agora o Direções da TV cultura. Você acha que teatro dá para ser filmado, e virar um bom filme e um bom programa de televisão?
Eu acho que são duas linguagens diferentes, por exemplo, no teatro, quando você quer fazer silencia, você precisa de um silencio numa cena, não é a ausência de barulho que trás o silêncio. O silêncio é aquilo que o ouvido acostuma. Já foi provado que um ser humano isolado de tudo, ele vai ouvir o barulho do coração, quer dizer, o silencio absoluto não existe. Por que eu estou falando isso? Porque você tem que criar a noção de silencio no palco, o que seria isso? Se tiver um som de fundo em que o ouvido acostume e isso isole os sons que vem de fora, isso produz no teatro o silêncio. No teatro você tem que criar o silencio. Quando você vai filmar uma peça, eu não acredito que você registrar uma peça no palco, de um bom filme, são linguagens diferentes. Você tem que captar com a câmera o que seria o olhar do espectador, então você tem que reler o texto de teatro na forma do olhar do espectador. Isso daria um bom exemplo acho quer, era um filme de cinema, e que fundamentalmente é teatro, que é o Lars Von Trier, quando ele faz ‘Dogville’, o que se passa todo no estúdio, e a casa é desenhada no chão. Eu acho que a experiência de misturar essas duas linguagens, teatro e cinema, se conquista com maestria por Lars Von Trier em ‘Dogville’, ali você tem um cinema puro, uma narrativa cinematográfica maravilhosa, e é puro teatro, desde a concepção cenográfica, iluminação, os atores. No começo há um estranhamento, meio que se separar daquilo que está acontecendo, mas a narrativa vai te pegando de tal foram que dentro da sua cabeça, funde essas duas linguagens, teatro e cinema de uma forma exemplar. Existem outros filmes que foram concebidos e feitos desta maneira, mas acho que o melhor exemplo de uma bela fusão de linguagens teatro e cinema, com certeza para mim ‘Dogville’ é um dos melhores.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Walter Webb



Walter é produtor de cinema. Trabalhou em muitos filmes dos ‘Trapalhões’.

Conte sobre a sua experiência com os Trapalhões, você que foi o produtor executivo...
Eu trabalhei com o Renato Aragão na época e ele não fazia parte da Rede Globo, ele era da TV Tupi, e por incrível que pareça, eu fiz os filmes mais rentáveis do Renato. Teve um filme que eu fiz com ele, que enriqueceu ele, chamava-se “Simbad, o Marujo Trapalhão”, direção de J. B. Tanko que era um grande artesão, e que fez os melhores filmes do Renato Aragão, todos foram feitos pelo J. B Tanko. Depois que ele entrou na Globo, ai mudou o esquema, e o Renato pegou aquele sistema global que gastava muito dinheiro, mas ele não ganhava tanto dinheiro como ganhava nesses filmes todos. Eu fiz o “Hobin Hood, o trapalhão na floresta”, fiz “O trapalhão na ilha do tesouro”, fiz “Simbad, o Marujo Trapalhão”, e fiz o “Trapalhão no planalto dos macacos”, foi o primeiro filme com o Mussum porque antigamente era Didi e Dedé, e depois tinha o Mussum que entrou nesse filme. Foi um filme interessantíssimo também, foi o grande êxito da Renato Aragão Produções.

Explica para o pessoal, como que é o trabalho do produtor executivo. Qual que é a função dele dentro desses filmes?
O Renato é o produtor do filme, o produtor em geral, é o homem que capitaliza o dinheiro. O produtor executivo é o que vai executar. O Renato é como ator e produtor, ele não podia ficar a frente da coisa. É a mesma coisa se ele fosse o diretor, então ele contrata o produtor executivo. Para você ter uma idéia, você é dono de um terreno, e aí você quer construir uma casa. Então você vai contratar um arquiteto. Eu sou o arquiteto, no caso do filme. Aí o arquiteto vai contratar um engenheiro, que no meu caso, eu contrato um diretor de produção, e o diretor de produção que coisa das coisas do elenco, mas o produtor executivo é o administrador. É aquela figura que não vai à filmagem, ele fica no escritório cuidando do o dinheiro e das coisas. O produtor executivo é isso.

O senhor já produziu curtas-metragens?
Sim, eu sou produtor de curtas-metragem. Terminei agora dois curtas, e estou fazendo agora um filme sobre Solano Trindade, e estou produzindo um longa-metragem sobre Jorge Amado atualmente.

O que você acha do curta-metragem. Da singularidade do curta. É um trabalho bacana, que te satisfaz?
É um trabalho mais importante da pessoa que quer fazer cinema, porque a academia não vai lhe ensinar a fazer nada. O curta-metragem é a régua e o compasso que a pessoa tem. Você pode fazer curtas-metragem, que é uma produção barata. Você vê que tem curta-metragem muito melhor do que longa. Por exemplo “Cidade de Deus” é um longa-metragem que foi extraído de um curta-metragem chamado “Palace II”, eles fizeram o “Palace II” e aí perguntaram; Por que vocês não fazem um longa? E o curta era melhor que o longa. O curta-metragem é uma grande escola. Todo o cineasta, o Spielberg, o Walter Salles, o Tarantino, o Brian de Palma, o Scorsese, todo esse pessoal surgiu através do curta-metragem. Quer é uma linguagem, você exercita em 10, 15 minutos, que é uma coisa difícil você contar uma história, mesma coisa que o comercial de televisão. Um filme de 30 segundos, você sabe que os grandes diretores do momento hoje, são oriundos do cinema de publicidade. Aqui no Brasil e no mundo tudo. Porque é muito difícil você fazer um filme e contar uma história em 30 segundos, por isso é que um diretor de comercial faz um longa brincando, já um diretor de um longa não faz um comercial de 30 segundos. Ele não tem o ‘time’ para fazer, muitos dizer que é fácil, mas ele não faz.

O produtor que quer ver o seu trabalho, seu filme que foi produzido diante de uma platéia enorme, o curta é pouco visto, a não ser nos festivais ou um público bem restrito. Isso de certa forma atrapalha o crescimento para o curta, que é até um pouco marginalizado pelo próprio meio, pelos expectadores?
Existe uma lei no Brasil que é obrigado o cinema a passar antes do filme um curta-metragem. Quando o Collor chegou ao governo e acabou a Embrafilme, acabou, mas a lei continua só que ninguém cumpre, porque não há legislação, porque não há quem cobre isso. Existe uma lei em que é obrigado a passar um curta e o produtor do curta receberia 6 ingressos por sessão. Então de cada sessão que passasse, ele receberia o proveniente a 6 ingressos, e você vê aqui, nós temos a sessão Petrobrás, que tem no cinema Belas Artes, no Anália Franco, no Santa Cruz, que passa diariamente 8 a 10 longas. E quando o curta é bom, ele tem comércio bom inclusive fora do Brasil, agora tem muito curta ruim, tem muito cara que faz curta ruim, como tem longa ruim também. Eu vi um filme essa semana chamado “O Banheiro do Papa” que é vergonhoso, um dos filmes mais horríveis que eu vi na minha vida. Mas o curta é uma grande escola, e os alunos que fazem meu curso, eu mando sempre fazer curta, eles fazem inclusive um curta de um filme, e então depois disso tem o comercial que eu mando o pessoal estagiar no comercial.