sábado, 2 de junho de 2018

Os Trapalhões: Teresa Prata


Teresa Prata
Continuísta e assistente de montagem


Você começou sua carreira como continuísta em um dos anos mais emblemáticos dos Trapalhões: 1983, que marcou a ruptura do quarteto. De um lado ficou Renato Aragão, que filmou O Trapalhão na Arca de Noé; e de outro, na DeMuZa, ficaram Dedé, Mussum e Zacarias, que filmaram Atrapalhando a Suate. Como e em que circunstância recebeu o convite para trabalhar com eles?
Bem, formei-me no curso de Cinema da UFF no primeiro semestre de 1982. Meu primeiro estágio foi como assistente de produção de Bar Esperança, de Hugo Carvana. Minha colega de faculdade e de estágio no CPC (Centro de Produção e Comunicação), produtora de Bar Esperança, Mariângela Mds, foi estagiária de direção em Parahyba, Mulher Macho, cujo diretor assistente foi Vitor Lustosa , que, durante anos, trabalhou com J. B. Tanko e em produções dos Trapalhões. Após Parahyba, Mulher Macho, Vitor foi trabalhar no O Cangaceiro Trapalhão, já uma tentativa de Renato Aragão em trabalhar com um novo diretor (Daniel Filho) e nova equipe técnica. Com a separação do grupo, Vitor Lustosa foi chamado por Dedé Santana para dividir a direção de Atrapalhando a Suate, que teve produção de J. B. Tanko. Vitor chamou Mariângela Mds, e ela quis uma assistente. Eu fui procurar trabalho como assistente de produção, mas a equipe de produção de Atrapalhando a Suate já estava completa. Mariângela me propôs ser assistente dela. Acabei me fascinando pela função. Minha colega não pôde terminar o filme e fui promovida à continuísta.

Antes de iniciar esse trabalho, você já acompanhava os filmes dos Trapalhões?
Sim. Tinha visto Bonga, O Vagabundo, que era pré-Trapalhões. Não me lembro de ter visto outros; mas acompanhava o grupo, desde os programas da TV Tupi. Achava curioso eles serem mais ousados na tevê e nos filmes serem mais ingênuos, mais “censura livre”.

Atrapalhando a Suate é o único filme que não consta oficialmente da filmografia dos Trapalhões. Quais as suas principais recordações dos bastidores desse filme?
Minha impressão mais forte foi a de trabalhar com uma equipe que já trabalhava há anos com J. B. Tanko e que tinha feito muitos filmes dos Trapalhões. A formação deles vinha dos tempos de um grande estúdio e produtora, a Atlândida, de um cinema mais industrial, de bilheteria. No meu primeiro longa, eu tinha trabalhado com pessoas que se formaram na profissão pós-Cinema Novo. A única exceção era o legendário técnico de som Juarez Dagoberto, que havia começado a carreira nos estúdios da Maristela. Aprendi muito da minha função em relação ao figurino com a Shirley camareira. José Dutra era o primeiro assistente de câmera e foquista. Ele me ensinou muita coisa na relação da continuísta com os assistentes de câmera. O diretor de fotografia e operador de câmera Antônio Gonçalves foi outro mestre querido. No início, ele me achava uma pirralha, me encarnava muito. Mas eu sentia que ele fazia isso pra testar se eu estava levando meu ofício a sério. Outro profissional que me acolheu foi o técnico de som José Tavares.

Como foi a experiência de atuar em uma produção envolta de tantas polêmicas, como a separação do quarteto? Eles comentavam algo com você?
O clima era de fazer um filme com menos recursos do que o ambicioso O Trapalhão na Arca de Noé. Mas seguindo a fórmula dos filmes anteriores dos Trapalhões: aventura, piadas, vilões cômicos, casal de mocinhos... Não comentavam nada em especial comigo. Era um clima geral de fazer um filme pra criançada.

Havia uma disposição de Dedé, Mussum e Zacarias de mostrar ao Renato que eles também sabiam produzir um filme?
Com certeza. Por isso, eles procuraram a orientação de J. B. Tanko, experiente diretor e produtor (dirigiu vários filmes dos Trapalhões). Também por isso chamaram o Vitor Lustosa para codirigir. Vitor era da equipe de produção dos filmes dos Trapalhões, mas era considerado um diretor promissor. A escolha da mocinha, Lucinha Lins, também não foi à toa, já que ela foi mocinha de um dos melhores filmes deles: Os Saltimbancos Trapalhões.

A DeMuZa Produções foi criada com o intuito de apenas gerir os negócios dos três humoristas (Dedé, Zacarias e Mussum). Em sua relação profissional com eles ocorreu tudo bem?
Sim. Como muitos filmes brasileiros, tinha sido orçado para um determinado número de semanas de filmagem, mas ultrapassou esse prazo. Foram mais duas ou três semanas de filmagem. Nossos contratos foram prorrogados e não tivemos problemas em recebermos nossos salários, pagos semanalmente.

Eles acreditavam que poderiam ser bem-sucedidos, sem o Renato Aragão?
Sim, eles tinham muita vontade de mostrar que eram um grupo que teria vida própria sem o Renato.

Na sua análise, por que a separação durou apenas seis meses?
Na minha opinião, a separação durou pouco, porque o filme do Renato não foi tão bem-sucedido de bilheteria, sem o trio de companheiros. O público sentia falta do quarteto junto. Além disso, mesmo que o filme da DeMuZa tenha tido uma boa bilheteria, o Renato fazia falta. Ou seja, pra melhor sobrevivência no cinema, eles tinham que voltar.

Havia, nos bastidores, um clima de tristeza pela separação?
A tristeza foi deixada de lado. Todos desejavam fazer um bom filme, nos moldes dos filmes típicos dos Trapalhões.

Tião Macalé atua nesse filme. Ele era considerado o quinto Trapalhão. Quais as lembranças dele.
Meu Deus, que vergonha! Nem lembrava que Tião Macalé tinha trabalhado no filme.

Tião é subestimado?
Sim, de uma maneira geral. Alguém precisa fazer um belo perfil dele em livro ou documentário.

Dedé, Mussum e Zacarias tinham como característica a irreverência. Até nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram descontraídas?
Mauro Gonçalves era o mais reservado do grupo. O humor ficava todo pro Zacarias. Nesse ponto, ele era o mais parecido com Renato. Dedé se preocupava em mostrar seu lado cineasta, mas tinha um bom humor em lidar com a equipe. Gostava também de relembrar seu passado circense. Mussum era o mais irreverente, com certeza! Mexia muito comigo, me botou apelidos: “Biquinho de lacre”, porque eu gostava de passar batom vermelho; “Tira-gosto”, porque me achava tão pirralha que eu nem chegaria a prato principal. O diretor de fotografia, Antônio Gonçalves, achou que Mussum já estava exagerando e me revelou dois apelidos dele, pra eu rebater quando ele me sacaneasse: “Cabo Fumaça” e “Malhado”. O primeiro apelido não surtiu muito efeito, mas o segundo fez Mussum fechar a cara e nunca mais me chamar de “Tira- gosto”.

Como foi o seu contato com o trio (Dedé, Mussum e Zacarias)?
No início, havia uma certa reserva. Afinal, a maioria da equipe era de profissionais mais velhos e mais experientes. Eu e minha colega Mariângela éramos rostos novos no meio de tantos veteranos e vistas com certa reserva. Desconfiavam que não aguentaríamos o tranco. Com o passar do tempo, meu trabalho foi sendo respeitado; e eu me sentia como se sempre tivesse trabalhado com eles.

Que representou para você trabalhar em Atrapalhando a Suate?
Representou pra mim a escolha profissional dentro do cinema. Na faculdade, eu pensava em direção, como a maioria dos colegas. Meu primeiro estágio, foi em produção; e achei muito importante conhecer todas as etapas da feitura de um filme. Mas, em Atrapalhando a Suate, encontrei-me numa função em que trabalhava direto com a direção e elenco, com todos os setores da equipe, pensando num todo, pensando em edição. Aquilo me fascinou!!! E, no decorrer das filmagens, fui me sentindo acolhida e reconhecida por uma equipe na qual muitos já eram profissionais antes de eu nascer...

No ano seguinte você trabalhou, ainda como continuísta, em A Filha dos Trapalhões. Você era contratada da DeMuZa?
Não era contratada da DeMuZa. Fui contratada pela R. A. Produções, assim como toda a equipe. Em cinema, costumamos ser contratados pela obra.

Como foi a divisão de profissionais? Uma parte era escolha da DeMuZa e outra da R. A. Produções?
Como já disse, toda a equipe foi contratada pela R. A., mas era quase a mesma de Atrapalhando a Suate. A minha impressão era de que queriam voltar a trabalhar do jeito de sempre.

Como era o clima nos bastidores, com a reconciliação do quarteto?
Mesmo eu não tendo trabalhado nos filmes anteriores à separação, me parecia que eles queriam trabalhar como antes, sem grandes pretensões. Renato sempre foi o mais reservado, fazendo questão de mostrar a diferença entre ele e o personagem.

Quais as suas principais recordações de trabalho, durante as filmagens de A Filha dos Trapalhões?
Nossa mocinha era a Myriam Rios, na época casada com Roberto Carlos. Um dia, ele foi à R. A.; e foi aquele rebuliço. Tirou uma foto com a equipe. Creio que essa foto ficou com nosso figurinista, Carlos Rangel.

Seu terceiro trabalho com Os Trapalhões é em Os Trapalhões no Reino da Fantasia. Como foi a experiência em trabalhar em um filme que continha animação?
Meu Deus!!!! Outro detalhe que tinha me esquecido. Não me lembro da parte de animação ter influenciado na nossa parte de filmagem com elenco.

A Filha dos Trapalhões e Os Trapalhões no Reino da Fantasia têm Dedé Santana na direção. Fale a respeito do Dedé como cineasta. Gostaria que falasse das cenas de Faroeste, com a participação de Beto Carrero. Como foi o processo de trabalho?
Dedé sempre chegava no set com várias referências de cenas de filmes. Ele sabia o que queria de cada cena, mas nem sempre sabia expressar isso. A parceria com Vitor Lustosa foi muito importante, para agilizar esse meio de campo entre Dedé e a equipe. Quanto às cenas de Faroeste, não achei tão diferentes das cenas de ação do Atrapalhando a Suate. Eu me sentia no meio de uma brincadeira de bang-bang. Lembro- me de acompanhar uma cena de Renato e Xuxa dentro da diligência. Eu estava empoleirada do lado de fora do veículo. A segunda equipe de câmera registrou essa minha façanha, e esse take foi usado nos créditos finais do filme.

Essas cenas foram gravadas no antigo Parque da Santur, em Santa Catarina?
Não me lembro desse nome. Pra mim, nós estávamos filmando no embrião do Beto Carrero World. Sentia-me numa cidade cenográfica de filme americano de grande estúdio.

Que tem a falar do Beto Carreiro?
Achei uma figura muito curiosa. Minha impressão era de que ele criou um personagem pra si e gostava de vivê-lo em público. Lembro-me dele recebendo algumas pessoas da equipe no seu trailer, onde o estofamento era de pele de onça. Era um clima de família circense.

Como assistente de montagem, você trabalhou em duas produções do quarteto: Os Trapalhões e o Rei do Futebol e Uma Escola Atrapalhada. O que a fez mudar de posição dentro dessas produções? Quais as principais lembranças do filme Os Trapalhões e o Rei do Futebol?
Trabalhar como assistente de montagem era uma opção, quando não tinha trabalho como continuísta. Algumas vezes, eu trabalhava num filme como continuísta e seguia como assistente de montagem (como, por exemplo, em O Homem da Capa Preta). No caso desses dois filmes, enquanto eles estavam sendo filmados, eu estava trabalhando como continuísta em outros. Quanto ao Os Trapalhões e o Rei do Futebol, só lembro que o roteiro teve que ser um pouco mudado por causa da saída de Xuxa. Comentava-se que ela estava insatisfeita com o papel.

Uma Escola Atrapalhada é o último filme dos Trapalhões com a sua formação original. Fale a respeito dessa produção.
Na verdade, era mais um filme de Angélica e Supla, com participação especial do quarteto em poucas cenas. Apesar de ter trabalhado na montagem, como corria paralelamente às filmagens, fui algumas vezes ao set da escola. E fiquei chocada, ao rever Mauro Gonçalves. Ele já estava doente e muito magro, mas o assunto era tratado com total discrição.

Quem era o maior comediante do grupo?
Pergunta difícil! Até porque cada um tem um estilo próprio. Renato era o cérebro, o produtor, o autor do argumento e co-roteirista. Muito consciente de sua posição de protagonista. Dedé era o “escada” perfeito. E também com muitas ideias como autor e diretor. Mauro Gonçalves criou o Zacarias e também sabia, como Renato, deixar bem claro a diferença entre ator e personagem. Antônio Carlos já se misturava mais ao personagem Mussum. Só deixava bem claro a diferença entre os dois, quando o assunto era família. Mas no set era o mais misturado com a equipe, mais que o Dedé.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Sim, procede. Afinal, ele era o autor dos argumentos dos filmes. Ele delegava à produção e à direção a realização de suas ideias, mas acompanhava tudo de perto e sempre ajustava uma fala e outra no set. Em Os Trapalhões no Reino da Fantasia, o quarteto usava como figurino macacões brancos. É comum filmarmos fora da ordem cronológica. Numa sequência, o quarteto estaria com uma continuidade de sujeira nas roupas. Numa das cenas dessa sequência, que estávamos filmando no Retiro dos Artistas, pedi pra sujarem as roupas pra manter a continuidade. E ouvi aquela clássica frase “Ah, ninguém vai ver isso!” A resposta de Renato foi: “É, Tetê, ninguém vai ver. Nem aquele milhão e meio de crianças com seus respectivos milhão e meio de acompanhantes.” Enquanto falava isso, ele mesmo foi sujando o figurino. Aí, ficaram sem graça e me pediram para orientá-los na sujeira. Nem precisou, mas o Renato fez questão de ver minhas fotos de continuidade.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Todo cinema popular no Brasil é menosprezado. Foi assim com as chanchadas da Atlântida. Foi assim com os filmes do Mazzaropi. Parece dor de cotovelo pela bilheteria alcançada por esse tipo de filme. Afinal, cinema é um ofício caro de se produzir e veicular e nem todo filme consegue se pagar, quanto mais dar lucro. O interessante é ver que o que foi menosprezado antes... ser estudado depois em faculdades de cinema, ser objeto de teses, livros, documentários e mostras. Os filmes de bilheteria garantem a sobrevivência dos técnicos de cinema e do próprio cinema brasileiro.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Um cinema popular que visava o público infantil, mas que também procurava agradar os adultos, colocando cantores ou celebridades do momento.

Recentemente, você reencontrou Renato Aragão e Dedé Santana no filme Didi e o Segredo dos Anjos, telefilme exibido pela Globo em 21 de dezembro de 2014. Como foi a emoção de voltar a trabalhar com eles?
A emoção foi devidamente registrada numa selfie: eu no meio dos dois. Renato já não tem mais o programa semanal do Didi na grade da TV Globo. Por isso, o clima era de tentar fazer na tevê um filme com a pegada dos filmes dos Trapalhões. A sequência de perseguição teve como principal referência a sequência de perseguição dos créditos de um dos filmes deles.

Que mudou dos primeiros trabalhos com eles para esse último?
A principal mudança e mais óbvia foi a falta de Mussum e Zacarias. O Didi de O Segredo dos Anjos está mais próximo do Bonga e do Didi do cinema antes do quarteto. E Dedé fez o papel de um homem que todos achavam que era vilão e depois se revelou amigo e parceiro do Didi e do mocinho, vivido por Jayme Matarazzo.

Eles tinham a mesma empolgação?
Sim! Renato e Dedé procuravam mostrar saúde e agilidade. Renato estava muito feliz em voltar a um set e participar de um trabalho mais parecido com seus filmes. Ele até mandou fazer uma comemoração regada a espumante, refrigerantes e salgadinhos no seu último dia de gravação. Dedé também estava feliz e cheio de planos pra dirigir um filme em breve.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Bem, o fato não teve tanto a ver com o quarteto, e sim com a Xuxa. Os Trapalhões no Reino da Fantasia foi filmado na época em que Xuxa era namorada de Pelé, ou Dico, como ela o chamava. Quando estávamos em Camboriú, ele estava em Nova York. Estávamos hospedados num hotel onde só tinha uma linha telefônica; e, todos os dias, após a filmagem, eles se falavam ao telefone por um hora e meia. Num dia, ela foi atender à ligação na cabine que ficava na recepção do hotel. Foi correndo pelo corredor forrado de carpete e levou um tombo. Mas se meteu na cabine e só saiu após terminar a conversa. Foi quando se deu conta de que tinha ralado feio uma das coxas. A sorte era que a personagem dela era uma freira, e o machucado ficou escondido. Foi uma delícia me lembrar desses momentos tão importantes pra minha formação profissional.