MEU CURTA CURTO-CIRCUITO
Oito minutos e trinta segundos narram toda a trajetória improrrogável de uma mulher de sessenta e sete anos. Oito minutos e meio desenham a esgotada ambição vivencial de um homem de setenta e seis anos.
Em oito minutos e meio se extraem, através de cuidadosos, corajosos e sensíveis fotogramas, ainda a serem filmados (gravados), os atos finais de um casal idoso, que diante da extremada hora de suas morte-cúmplice, arquitetada por eles mesmos nos mínimos detalhes, em sua residência terceirizada, exatamente às 14 horas, donde, através do responsável ato supremo, pretendem os dois descortinarem à sua magnânima veleidade, o exercício de seu continuísmo maridado, prefixo do até que a morte os una, em nome de um amor parceiro e vivido conjuntamente por intensos cinquenta anos, agora e para sempre, espontaneamente e docilmente pré-celestial.
Trata-se de um filme filosoficamente otimista apesar de não sê-lo tecnicamente.
- Para Goethe “o suicídio não nega a dignidade da pessoa humana”, - adorável Cíntia - cochicha em seu ouvido o homem.
- E para o filósofo Albert Camus “o suicídio é a grande questão filosófica de nosso tempo”, - amado Diógenes - replica-lhe a desgastada senhora.
-Então, para Nietzsche, Goethe e Schopenhauer “o suicídio traduz-se no maior conforto na vida”- cantarolam baixinho uníssonos os dois idosos, que deitados na mesma cama, devidamente vestidos a rigor, ela de branco e ele de bege, preparam-se à descoberta da eternidade cósmica.
Para mim, autor e diretor desse curta-metragem pós-existencial, colega blogueiro, o suicídio é uma condigna auto-eutanásia: o princípio de um algo inexoravelmente maior.
Oito minutos e meio para contar os detalhes e as providências metafísicas afeiçoadas à crepuscular auto-eutanásia, de um belíssimo casal de idosos, que não deseja mais, simplesmente, continuar vivendo, diante da responsabilidade cívica que se lhes impõe doída e desnecessária.
Abandonados inescrupulosamente pelos filhos e netos num asilo de velhos, os dois decidem abandonar, em contrapartida, a tudo e a todos. Explico nesses oito minutos e meio qual a diferença entre o convencional suicídio e o que eu denomino subjetivamente como sendo a –“gloriosa” auto-eutanásia.
Oito minutos e meio em que tentarei decodificar o curto-circuito existencial de dois seres humanos, que cansados em continuar sendo um fardo para si e à sociedade familiar impiedosa, curtem a ideia em complementarem sua viagem, só de ida, à aventura do - "piedoso" - desconhecido. Dois fios desencapados em forma de gente, que se eletrizam em comunhão de bens generalizados, em nome do amor e da dignidade que lhes basta.
Baseado numa história belíssima e real, dediquei-me em esmiuçar, detalhadamente, o dadivoso e o singular significado da vida e da morte através da única arte disponível à plena emotividade audiovisual: o do curta-metragem.
Não se trata de mais uma metáfora contextualmente celulóidica. O curta em questão, “Até Já, Meu Amor!” ainda sendo escrito, é o natural e despretensioso testemunho silencioso de duas pessoas maturadas, conscientes de sua transição espiritual e carnal. Uma ode ao egoísmo e à intolerância do que consideramos sendo uma família.
Nas entrelinhas das Bíblias do Novo e do Antigo Testamento, desenreda-se em algumas citações e profecias, o deslustre da tal família, interpretando-a como sendo o pior inimigo que colecionamos em vida: pois os familiares desejam tudo de nós e, à contrapartida, nos oferecem muito pouco, quando nada.
Carlo Mossy é diretor, ator, produtor, roteirista de cinema e colunista do blog Os Curtos Filmes.