quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Nilton Bicudo



Nilton atuou em filmes como ‘Primo Basílio’ e ‘Caixa Dois’.

Gostaria que você falasse da sua história em relação aos curtas-metragens.
Na verdade, no curta não é muito, eu fiz poucos. Eu fiz mais longas, eu tenho uma filmografia esquisita, porque é um pé para cada lado. Tem o Ruy Guerra, tem Bruno Barreto, Daniel Filho, que seria uma coisa mais Globo filmes, o Ruy Guerra que é professor de cinema, ele faz um cinema cult, no meio disso tem um longa com a Denise Weinberg, duas participações nos filmes do Hugo Giorgetti, “Antigas”, “Sábado” e “Boleiros 1”, então é uma coisa que não tem uma lógica, quando eu fui chamado para fazer uma participação no cinema, eu fui. Acabai de fazer um filme austríaco, filmado na Amazônia. E recebi ontem o filme, é uma produção para a televisão austríaca, sobre piloto de táxi aéreo na selva. Eu fazia um piloto de táxi aéreo e o Nando Alves Pinto faz um piloto de hidroavião. Curta eu fiz dois ou três na verdade, e o meu contato no cinema começou através da publicidade. Porque quando eu comecei a fazer teatro, uma forma de ganhar dinheiro que apareceu era a publicidade, e a publicidade sempre foi feita em cinema. Então era lá, era filme, não existia digital há 15 anos, os trabalhos eram todos feitos em cinema, tinha esse cuidado com a iluminação, demorava horas, às vezes você ficava 18 horas em um filminho bobinho de publicidade. Então eu comecei a ter contato com esse tipo de mundo através da publicidade, trabalhei com o Tadeu Jungle, trabalhei com o João Moreira Salles, que são pessoas ligadas ao cinema, mas que faziam publicidade, acho que nem fazem mais, não sei se ainda fazem. Tinham produtoras de cinema que faziam filmes publicitários, e eu como ator fazia filmes publicitários. Então eu comecei a fazer assim, comecei a ter contato com o cinema dessa forma.

E a sua preparação para atuar numa peça de teatro, em um filme, como que é o tempo de preparação de um personagem, o que difere do teatro para ao cinema?
Eu acho totalmente diferente. No teatro você tem um tempo muito mais a seu favor. O ator está com o tempo mais a favor dele. Porque você tem uma rotina diária de ensaios, e eu como sou uma pessoa que comecei a fazer teatro e continuo fazendo muito teatro alternativo, uma coisa que não visa tanto a publicidade, o marketing da profissão, mas uma coisa mesmo por uma vocação, uma vontade de fazer, então eu acho que o teatro dá essa liberdade para o ator, de ter uma rotina de ensaios, e você se prepara de uma forma mais lenta. Não te obriga a ler tudo a respeito daquilo em um momento, você não tem tanto um prazo, porque você sabe que uma peça vai começar e você vai ficar às vezes 6 meses a 1 ano fazendo essa peça, e que você vai aprendendo com ela ao longo de toda essa temporada. Como você vai ter sempre todo dia de fazer a mesma peça, o mesmo texto, você vai ter sempre o poder, a possibilidade de melhorar, e de requintar aquilo que você está fazendo. De buscar mais detalhes, mais profundidade, mais humor, ver outros lados da personagem e da própria peça. Aí você pega um autor bom, ou uma comédia, um drama ou o que seja, e vai durante um tempo fazendo aquilo, e vai elaborando seu trabalho, então é um exercício permanente para o ator, e você vai aprendendo com a temporada. No cinema não, você faz algumas vezes, de repente, o máximo que você vai fazer, sei lá, 10, 12, 15 vezes uma cena, o que hoje em dia ninguém mais repete tanto, e você já está com tudo aquilo feito, e você se livra daquilo, e vai fazer outra cena, outra personagem. Mas a preparação do cinema, ela também é mais aguda, porque sabe que durante dois meses, ou um mês, ou durante 20 dias, ou três meses, você vai filmar um filme com uma personagem que tem começo, meio e fim, e que é aquilo lá. Você tem que ler tudo sobre aquilo, qual é a profissão da sua personagem, o que ele faz, por exemplo, no filme do Ruy Guerra eu era o Gabriel García Márquez, então eu fui ler todos os livros do Gabriel García Márquez, deve ter uns 15 livros, então você fica um mês e meio lendo todos os livros do Gabriel García Márquez, é uma primeira etapa da preparação. Depois você começa a elaborar a personagem na sua cabeça, pensar em quem você está se inspirando, se é seu pai, se é o seu tio, seu primo, se é alguém conhecido, e por aí vai.

Então é um processo mais focado, aí você vai mais concentrado, você não se permite desconcentrar, você não permite brincar tanto, porque é uma equipe muito grande, existe a responsabilidade de você gravar poucas vezes e aquilo já estar pronto, e aquilo vai ficar, então você quer fazer o melhor de você para aquilo ficar. E você ainda tem que assistir depois que é a pior parte. Agora no teatro não, no teatro tem esse lado mais libertário, você faz, é mais anárquico, é mais solto, é mais libertário. Você faz, você não se vê, não repete, nunca é igual, entendeu? Você não tem esse compromisso mais técnico digamos. Então eu acho que a elaboração de um ator para o cinema é mais técnica.

Você gosta da linguagem do curta-metragem? Como um ator que trabalha com o curta, que trabalha com a síntese. É uma coisa que mexe com você como ator?
Gosto, curtas de um modo geral, e no teatro também. Eu gosto de peças curtas, Terence Williams tem peças curtas maravilhosas, que inclusive já montei e já dirigi algumas. Você junta duas peças curtas dá um espetáculo muito interessante porque você vê dois lados de uma mesma situação, ou você complementa aquele sentimento, aquela situação. Se é solidão, se é morte, se aquela investigação que você faz sobre o ser humano tem uma possibilidade de ser mais colorida com duas três peças curtas. E eu gosto de curta-metragem também porque, inclusive a produção de curta-metragem cresceu muito com a força que o cinema ganhou nos últimos 10 anos, e tem coisas muito criativas. Eu acho que o curta, por ter essa despretensão, tudo que é despretensioso tem um poder criativo maior. Primeiro: o dinheiro muitas vezes corrompe, tanto no teatro quanto no cinema, em qualquer situação, ele às vezes embota um pouco a criatividade das pessoas envolvidas, porque ele pressupõe uma responsabilidade maior, e você fica pisando mais no mercado, você fica querendo acertar mais, e quando você fica querendo acertar mais, você perde um pouco da sua espontaneidade.

E você passa por mil crivos, produtores, e não sei mais o que, então você fica mais atrelado. E curta que não precisa de muito dinheiro e o teatro quando é mais alternativo, quando não está atrelado com um grande patrocinador, e alguma coisa desse tipo, certamente tem um poder de criatividade maior. Você fica mais solto, menos pretensioso, o trabalho sai mais a revelia, ele acontece, e acho que a criatividade de todas as pessoas envolvidas acaba aparecendo. Eu gosto muito do curta-metragem pela natureza do trabalho, pela coisa da paixão, geralmente são os estudantes de cinema que fazem, ou pessoas que já estão na estrada, mas que querer fazer uma coisa que é uma idéia fulminante e que não vão esperar dois anos para juntar um dinheiro, para ter um patrocínio e tudo mais, querer fazer uma coisa condensada. Eu gosto muito, esse ano já perdi a oportunidade de fazer dois curtas porque eu não consegui ter horário, mas me culpei, fiquei me corroendo, porque os roteiros eram excelentes. Inclusive um tinha uma coisa muito inventiva, porque o curta todo era feito sem aparecer os rostos dos atores, só as vozes. E eu achei o máximo isso, porque de repente você está lá interpretando mais seu rosto nunca é visto, só tuas pernas e sua voz é ouvida, é como se a câmera tivesse desligada.

Você pensa em dirigir um curta, tem idéia ou o seu trabalho é mais como ator?
Eu dirijo teatro também quando meus amigos atores me convidam para dirigir uma peça eu acabo cedendo. Eu sou mais, na verdade, ator do que diretor, e eu tenho um roteiro para curta escrita já, escrevi há mais ou menos 2 ou 3 anos um roteiro para curta. Eu poderia ter vários, porque vira e mexe eu tenho umas idéias, mas eu acabo dormindo e dormindo em cima dessas idéias e elas acabam virando pequenos poemas, viram poesias, viram crônicas, mas acabo tendo preguiça de escrever no formato de curta. Mas eu tenho um curta sim, eu tenho um curta escrito e nunca mostrei para ninguém na verdade, uma hora dessas eu preciso pegar alguém que produz, umas pessoas mais animadas e mostrar. Mas ele se passa em Florença, então teria que ter um tratamento para a gente mostrar que está na Itália, ele tem toda uma coisa assim, é uma trupe de teatro que viaja com uma peça para um festival de teatro em Firenze. De qualquer maneira está muito ligado ao teatro.