segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Pra pensar...

Nilson Primitivo

(principiado por quem reescreve, para fins de processos de tamboreamento controlados e suas APLICAÇÕES PRÁTICAS)

A Estrela invertida - Baphomet - Aquele que se supera

Sady Baby, o piá dos dois caminhos, O Hierofante, o revelador da Luz, o Instrutor. O grande mestre dos testes da vida (ver todas as cartas de número cinco).

Por ser o detentor de algum conhecimento, ele manipula em seu próprio interesse. É o grande Buscador da Sabedoria, para deter a Esfinge - saber, ousar, querer e calar. Estes são os quatro verbos do iMagista.

Interpretações: manipulador, amoral, esforçado, buscador, paciente, obstinado, polêmico, odiado por muitos, amado por poucos, mestre Sady deixa sua impactante marca pessoal por onde passa. Sady teve, até os cinquenta e tantos anos de idade, tudo o que um cara pode almejar: fama, fortuna e um grande sucesso entre as mulheres.

Foi então que o raio imperial da burrice fantasmagórica enfim o alcançou. Um decreto com o lacre da Policia Federal jogou-o, desterrado, para bem longe.

A burrice fantasmagórica, sempre ciosa em manter uma fachada de respeitabilidade, encontrou algo entre os pertences da sua ex-mulher, vocacionada à libertinagem, doidivana, cultora de Vênus, a quem os intrigantes diziam ter também aspirado as estrofes cinematográficas as envenenadas de erotismo do pobre exilado.

Seus filmes são um manual de intriga e sedução escrito em versos, a quem a burrice fantasmagórica atribuiu os seus próprios pecados e desatinos. Estes filmes nos perdoam, nós pobres diabos, e promete-nos uma nova felicidade. Aquele que compreendeu beníssimo esse nexo, o qual trata da vida e do sofrimento do subproletariado, desocupado e criminoso, recorre à ajuda da música das Paixões. Movimentando do seu ponto de vista estético e político, Sady teve o propósito de promover mais uma vez uma mensagem verdadeira e demonstra o quanto o seu cinema estava apto a levar a palavra em um contexto real de segregação, e quanto é irrelevante o perigo de equívocos sobre este cineasta ou do seu mau uso. Seus filmes estão, como seu autor, da parte do povo, dos humildes e do ofendido, e ainda fala a sua língua. Todos os mártires do mundo reconhecem-se e reencontram-se neste pedido de socorro.

Além disso, a dissolução dos costumes é combatida oficialmente pelos censores e demais magistrados, na tentativa de manter elevada a fidelidade para fins de reprodução. Por si mesmos não teriam nunca desejo algum de ciência, simplesmente porque as sociedades de que fazem parte não sente dela necessidade absolutamente nenhuma.

Foi assim que, do dia para noite, a atrevida vida mundana de Sady Baby, que trafegava na ‘night’ com o desembaraço de um verdadeiro soberano, confirma-se o desterro.

O poeta, já no caminho do exílio, não poupou lágrimas na tentativa de demover os nobres pregos a reverem a punição. Mesmo quando morreu, ele pode manter as expectativas de um retorno.

Pereceu pelo próprio engenho. Ainda que tal qualidade pareça, à primeira vista, desejável por si mesma, o indivíduo não a procura senão quando a sociedade o leve a isso, e o faz da maneira pela qual ela lhe prescreve.

Assim, o poder esqueceu-se de Sady Baby. Mas, felizmente, não o mundo. E amanhã não seremos o que fomos / nem o que somos.

Obs : Esse tamboreamento permitirá a obtenção de superfícies adequadas..

Nilson Primitivo é cineasta e colunista do blog Os Curtos Filmes.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Esmir Filho



Esmir é diretor de cinema. Começou sua trajetória no cinema dirigindo curtas de grande repercussão, como o ‘Tapa na Pantera’. Depois de muitos prêmios, fez seu primeiro longa ‘Os Famosos e os Duendes da Morte’.

Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
Ele é justamente uma peça onde você pode experimentar. O formato curto te proporciona exercitar seu olhar perante o mundo. Porque estórias há muitas, mas os olhares devem ser únicos.

Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Simplesmente porque não são comercializados. Espaço na mídia = comercialização de produto.

Como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Acho que a internet veio aí para ajudar. Muitos curtas estão sendo vistos por causa da internet. a duração ajuda. Já tentaram passar curtas antes dos longas, mas os exibidores não querem perder tempo (dinheiro) com isso.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Bom, eu sempre vi o conto para um curta, assim como um romance para um longa. Eu estou lançando curtas meus em editais ainda. Acredito, gosto, me envolvo. Não acredito em trampolim, mas acredito no exercício do olhar. Você pode ser um cineasta só de curta-metragem, é só uma questão de opção. Mas porque não fazer um longa também? É o sonho de todos.

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Não acho. Eu, inclusive, sou a favor da profissionalização do curta. Não faço curta sem grana, chamando galera pra ajudar. Acho o fim!!! Para que o curta ser respeitado, deve ser profissionalizado: todo mundo ganhando, cronograma e orçamento organizados. Assim se leva a sério.

Seu curta 'Tapa na Pantera' foi a maior sensação cinematográfica dos últimos anos. Podemos considerá-lo o 'Ilha das Flores' do século XXI?
Hummm... não sei. São coisas diferentes. o "Ilha das Flores" é um curta elaborado, ovacionado em festivais importantes de cinema, levado ao público em diversos formatos. O grande mérito do "tapa" foi o meio divulgado, a internet. De repente, milhões de pessoas estavam assistindo e mandando umas para as outras. Foi um fenômeno cultural virtual e espontâneo. eu acho que a diferença é que o evento "viralizador" que aconteceu com o "tapa" é muito mais importante historicamente do que o conteúdo do curta, que é uma brincadeira sobre o tabu da maconha. Com "ilha", é diferente. Não importa onde foi e como foi divulgado. É um grito pedindo socorro. e que foi ouvido por muitos.

Qual é o grande atrativo de filmar um curta?
Exercitar seu olhar! Experimentar sem medo! Mais liberdade, ele é só seu. Você não tem pressão de patrocinadores, distribuidores.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
É só ganhar um edital e estarei filmando o próximo!

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

EU CURTO - Kassandra Speltri


VIDA MARIA

Animação é um artifício singelo que nos faz tremer quando produzido com sensibilidade, e é o caso em questão.

Trago hoje um curta dessa modalidade que deixou em mim a sensação de que não só tenho muito a aprender, mas também a de que devo arregaçar as mangas e dar continuidade a um assunto que deveria ser abertamente discutido pela sociedade sem demagogia ou melindres onde todos tapam o sol com peneira e segue-se a vida adiante a olhar cada um para o próprio umbigo.

Em “Vida Maria” de Márcio Ramos, a menina Maria José faz parte de uma triste estatística do nosso país, mas disso não preciso falar porque já estamos carecas de saber que esta é a realidade de muitas crianças.

Dito isto, destaco aqui a vida dessas pessoas que foram tolhidas de oportunidades e estão acostumadas a se contentar com esmolas e muitas vezes encontram nisso oportunidade pra ganhar a vida.

Essa é a cultura a que nos coagimos passivamente a viver, onde é permitido sem vergonha ou compaixão pelo ser humano que se transferira a exata medida da falta de escrúpulos dessas pessoas que poderiam acabar com esse ciclo vicioso onde não existe vida e sim sobrevida, de geração para geração. Essa é a nossa cultura!

Sendo assim, não acredito que somos todos iguais, temos um pedestal invisível onde percebemos que existe um lugar melhor pra algumas pessoas, e que ao que parece essas pessoas não são feitas do mesmo material descartável dos tidos como “pobres” e “marginais”, e em se tratando do “ser humano mulher” isso se agrava em muitos pontos. Mulher, mãe e artista então seria indiscutivelmente fora de questão, não existe!

Como agir? O que se pode fazer? Como se encaminhar para o término de um ciclo ruim? E se eu nunca perceber?

A produção e divulgação de obras como esta nos tornam ativos na prevenção desses vírus, a violência contra a mulher, por exemplo, é tida como pandemia nas estatísticas das secretarias de saúde.

Vamos acordar! Além de lindo, muito bem cuidado, singelo, delicado e profundo, essa obra fala de seres humanos e famílias de verdade que vivem a sustentabilidade forçada, aquela que talvez jamais tenha condições de consumir a insustentável margarina da propaganda de televisão que mostra a família ideal, linda e perfeita, mas que é família também.

Deixo meu post em forma de manifesto. Kassandra Speltri, desobediente civil, ativista, mãe, artista, marginal e MULHER!

Kassandra Speltri é atriz, dramaturga, diretora, artista plástica e colunista do blog ‘Os Curtos Filmes’.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Antonio Grassi



Ator, diretor e produtor. No cinema seu currículo inclui varias produções de sucesso no Brasil e no exterior, entre elas: “Carandiru” de Hector Babenco, “Bens Confiscados” de Carlos Reichenbach, “Gatão de Meia Idade” de Antonio Carlos da Fontoura, “Todos os corações do mundo” de Murilo Salles, “Boleiros” de Ugo Georgetti, “Missão de Amor” de Dino Risi, “Jorge, um brasileiro” de Paulo Thiago e “A cor de seu destino” de Jorge Duran. Atualmente é presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte).

O que te faz aceitar participar de uma produção em curta-metragem?
O roteiro e o personagem... adoro curtas.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Creio que pelas dificuldades de espaço para exibição.

Como deveria ser a exibição de curtas para atrair mais público?
Na TV seria um espaço fundamental, dai a importância da TV pública.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Creio que sim... o curta é uma excelente experiência de linguagem. Como o conto está para o romance!

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Acho que não... a dificuldade é mesmo o espaço para exibição.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Penso sim... tenho várias idéias e alguns roteiros.

Qual é o seu próximo projeto?
No momento quero fazer bem os atuais... novela, trabalho na TV Pública e algumas curadorias.

domingo, 23 de outubro de 2011

CURTA PASSIONAL - Carlo Mossy


MEU CURTA CURTO-CIRCUITO

Oito minutos e trinta segundos narram toda a trajetória improrrogável de uma mulher de sessenta e sete anos. Oito minutos e meio desenham a esgotada ambição vivencial de um homem de setenta e seis anos.

Em oito minutos e meio se extraem, através de cuidadosos, corajosos e sensíveis fotogramas, ainda a serem filmados (gravados), os atos finais de um casal idoso, que diante da extremada hora de suas morte-cúmplice, arquitetada por eles mesmos nos mínimos detalhes, em sua residência terceirizada, exatamente às 14 horas, donde, através do responsável ato supremo, pretendem os dois descortinarem à sua magnânima veleidade, o exercício de seu continuísmo maridado, prefixo do até que a morte os una, em nome de um amor parceiro e vivido conjuntamente por intensos cinquenta anos, agora e para sempre, espontaneamente e docilmente pré-celestial.

Trata-se de um filme filosoficamente otimista apesar de não sê-lo tecnicamente.

- Para Goethe “o suicídio não nega a dignidade da pessoa humana”, - adorável Cíntia - cochicha em seu ouvido o homem.

- E para o filósofo Albert Camus “o suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo”, - amado Diógenes - replica-lhe a desgastada senhora.

-Então, para Nietzsche, Goethe e Schopenhauer “o suicídio traduz-se no maior conforto na vida”- cantarolam baixinho uníssonos os dois idosos, que deitados na mesma cama, devidamente vestidos a rigor, ela de branco e ele de bege, preparam-se à descoberta da eternidade cósmica.

Para mim, autor e diretor desse curta-metragem pós-existencial, colega blogueiro, o suicídio é uma condigna auto-eutanásia: o princípio de um algo inexoravelmente maior.

Oito minutos e meio para contar os detalhes e as providências metafísicas afeiçoadas à crepuscular auto-eutanásia, de um belíssimo casal de idosos, que não deseja mais, simplesmente, continuar vivendo, diante da responsabilidade cívica que se lhes impõe doída e desnecessária.

Abandonados inescrupulosamente pelos filhos e netos num asilo de velhos, os dois decidem abandonar, em contrapartida, a tudo e a todos. Explico nesses oito minutos e meio qual a diferença entre o convencional suicídio e o que eu denomino subjetivamente como sendo a –“gloriosa” auto-eutanásia.

Oito minutos e meio em que tentarei decodificar o curto-circuito existencial de dois seres humanos, que cansados em continuar sendo um fardo para si e à sociedade familiar impiedosa, curtem a ideia em complementarem sua viagem, só de ida, à aventura do - "piedoso" - desconhecido. Dois fios desencapados em forma de gente, que se eletrizam em comunhão de bens generalizados, em nome do amor e da dignidade que lhes basta.

Baseado numa história belíssima e real, dediquei-me em esmiuçar, detalhadamente, o dadivoso e o singular significado da vida e da morte através da única arte disponível à plena emotividade audiovisual: o do curta-metragem.

Não se trata de mais uma metáfora contextualmente celulóidica. O curta em questão, “Até Já, Meu Amor!” ainda sendo escrito, é o natural e despretensioso testemunho silencioso de duas pessoas maturadas, conscientes de sua transição espiritual e carnal. Uma ode ao egoísmo e à intolerância do que consideramos sendo uma família.

Nas entrelinhas das Bíblias do Novo e do Antigo Testamento, desenreda-se em algumas citações e profecias, o deslustre da tal família, interpretando-a como sendo o pior inimigo que colecionamos em vida: pois os familiares desejam tudo de nós e, à contrapartida, nos oferecem muito pouco, quando nada.

Carlo Mossy é diretor, ator, produtor, roteirista de cinema e colunista do blog Os Curtos Filmes.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Matheus Trunk



Matheus é pesquisador e um dos idealizadores da Revista Zingu! (http://www.revistazingu.net/).

Você é um dos criadores da Revista Zingu! que está há mais de cinco anos no “ar”. Como surgiu a sua ideia? Quais as dores e as delicias de manter um trabalho desse na internet?
É uma alegria a publicação estar completando cinco anos. Na realidade, eu criei a Zingu em outubro de 2006 e convidei alguns amigos para participarem. Era uma coisa completamente amadora, não tínhamos ideia que iria durar tanto tempo. Inclusive eu que dei o nome. A proposta inicial era falar de filmes e pessoas do cinema paulista que não tem espaço na grande mídia. Na época que criei, haviam várias revistas eletrônicas de cinema e nenhuma dava atenção ao cinema brasileiro popular. Como eu sabia que pessoas e filmes mereciam ser redescobertos, acredito que a publicação vem cumprindo a sua função. Muitas pessoas que dedicamos os dossiês acabam virando amigos pessoais e nosso trabalho ajuda essas pessoas. Essa é a melhor parte. As maiores dores são pessoas que utilizam o conteúdo da publicação em matérias e obras literárias e não nos citam como fonte. Juridicamente, eu poderia processar essas pessoas.

Você é um pesquisador e estudioso em cinema, com um olhar mais direcionado para a produção da Boca do Lixo. Conte qual a importância do curta-metragem nesse período.
Nesse período, muitos curtas eram produzidos graças á lei de obrigatoriedade. Por isso, o pessoal que estava começando na profissão acabava fazendo curtas-metragens. Existiam os filmes com episódios que tornavam as produções mais baratas. Isso foi feito diversas vezes na Boca e sempre tiveram boa presença de público. Atualmente, os filmes de episódio não são explorados.

Quais curtas da Boca você destaca?
"Festa na Boca" de Ozualdo Candeias, "Essa Rua Tão Augusta" de Carlos Reichenbach. De episódios que foram colocados dentro de longas-metragens posso destacar vários. Me lembro de "O Pasteleiro", 1 e 3 em "Caçadas Eróticas" de David Cardoso, "A Peça de Ousadia" de Luiz Castillini, "A Viúva do Doutor Vidal" de "Aqui, Tarados", de Ody Fraga, "Belinha, a Virgem" de "As Safadas", de Antônio Meliande, "O Despejo" de 'Cada Um Dá o Que Tem" de Adriano Stuart. Mas tem muita coisa interessante porque é uma produção gigantesca, eles tinham uma verdadeira indústria.

Qual ator, atriz e diretor desta geração que você considera com o “espírito” da Boca do Lixo?
São diversos. Mas como você está pedindo um em cada categoria, eu escolheria o David Cardoso como ator, a Helena Ramos como atriz e o Ody Fraga como diretor.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Essa é uma pergunta complicada. Em geral, o jornalismo cultural e cinematográfico feito no Brasil é ruim. O curta-metragem merece atenção, principalmente por lançar diversos jovens realizadores. Gente consagrada como Beto Brant, Jorge Furtado e Sérgio Bianchi (só para citar alguns) começaram a carreira fazendo curtas. Programas como o Zoom na TV Cultura e as exibições diárias no Canal Brasil são importantes. Mas esse tipo de filme deveria ter mais espaços nas salas de cinema. Na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, vejo diversas sessões de curtas brasileiros e o publico sempre gosta bastante. Lembro de um documentário sobre o Barão de Itararé e muita gente aplaudiu na sessão. Foi algo muito bonito. Essa ideia que o curta deve ficar restrito a um público seleto é pura bobagem e preconceito. O filme de menor duração tem apelo com o grande público. Infelizmente, somos um país que não prestigia a sua própria cultura. O pouco espaço para o curta-metragem acaba sendo conseqüência disso.

Como deveria ser a exibição de curtas para atrair mais público? Na época da Boca existia a Lei do Curta que nunca era respeitada.
O público gosta de ver curtas brasileiros quando eles tem temas interessantes. Nas sessões de Tropa de Elite 2, antes do longa, foi exibido um curta com o Wagner Moura que teve grande sucesso com o público. Não gosto de misturar política com cultura, mas uma lei de obrigatoriedade seria algo importante. Os realizadores e o público que gosta de cinema brasileiro iriam agradecer.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem?
Muita gente irá dizer que não. Mas é possível. O Primo Carbonari nunca dirigiu um único longa-metragem. Mas você vai dizer que ele não tem uma obra? Pode ser que os filmes dele tenham uma série de equívocos. Mas os trabalhos dele tem um valor inegável e são documentos históricos.

Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa. O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas? Na Boca era assim?
O curta sempre foi olhado como um trampolim. Quando o Joaquim Pedro de Andrade fez Couro de Gato, ele esperava chegar num longa. Na Boca funcionava da mesma maneira.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Penso em trabalhar com documentários. Gostaria muito de fazer algo sobre ex-jogadores profissionais que atuaram somente por equipes menores e não são lembrados. O futebol do interior de São Paulo é um universo de muitas histórias e personagens interessantíssimos.

Qual é o seu próximo projeto?
São diversos, porque meu trabalho não se restringe a Zingu. Mas uma das minhas grandes paixões é o Cinema da Boca. Pesquiso o assunto desde 2006. Por isso, estou com dois projetos de livro para um futuro próximo sobre a produção cinematográfica da Rua do Triunfo.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

André Klotzel



André é diretor, roteirista, produtor e montador. Estreou na direção de longas-metragens com ‘A marvada carne’. Já atuou como produtor, fotógrafo, montador, técnico de som, assistente de direção em 25 curtas e 16 longas-metragens. Seu último trabalho foi o longa ‘Reflexões de um Liquidificador’.

Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
O curta-metragem tem importância por si e pelo que anuncia e gera. Quase todos os diretores de longas passaram pelo curta e utilizaram esta prática como uma escola (alguns deles até fizeram curtas importantes). E muitos desses diretores foram anunciados pelos seus curtas. Mas isso é uma função secundária, pois a cinematografia brasileira de curta-metragem teve, ao longo do tempo, uma vida própria. Entre os filmes mais inovadores, livres, transgressores, os curtas se destacam.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Porque eles não têm espaço de exibição. E você dirá: como pode ter espaço de exibição, se não tem mídia? É o efeito tostines ao contrário...

Como deveria ser a exibição de curtas para atrair mais público?
Essa resposta é muito difícil de dar. Existia a obrigatoriedade do curta antes dos longas, mas esta experiência foi muito complicada e não deu resultados eficazes. Não sei como aumentar essa plateia, nem do longa nem do curta brasileiro. E em alguns momento sou bastante pessimista, pois acho que não estamos encontrando alternativas promissoras, e que o mundo conspira contra a exibição de cinema brasileiro de longa e curta-metragem.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Esteticamente eu acho que é possível ser um cineasta só de curtas, sim, como há escritores que escrevem contos e poesias. Profissionalmente eu imagino que não se consiga sobreviver do formato. Nem os cineastas, nem as empresas produtoras. Mas o formato de longa também não ajuda muito nesse sentido.

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Pelos motivos descritos acima os cineastas de longa não se mobilizam muito para fazer curtas, e neste sentido pode-se dizer que eles marginalizam sim. Mas no sentido do preconceito, eu não acredito que haja marginalização.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Eu adoraria dirigir um curta. E fiz curtas e médias entre todos meus longas, sempre. Só não faço isto com mais frequência porque acharia muito feio se eu entrasse para concorrer a um prêmio estímulo da vida. E os projetos de longas me absorvem em tempo e energia. Quando me oferecem a direção eu gosto muito de fazer.

Qual é o seu próximo projeto?
Isso é segredo... estou com duas ideias em gestação e prefiro não falar sobre elas enquanto não estiverem paridas.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

ESCURIDÃO - Ângela Dippe

“Somos mais normais quando sabemos o que está acontecendo. Somos mais imprevisíveis quando não sabemos ". 
Navid Hassanpour

1
Minhas primeiras lembranças cinematográficas datam de não sei exatamente quando.
Lembro de uma certa esquina de um certo cinema em Porto Alegre onde assisti a um certo filme .

Guardo algumas poucas sensações e muitas imagens desta " minha primeira vez".
Recordar faz com que os tempos verbais se misturem na memória de quem descreve a lembrança.

Tudo era gigantesco "naquele entonces”.

(adoro esta expressão importada .é uma afirmação do passado no presente.)

O mundo era todo maior que eu.

Eu era uma miniatura dentro do meu mínimo vestido de veludo cotelê com pequeninas florzinhas bordadinhas em alto relevo.

Uma mão maior que a minha me levava para um lugar enorme.
Na entrada um balcão solene e interminável. A nobreza do mármore e da madeira contrastavam com balas coloridas feitas de um plástico saboroso .
Para o alto um teto que eu não conseguia mais acabar de olhar.

O "lá em cima" ficava muito longe de mim.
Meus olhos giravam tentando absorver tanta magnitude.

2
E logo a imensidão da sala e da tela branca descomunal.
E logo a escuridão total.

Desesperada procurei por pontos luminosos
Descobri arandelas .

Nem sei de neons vermelhos ,sinalizadores de emergências ou toaletes.
Não lembro se haviam. Afinal nada era tão urgente ,nem se bebia tanta água!

3
Nunca gostei do escuro.

Antes da luz apagada ou do sono fixava-me na janela do quarto.

A vidraça era uma tela onde cabeçudos insetos gigantes e santos retorcidos projetavam-se pra me aterrorizar. Fechar os olhos significava um tormento de monstros azuis com anteninhas e de imagens religiosas em tom sépia.

4
Todo aquele breu foi colorido pela gargalhada da bruxa com sua terrível maquiagem metaleira a la Kiss !

Mas a maldade maior foi a das maçãs envenenadas .
Eu queria invadir a tela e advertir a Branca de Neve do perigo.

E o Bambi ?! Um órfão abandonado na escuridão da floresta!
Eu queria levá-lo para a companhia dos meus gatos e cachorros.

5
Digamos que eu sofri demasiado na minha primeira incursão cinematográfica.
Tudo me atingiu numa escala desumana.

Tanta violência, tanto medo ,tanta tristeza.
Mas e o volume / intensidade das cores ,do som e da música?
-Droga da melhor qualidade!(desde então sou adicta das salas escuras cheias de estímulos).

6
Especulando retroativamente, tudo foi fantástico e determinante.
Porque apesar dos poderosos recursos tecnológicos atuais , estas ainda são as lembranças mais contundentes.

Talvez por conta da fome de um cérebro mais jovem.
Eu era uma virgem de experiências, noviça na vida ainda....

7
Mais velha descobri as benesses da escuridão.
Adoro retardar os momentos que antecedem a luz no fim do túnel.
All black .

Chocolate dark, uma guinness preta,um tapa olhos .
Amo a escuridão.

Dentro dela não há estímulos externos que me suscitam necessidades.
Do ponto de vista das pálpebras fechadas não sonho mais pesadelos.

Fechar os olhos em paz sem ter que morrer ou dormir é um luxo!
A escuridão é a tábula rasa. A caverna do esquecimento.

Ela é perfeita para zerar. Para começar um novo raciocínio.
A neutralidade antes da novidade.
Tem a mesma função do copo de água antes do primeiro gole de um vinho.

8
Agora as coisas tem seu tamanho natural. As salas de cinema não me parecem mais tão descomunais.

Agora os olhos tem que estar sempre abertos .
As câmeras estão sempre acesas.

Agora é difícil você ter a chance de ficar quietinha numa caverna aguardando ansiosa por alguma surpresa.

A menos que você vá ao cinema.
Sentada na poltrona .
Apagam-se a s luzes.
Escuridão.
Eu viro folha branca vulnerável .
E me delicio entregue ao que virá.

Ângela Dippe é atriz, produtora e colunista do blog Os Curtos Filmes.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Leonardo Medeiros



Leonardo estreou em Lavoura arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho, pelo qual ganhou o prêmio de melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília. Em 2004, fez Cabra cega, de Toni Venturi, com o qual voltou ao festival e foi escolhido melhor ator. Desde então é um dos atores mais cobiçados para trabalhar em produções cinematográficas.

O que te faz aceitar participar de uma produção em curta-metragem?
Ultimamente está difícil encontrar espaço na agenda, independente disso, posso aceitar eventualmente um roteiro que seja bom e saia do lugar comum, com um projeto de produção profissional.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Proporcionalmente ao impacto das produções em leitores de jornal, acho a distribuição de espaço entre longas e curtas justa. O espaço do cinema brasileiro independente em jornais é pequeno em geral, não só para curtas.

Como deveria ser a exibição de curtas para atrair mais público?
Deviam passar antes dos longas. O problema é selecionar o que vale a pena ser visto.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem?
Devolvo a pergunta... É possível ser cineasta?

Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Em geral sim. É difícil encontrar um projeto de curta que apresente a mesma consistência de um projeto de longa. Tanto artisticamente quanto em relação a produção.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Sempre penso em dirigir cinema. Mas não concebo fazer produção e captação de recursos de forma alguma. Assim estou condenado a não dirigir cinema, já que o diretor no Brasil deve necessariamente ser produtor do próprio trabalho.

Qual é o seu próximo projeto?
Vários convites para longas e curtas, nenhum martelo batido. Portanto prefiro não comentar.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

BISTURI - Rejane K. Arruda


"O Grande Chefe" de Lars Von Trier.

"Não existe personagem e agora vamos jogar": a preocupação do mestre russo Constantin Stanislavski era formalizar um procedimento para que os atores pudessem articular o seu contexto com o contexto ficcional. Ou seja, lançando mão de verbos-de-ação, subtextos, monólogo interior, objetivos, ações paralelas, esquemas de ações-físicas, memória emotiva (com o seu próprio material) o ator pode dar vida à personagem.

Eugênio Kusnet, diretor e ator do Teatro Brasileiro de Comédia nos anos cinqüenta e sessenta, também evidenciou o jogo quando disse que o ator "evoca a segunda instação (ficção) através da primeira (seu próprio contexto)". Ou seja, o ator ficcionaliza as ações que, de fato, são suas.

No entanto, quem formalizou os operadores deste jogo foi Viola Spolin: divisão-de-foco e instrução. Se, em cena, há "problemas a resolver", "duplos-problemas técnicos" - diz Spolin - tanto melhor. Isto divide o foco. É com a divisão-de-foco que "o espontâneo acontece". De maneira que as instruções tornam-se elementos intrusos bem vindos.

Abre-se a porta, então, para a formulação de modalidades específicas de jogo. A operação de apropriação do contexto próprio que implica, como isntrução, a presença de um caráter fictício, parece estar presente em O Grande Chefe, do diretor dinamarquês Lars Von Trier.

O filme começa com o ator Kristoffer (Jens Albinus) contratado para representar o chefe Svend, inventado por Ravn, verdadeiro dono de uma firma de informática (Peter Gantzler). Ravn manteve Svend virtual durante dez anos e responsabilizou-o por todas as escolhas desagradáveis, enquanto preservava a sua imagem de bonzinho. Só que agora ele decidiu vender a firma e o comprador exige a presença do "grande chefe". Ravn, então, contrata Kristoffer para representá-lo na reunião de venda. Só que as coisas tomam um rumo inesperado.

Na primeira reunião com os funcionários da "sua" firma, Kristoffer precisa revelar o nome do "grande chefe". No entanto, não o sabe. "Vocês podem me chamar de Kristoffer" - diz. "E por que nós lhe chamaríamos de Kristoffer?" - diz um dos funcionários. "O seu nome é Svend E." - diz um outro que recebeu emails do grande chefe. "Isso mesmo, meu nome é Svend". "E o que significa o E" - perguntam.

No passo a passo das sílabas, ele inventa, então, o seu sobrenome. O processo de construção é assumido: "Posso dizer um nome por qual tenho predileção". Esta "borda" entre personagem e ator, entre primeira e segunda instalação, ganha contorno no filme de Lars - justamente por explicitar algo que é geralmente velado. Além disso, escolhas instantâneas, estas que parecem emprestar à performance do ator o espírito do "não-cálculo", da apropriação no aqui e agora, parecem estar presentes no percurso de Kristoffer.

Se os atores têm informações diferentes para jogar, se há coisas que um ator sabe e o outro não, em cena, quando a informação irrompe, a reação é no próprio contexto. Flagrada, esta evoca a ação do personagem. E já que este "real" (relações sociais onde de fato está inserido aquele sujeito) surge, a atuação torna-se "natural" (tomando o termo como problemático, já que se trata da construção de um jogo).

Na primeira cena com o possível comprador da firma, o brilho se deve (em grande parte) ao mau humor de Kristoffer - instalado a partir da surpresa diante do outro que acaba de dizer a sua frase decorada: "Eu sou o presidente da empresa". O desacerto cede lugar à contrariedade (rubaram a minha fala). Se a surpresa foi induzida a partir do desconhecimento do ator Jens Albinus ou se este joga, por exemplo, com "roubaram a minha fala" (elemento que produz sensação), isto implica duas possíveis modalidades de jogo. De qualquer maneira, se ele se surpreende, para o comprador da firma (que nada sabe da farsa) aquela é a reação de Svend (o grande chefe, personagem inventado).

Lars Von Trier parece potencializar "o não saber". Na reunião técnica com a equipe, é preciso falar de informática, assunto do qual Kristoffer nada sabe. Ele está sentado. Um corte e aparece de pé; outro e está novamente sentado; outro corte e o plano está aberto. Na mesma posição ele observa a reação dos funcionários; balança a cabeça, respira, pára, pensa, espera; espera. Vemos uma semântica do tempo entre as falas. Um tempo com ações que significam a partir da situação-dada (elemento em jogo). Os arroubos de pseudo-irritação da performance de Kristoffer se apresentam como uma estratégia para disfarçar o "não-saber". Alcançam a dimensão do cômico com adjetivos como: "Estão horríveis, estão um xixi, estão uma lavagem de porco" - ele desfia a série falando dos números da empresa.

Mais uma reunição e é como se estivessem cansados. Há a preguiça (bem vinda) de atuar, propícia ao cinema. Da boca de um dos funcionários, aparece uma frase musicada. Um outro continua a canção, até que todos cantam. Sem ênfase, no entanto, sem sublinhar o sentido daquilo (apesar deste estar presente). É esta espécie de defasagem entre sentido e falta de ênfase que parece dar poesia à ação; a ausência de ênfase em algo que está evidente.

Quando Kristoffer tenta explicar o porquê não apareceu durante dez anos, é possível que aquilo seja uma fala improvisada em torno do "o quê" em jogo: explicar porque não apareceu durante dez anos. Esta seria uma modalidade específica. Outra modalidade seria o jogo com a fala pronta que, no entanto, é "jogada fora". "Jogar a fala fora" é um jargão dos atores, que acaba por se configurar instrução. Não sublinhar o dito faz aparecer uma cadeia de ações articuladas ao pensamento interno - graças ao corpo presente que preenche, toma tempo e espaço. Este corpo, com olhos, fala coisas que não estão no texto verbalizado. Se podemos lê-lo é porque somos inscritos na linguagem. Se podemos, além desta leitura, seguir caminhos subjetivos diversos, é porque temos singularidade.

Depois que Kristoffer recebe uma surra de um dos funcionários, temos um longo tempo de vazio. Há um pêndulo entre ações e falas esvaziadas de emoção - a partir das quais podemos ler o não dito - e pequenas explosões emocionais. Quando Ravn diz a Kristoffer "Subjulgue-os, ok?", a fala está encharcada de voracidade e energia. Aparece uma semântica da atuação - já que, tanto os tempos de distanciamento, relaxamento, distensão, distração (digamos assim), quanto os tempos de "tomação", significam - se dão a ler.

Com freqüência, há o desdobrar do tempo a cada frase enunciada. Admitimos a hipótese de que o silêncio é estendido a partir da regra ("estender o silêncio"); admitimos que há ações resultantes e que a instrução se torna "orgânica", deixa de roubar todo o foco-de-atenção, produzindo uma marca corporal que implica o estilo de cada um, ou seja, como cada ator ocupa este tempo de escansão. Admitimos que esta marca torna-se "segunda pele" (termo stanislavskiano); a escansão do tempo como um hábito cênico; um repertório que pode dividir o foco com o que surge (no corpo) impregnado das relações pessoais com as imagens secretas (internas) produzidas na análise da personagem (seu caráter) ou o que irrompe surpreendentemente do outro e do instante. A regra em jogo racha o foco com o que o ator "segreda" de identificação, situação paralela. Percebe-se, assim, atravessado pelo registro corporal que, na medida em que causa sensação (prazer), pode ser repetido e manipulado.

Na última cena, a escansão do tempo ganha o estatuto de paródia quando Kristoffer brinca de adiar a assinatura da venda da firma. Ele chega a fazer aviãzinho com a caneta, que demora a encontrar o papel. "Ele está fazendo o seu show, quer que todos o admirem" diz a sua ex-mulher, que é a advogada do comprador. De fato, ele sacode a bochecha, como os atores costumam fazer antes de entrar em cena. "Não ouço direito o personagem" - e pede silencio ao recinto. "Quais são seus valores morais? Assinaria ou não a venda? Eu não tenho a menor pista. Há simpatias e antipatias guerreando". Aponta o dedo para o ar. Mais um tempo. "Consegui". Em seguida, nova espera.

Há também os momentos de emoção genuína e, neste caso, a escansão implica o tempo de um transbordamento. Dizemos que "o interno está preenchido", mas é algo que toma o corpo todo.

Diferente de outros filmes de Lars Voon Trier, onde a câmera persegue o ator, O Grande Chefe traz o revezamento de planos com a câmera fixa. Reações e falas são freqüentemente enquadradas sozinhas. Por exemplo: "(Ravn) Não me irrite / Corte / (Ele limpa a testa) / Corte / (Ravn) Isso não faz diferença / Corte / Corte / Corte / (Ravn) Você tem que dizer o que está no roteiro / Corte / Corte / Corte". Assim, é possível, graças à fragmentação do suporte material que capta a imagem, provocar reações nos atores a partir de qualquer outro contexto que não o ficcional e, depois, montá-las. É na montagem que as reações podem ser encadeadas de maneira a seguir a lógica da ficção e a linearidade do percurso da personagem. Esta operação é possível não apenas graças à linguagem do cinema, mas também graças à clivagem do trabalho atoral: tanto há dois contextos diferentes (ficcional e próprio) em jogo, quanto a dvisão externo-interno. Elementos externos, visíveis, puxam o foco, que permanece dividido com aqueles subjetivados, escondidos (que também o situam). Em se tratando de ator, podemos apontar que um dos operadores da sua arte é a divisão, que, por sua vez, implica o seu jogo.

Rejane Kasting Arruda, é atriz e pesquisadora. Atua em cinema e teatro. Faz pesquisa na Universidade de São Paulo junto ao Centro de Pesquisa em Experimentação Cênica do Ator. Ministra aulas de atuação para cinema. Participou dos filmes Corpo, O Veneno da Madrugada, Tanta, Iminente, Edifício do Tesouro e Medo de Sangue, entre outros. É também colunista do blog Os Curtos Filmes, onde assina uma coluna mensal.

rejane.arruda@usp.br

Nota do blog: Segue link do trailer ‘Medo de Sangue’, filme no qual Rejane participa.

http://www.youtube.com/user/rejanearrudaatriz?feature=grec#p/u/15/4lbDzBav_jU

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Revista Cinema Caipira de Outubro

A revista Cinema Caipira ISSN 1984-896x, número 32, já está disponível para encomenda e download gratuito em diversos formatos. Neste mês ela conta com os seguintes artigos;

“O cinema como registro etnográfico;
A pichação paulistana a partir do filme A Letra e o Muro” de Daniel Mittmann

“A Boa Luta Perdida
As reminiscências dos veteranos da Brigada Abraham Lincoln no filme The Good Fight”
(Continuação do artigo publicado na revista 30) de Gabriel Lopes Pontes

“A imagem contemporânea como sadismo explícito: paralelo entre cinema e as artes plásticas” de Wayner Tristão

“Triumpho com a Vitória” de Rafael Spaca

“O personagem-sujeito no filme de ficção” de Luiz Carlos Lucena

“Algumas considerações sobre Achados e Perdidos”de Linda Catarina Gualda

“O que vemos o que nos olha: uma análise do filme 1984” de Andreia da Silva Santos e Andreza da Silva Santos


OBS: Os participantes desta edição tem direito a uma revista, bastando enviar por e-mail seus endereços.

revista folheável para leitura online
http://www.readoz.com/publication/read?i=1042428#page1

revista para impressão em arquivo pdf
http://www.4shared.com/document/ZFRsaFhK/revista32_imp_.html

clique aqui para saber como montar a sua com o arquivo pdf

arquivo ePub para leitura em celulares e tablets
http://www.4shared.com/file/BcuIg1Pf/Revista32_-_Grupo_Kino-Olho.html

para encomendar a revista no valor de R$7,00 cada ou assinar a anuidade por R$70,00, envie e-mail para jpmir
anda82@yahoo.com

Para quem quiser ler somente o meu artigo, segue o texto:

Triumpho com a Vitória

Mesmo quem não circula pelo centro de São Paulo, já ouviu falar a respeito da cracolândia (situada entre as avenidas Duque de Caxias, Ipiranga, Rio Branco, Cásper Líbero e a rua Mauá). À medida que o bairro da Luz foi se degradando, e o cinema foi um dos responsáveis por isso – a Boca do Lixo dava seus últimos suspiros com produções de sexo explicito - a região passou a ser ocupada por traficantes e viciados de todos os tipos, especialmente pelo crack.

No fim da década de 80 e começo da década de 90, o que mais se via ali eram crianças cheirando cola e/ou esmalte. Com a propagação do crack e o aumento do número de usuários, a região passou a ser conhecida como cracolândia, que foi e continua sendo uma das maiores aberrações a céu aberto da cidade.

O bairro da Luz possui uma localização privilegiada, é perto das estações de trem, metrô e terminal de ônibus, possui os mais belos equipamentos culturais da cidade (Estação Júlio Prestes, Sala São Paulo, Pinacoteca, Museu da Língua Portuguesa e mais recentemente uma nova Unidade do Sesc foi incorporada ali, a do Bom Retiro) e foi projetado também o primeiro parque da cidade, o parque da Luz.

Com as referências citadas acima, em qualquer lugar do mundo, essa região seria valorizada, casas e apartamentos seriam disputados... mas não é o caso.

Em 2004 a prefeitura lançou o projeto Nova Luz com o intuito de revitalizar a região – demolição de quarteirões, revitalização de prédios históricos e um perfil cultural e tecnológico estão na proposta - e arrancar de vez o termo “cracolândia” que atrapalha qualquer candidatura no momento da eleição.

Justamente nessa região aconteceu o apogeu (em termos de produção e conceito de industria) do nosso cinema. Muitos a conheceram como Boca do Lixo, onde centenas de filmes foram filmados e produzidos na região, principalmente nas ruas do Triumpho e Vitória, que concentravam a maioria das produtoras, algumas delas internacionais.

Na Boca do Lixo tinha traficante, bandido e tudo quanto é marginália, mas tinha uma aurea romantica e todos conviviam bem. Anselmo Duarte, Mauricio do Valle, Zilda Mayo, Antonio Galante, entre muitos outros, andavam pelas suas calçadas.

O projeto da Nova Luz foi aprovado em 2005 e as empresas que concorreram ao consorcio para dar uma nova fisionomia ou uma nova requalificação a região não consultaram os moradores, trabalhadores e os artistas que trabalharam ali. A prefeitura tão pouco tomou conhecimento disso.

Nesse interim, os comerciantes e moradores se impuseram, protestaram, conseguiram ser ouvidos e ganharam espaço no debate para discutir as diretrizes da região, mas os artistas não se movimentaram. Será que ninguém tomou conhecimento disso?

Junto com as imponentes âncoras culturais instaladas na Luz, não seria o caso de se construir o Museu do Cinema com um espaço generoso para os profissionais que ajudaram a construir a sua história?

Teríamos a oportunidade única de maravilhar nossos cinco sentidos num único bairro: a audição (Sala São Paulo), a visão (Pinacoteca), o paladar (Museu da Língua – nesse caso o exercicio da lingua – inevitável o trocadilho), o tato (Parque da Luz) e a visão (com a produção do audiviovisual brasileiro).

Estamos diante de um momento histórico, ainda há tempo de ser corrigido, e ser for, será um triunfo e tanto... e uma vitória para a nossa memória.

Rafael Spaca, radialista, autor do blog Os Curtos Filmes (http://oscurtosfilmes.blogspot.com/)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Carlos Ebert



Carlos é diretor e fotógrafo de cinema, televisão e publicidade. No final dos anos 60, participou do cinema marginal e foi câmera e diretor de fotografia de um dos filmes mais significativos do movimento, ‘O bandido da luz vermelha’ (1968), de Rogério Sganzerla. Desde 1970, dedica-se também ao ensino da fotografia para cinema, às publicações sobre cinema e à Associação Brasileira de Cinematografia (ABC), onde ocupou o cargo de vice-presidente no período de 2002 a 2004, e hoje é um dos diretores.

Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
O cinema começa com o curta metragem. Nada se sabia a respeito do novo meio, e a experimentação se dava em pequenos filmes de uma bobina. Meliès a partir de 1899 começou a fazer filmes maiores dos que os de um minuto, que eram o padrão da época. Depois, por muito tempo, eram os filmes de três rolos. No Brasil a evolução se deu de forma semelhante. Com a generalização do filme longa metragem, o formato de curta duração passa a ser representado pelas "actualidades”, ou o "jornal da tela". Por outro lado, amadores e experimentalistas encontram no filme de curta duração um laboratório de pesquisa da linguagem e dos aspectos formais da cinematografia. Nesse aspecto o curta tem enorme importância da evolução da nossa cinematografia. Não pode ser deixado de lado o trabalho de Humberto e Zequinha Mauro no Instituto Nacional do Cinema Educativo - INCE, que produziu mais de 300 curtas educativos, científicos, históricos etc. entre 1936 e 1964.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Os curtas só aparecem na mídia durante os festivais, e assim mesmo tangencialmente. A presença na mídia me parece proporcional ao público que o formato atinge. Agora, se incluirmos na "mídia em geral" a internet, ai a coisa muda de figura. Os sites de audiovisual (Youtube, Vimeo, Portacurtas etc) e os sites de relacionamento (Orkut, Facebook, Twitter etc) representam hoje a maior mídia para formatos curtos de audiovisual. Os vídeos curtos (e seus clones, adulterações, remixes, etc.), mais vistos atingem milhões de visitas. O problema é que o produtor da peça não recebe um centavo pelo seu trabalho e talento. O lucro é todo do site.

Como deveria ser a exibição de curtas para atrair mais público?
Vejo o futuro do formato nas novas mídias, principalmente na internet. Acho que o cinema na sala escura vai diminuir cada vez mais. Com um home theater em full HD, Dolby 5.1, 3D etc em casa, cada vez menos gente vai sair de casa para ver filmes. Os curtas deveriam ser agrupados por afinidade temática, de gênero etc., para serem apresentados como "programas", com mais ou menos 1 hora e meia de duração. É esse o formato a que o público foi condicionado e ai ele encontraria uma janela de exibição na TV aberta. Destaco a exibição de curtas em alguns canais (Canal Brasil, Futura, TV Cultura entre outros), como uma mídia interessante já em funcionamento.

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Ele é visto como um rito de passagem para os formatos "mais nobres", como o longa metragem, as séries de TV e até as novelas. Nenhum realizador que eu saiba se propõe a fazer curtas pelo resto da carreira, o que seria a meu ver algo muito interessante. Alguns cineastas que fizeram ótimos curtas não repetiram a performance nesses formatos "maiores". Talvez a vocação deles seja o curta, assim como alguns escritores são contistas geniais e romancistas medianos.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Tenho fotografado alguns curtas de jovens diretores estreantes. Gosto muito. Aprendo bastante com o talento e até com a inexperiência deles. Tenho com eles uma liberdade de experimentação que me permite fazer coisas que em outros formatos e com diretores da minha geração não são possíveis. Isso tem resultado em filmes muito interessantes, e que tem obtido prêmios em festivais importantes aqui e no exterior. Destaco entre esses jovens realizadores; Rodrigo Grota e José de Aguiar (da Kinoarte de Londrina), Marcos Henrique Lopes e Clarissa Knoll. Outros, para quem fotografei curtas, já estão no longa, como Evaldo Mocarzel, Caio Vecchio e Jeferson De. Minha atuação no set se da quase que exclusivamente como diretor de fotografia e operador de câmera, mas não afasto absolutamente a possibilidade de dirigir um curta. Tenho dirigido programas para TV e documentários, e me dá muito prazer (excetuando talvez o trabalho confinado da edição, que para o meu temperamento é por demais claustrofóbico).

Qual é o seu próximo projeto?
Terminei o longa Circular, rodado em Curitiba por 5 diretores estreantes, e que vou finalizar em breve. Tenho agendados projetos de curta e séries de TV, além de vários cursos, oficinas e painéis até o final do ano. Os longas estão previstos para o primeiro semestre de 2011 em diante. Gosto muito de ensinar, e dedico uma parte expressiva do meu tempo à atividade didática. Aprendo muito ensinando, e a relação com quem está chegando no meio, me permite entender melhor para onde vai o audiovisual.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Nilson Primmitivo

“quem quer o repouso, na felicidade crê; mas aquele que da verdade é discípulo, esse, a verdade busca”

foto filme 'Gru': Nilson Primitivo

Same old shit is dead

Ao cinéfilo avisado por certo não escaparão comparações deste com os mais radicais cineastas do underground americano, sobretudo o dos bons tempos (década de 50/60), com o cinema "extremo" vindo do Oriente (Terayama, Matsumoto, ect..) ou com os demais "marginais" nacionais, esses quando ainda empenhados na sua antiga missão de iconoclastas antiparnasianos.

Mas a tentação metalingüística de pôr a palavra ao encalço de si mesma e inverter os sentidos será marca inequívoca dessa crítica e prática vigente em tempos saturados de memória e consciência céticas. A crítica cabe o papel de funcionar como uma espécie de memória coletiva: lembrar o que foi esquecido ou ignorado, fazer conexões, contextualizar e generalizar a partir do que aparece geralmente como ‘verdade‘ definitiva, o fragmento, a história isolada, e ligá-los aos processos mais amplos que podem ter produzido a situação de que estamos falando. Essa coluna se opõe ao consenso e não reprime sua pequena voz (que, ao final, nem será mais tão pequena assim). E se coloca a disposição para a reconstrução histórica e para o debate sobre esses autores através da proposta nuclear de análise das modalidades de representação, relacionando-as com a história e modernidade. A arquitetura desse labirinto sintetiza a concepção de que “a modernidade é uma tradição polêmica". A complexidade desses filmes e desse período é um desafio para quem busca decifrar seus significados e descrevê-los com características de um movimento estético.

Desde os créditos, se percebe a dissidência de origem distribuida pelo elenco: "Feijoada", “Sarampo”, BinBin”, “DKV”, "X-Tayla", “Chumbinho” e "Tara-Môa", destoam tanto dentro da galeria do nosso cinema "marginal"(e de qualquer um outro, vale o desafio), que se encontram, mesmo entre os “marginais”, marginalizados. E cada ente do elenco deve ser abordado a partir do modo adequado de o abordar, o que deve ser esclarecido a partir do modo de ser próprio do ente que em cada caso está em estudo. Na verdade, eles transcendem: são atores-personagens, tem apelidos no lugar dos nomes. Nota-se também, depois de muito, a passagem do tempo, ainda pela escolha das músicas - o cinema catalogado como cinema “marginal” até aqui (Rogerio Sganzerla) morreu como peru de natal, abraçado com Jimmy Hendrix e não se atualizou mais. Também não há como deixar de notar as diferenças de origem “sócio-cultural” mesmo em relação ao grupo tido como dos mais populares e não é a toa que esses filmes estiveram na gaveta da crítica intocados até hoje. Tal distância traz em si implícitas raízes econômicas e históricas.

Deve-se considerar ainda que as imprevisíveis estórias praticadas nesses filmes são para ‘uso’ e deleite exclusivos do autor, elenco e equipe – portanto, analisando, os motivos são completamente diferentes e inteiramente novos, o que por si só já muda tudo. Pode-se dizer que o público da época pouco ligava para os enredos - frequentavam as salas somente pelo seu conteúdo erótico/pornográfico. A estória contada no entanto surge aqui como uma espécie de desabafo e de crítica. E as escolhas a princípio resolvidas aleatoriamente e determinadas aparentemente sem a menor intenção, vem por isso mesmo repletas de signos fundamentais. Enfim um cinema sem vergonha nenhuma de ser marginal e um marginal sem vergonha nenhuma de fazer cinema. Daí a revisão necessária e urgente e o resgate imprescindível: uma das maiores lições que a História nos deixa é a de como é estúpido ser ‘inteligente’. A contradição é necessária como resposta à contradição objetiva da realidade. A certeza é só uma dúvida confortável. E a burrice é uma cicatriz. Designa o lugar no tempo onde o jogo foi, em vez de favorecido, inibido. Não há regra que não possa ser quebrada em benefício da expressão. Uma coisa pode ser verdadeira, conquanto não seja bela, nem santa e nem boa.

Nilson Primitivo é cineasta e colunista do blog Os Curtos Filmes.