quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Lina Chamie


Lina Chamie é uma das mais talentosas diretoras brasileiras.

Lina, gostaria que você fizesse um apanhado da sua trajetória até chegar ao cinema, como foi esse lampejo de começar a trabalhar com o cinema?
A minha formação acadêmica aconteceu em filosofia e música, mas tem um evento que me marcou muito na minha adolescência que eu vi o Joaquim Pedro filmar, eu fui no set, o set por acaso era o Teatro Municipal, e o Joaquim Pedro estava filmando “O Homem do Pau-Brasil”, e eu assisti essa filmagem, fui ali, meu pai fazia uma ponta, minha mãe fazia outra ponta, era uma cena de baile, e tinha uma cena que inclusive era com o traveling, eu me lembro muito bem, era um movimento de câmera bastante bonito, que era com a Juliana Carneiro da Cunha, uma cena que ela anda, a câmera segue, ela vai até a cama, que estava no salão nobre do municipal.

Esse dia me marcou para sempre, alguma coisa me marcou ali, que eu fiquei fascinada com aquilo, com rodar um filme, com aquela mágica. Uma cosia muito profunda aconteceu em mim, profunda e inexplicável, não tem explicação, um sentimento, uma emoção, uma coisa inesquecível. Em seguida eu continuei a minha vida, tinha uns 16 anos, 16-17 anos, já estava mais ou menos empenhada em ir para os Estados Unidos estudar Filosofia e Música, na verdade era música, e acabou sendo filosofia e música. Segui a vida objetivamente, mas eu nunca esqueci aquilo, fiquei com a pulga atrás da orelha, falei puxa vida, cinema, será que eu não quero fazer cinema, e fui para os Estados Unidos com essa coisa na cabeça. Cheguei a Nova York, onde eu fiz universidade e Mestrado, morei lá mais de 10 anos, fiquei lá 13 anos, e o que aconteceu comigo, eu via muito filme, lá é uma cidade maravilhosa para cinéfilos. Via 2, 3 filmes por dia enquanto estudava 12 horas por dia, e trabalhava, aquela coisa de estudante com toda a energia. Trabalhava justamente na Universidade, mas não no departamento de música, mas no departamento de cinema, era pau para toda obra, fazia de tudo, fiz toda a função de assistente numa produção de filme eu fiz lá, porque os americanos filmam muito na escola, na formação deles, principalmente em um curso de graduação, depois no mestrado é mais teórica, mas eu era assistente no curso de graduação de cinema, eu fui projecionista, projetava os filmes.

Então paralelamente acabei tendo essa formação informal com o cinema, e acredito hoje, conversando com você, eu sempre digo isso, é uma crença minha, você aprende cinema assistindo, você tem que ver muito filme, você tem que estar com os olhos abertos, você aprende cinema vendo os filmes. Isso foi fundamental para mim, entre essa paixão pelo cinema como cinéfila, vendo muito filme, um pouco trabalhando ali, um pouco não, eu trabalhei uns 10 anos. Eu quando voltei para o Brasil, sabia já por dentro eu sabia que não ia seguir a carreira de música, muito menos de filosofia, até porque a música clássica, que era o que eu estudei, no Brasil não tinha muito espaço tão legal. Eu sabia que ao decidir voltar, de alguma forma não clara para mim, não era um plano, eu acabaria abandonando a música, que não é um abandono não, é uma passagem muito feliz da minha vida. Não sinto a menor falta, mas ao mesmo tempo me trouxe muita coisa, muita sensibilidade, me trouxe um know-how até para o cinema. O cinema de certa forma é um pouco similar a música, tem ritmo, acontece em um certo tempo.

Aí muito naturalmente eu passei para o cinema, eu me lembro que a Tata Amaral me convidou para dirigir um vídeo do minuto, isso deve ser 94 ou 93 e aí, eu dirigi um videozinho, coisas pequenas e tal. Então eu fiz meu próprio curta “Eu sei que você sabe” que é um curta que ganhou vários prêmios, Festival de Brasília, Festival de Gramado, enfim, o filme circulou, e em seguida eu já tinha paralelamente escrito o roteiro do que seria meu primeiro longa que é o “Tônica Dominante” e em seguida eu já foi filmar o “Tônica” que já era um longa, foi uma cosia muito natural, muito espontânea. Espontânea com toda a loucura do cinema, com uma obsessão louca, que para você conseguir filmar você precisa ser obsessiva. Para conseguir fazer as coisas, eu fiz o curta sem grana nenhuma, fiz porque queria fazer, porque as pessoas fizeram, foi uma experiência genial, porque cinema é uma equipe, é todo mundo, é uma coisa de congregar as pessoas. O “Tônica” também é um filme muito profissional, a produtora era a Superfilmes, foi feito ate com o orçamento reduzido, o que eu quero dizer que o que precisa para filmar, principalmente o longa-metragem você precisa querer muito filmar. E aí do Tônica eu fui para o “Via láctea” que é meu segundo longa, que é onde nós estamos.

Queria que você falasse do seu curta, da história dele, como que começou e tudo mais?
O curta foi assim, na verdade eu tinha escrito o roteiro do longa e estava difícil eu captar, e por outro lado eu tinha tido experiências, tinha dirigido, mas eram vídeos, quer dizer, a bitola não era película. E aí eu pensei puxa, eu acho até que eu tenho que fazer um curta antes de ir para o longa, que é um pouco a trajetória normal, aliás, se seu site é sobre curtas, agente vai falar sobre curta. E aí eu me lembro que eu escrevi o roteiro do “Eu sei que você sabe” pensando também, você veja, isso é uma coisa constante na minha carreira, talvez porque eu faça um cinema bastante autoral, sempre difícil captar recursos, porque eu filmo muito sem concessão. Eu realmente faço filme o que eu quero fazer, isso não é alegria que ninguém me tira. Eu me lembro que eu já escrevi o filme pensando em dois dias externa, dia uma mesma locação, fazer uma coisa que eu consiga viabilizar, mas é um filme até bastante sofisticado na imagem, porque se por um lado ele é dois dia externa, dia na mesma locação, por outro ele tem equipamentos complicados, ele tem vários travelings com carrinhos fisher, na ocasião agente conseguiu por meio período, ai que está a sacada.

Como eram 2 dias tudo era meio período, então ali tem uma gramática de imagem sofisticada, mas ele é um filme que foi feito com pouco. Tem vários atores, não tem um ator principal, mas tem vários atores, uns 5 ou 6 atores. O filme é dedicado ao Manoel Bandeira, um poeta brasileiro, ele é um filme que eu pensei enquanto eu esperava para fazer o longa, e a experiência foi muito legal, porque me deu o know-how que uma película, inclusive usando essa maquinaria toda, me aqueceu um pouquinho, me preparou, me deu um pouco mais de domínio da linguagem, do que você filme, do que bate na tela, do que vai montar, para fazer o Tônica. Porque o Tônica também é um filme bastante complexo em termos de movimento de câmera, de uma linguagem que aposta na imagem, entende, na gramática do cinema. Então o “Eu sei que você sabe” foi um filme que me preparou bastante para partir para o longa. Mas ele surgiu mesmo porque eu achava que tinha que filmar, que tinha que fazer um curta antes do longa, e porque estava esperando o longa. Ás vezes os contratempos, são muito do cinema brasileiro, e agente como diretor no Brasil, o contratempo às vezes é a solução, você tem que se adaptar, dançar conforme a música. Ás vezes as dificuldades viram virtudes se você souber lidar com elas. Nesse caso foi isso.

O que eu percebo é que muitos cineastas começam com o curta, meio que como um laboratório, então parte para o longa, e nunca mais volta a fazer um curta. Porque o curta, não sei se essa palavra, mas ele é até marginalizado entre os próprios cineastas, que é o começo de tudo, mas a pessoa trata o longa sempre com mais carinho, e o curta como uma experiência. É isso ou não?
Não, eu acho que não é isso, eu acho o seguinte, eu acho que o curta é muito diferente do longa, são coisas distintas. É impossível comparar um com o outro, mesmo, em termos de dramaturgia, em termos até de produção, são duas situações muito diferentes, e sobretudo, em termos de linguagem. Um requer, na minha opinião, um tipo de compromisso, e o outro requer outro tipo de compromisso, que não quer dizer que você não possa manter a sua tendência, o seu estilo, enfim, mas são duas formas diferentes. O que acontece, por exemplo, o curta te permite muita experimentação, em termos e linguagem, o curta não te um compromisso com o público de certa forma, um pouco comercial. Acho que toda a obra de arte tem compromisso com o público, mas eu digo no âmbito comercial, na viabilidade do filme, ele não tem esse compromisso, porque o curta vive no circuito dos festivais, você exibe seu curta em festivais. Então o curta é um espaço de experimentação muito diferente, você pode inclusive experimentar o longa, não estou dizendo que o longa não permite experimentação, mas ele é o espaço muito diferente do espaço que você tem no longa. O que acontece, pelo menos para mim, vou falar de mim, da minha experiência.

Quando eu passei para o longa, é tão distinto que é como você estivesse trabalhando em outra sintonia, e eu acho que é por isso que você não volta para o curta, mas é não vejo um como substituto do outro, eu vejo duas situações muito diferentes, e talvez quando você entra na situação do longa, você está com aquela narrativa na cabeça , você está com aquele tempo, você tem história daquele tamanho, você está em um outro universo. Agora se me chamarem para fazer um curta, talvez eu tenha enorme prazer em fazer um curta, evidentemente que em termos de carreira, essa é outra questão também, o curta não acresce na sua carreira como um cineasta de longa-metragem, porque são dois universos. Então isso também é um outro elemento, não to falando em fazer cinema, do amor pelo cinema, da linguagem, eu to falando carreira, o curta não soma na carreira do longa-metragista, quer dizer, é claro que ele soma, mas ele não muda o rumo de um longa-metragista, agora o seu segundo longa muda, não estou falado de estilo, estou falando de carreira, o terceiro, o quarto, sua carreira vai se construindo através do longa-metragem, não em cima de possíveis curtas no longo do caminho.

Como é trabalhar com a síntese do curta? O curta fundamentalmente trabalha com a síntese, contar uma história ou passar uma mensagem em pouco tempo de metragem.
Síntese em termos, porque o curta também te permite um recorte de um momento, ou um experimento com uma pequena cena, ele está muito livre, o curta. Então não acho que necessariamente ele está obrigado a síntese, e evidentemente você não conta uma história do tamanho de um longa em um curta, não é possível sintetizar um longa em um curta. Ele é outra linguagem, eu não sei bem, síntese comparada com a questão do longa, eu não encaro isso no curta, acho que o curta tem um tempo próprio. O que eu acho que é muito diferente mesmo, até repito essa palavra, é a questão da dramaturgia, da construção dos personagens, isso sim tem uma coisa, às vezes de tempo que o longa permite, da densidade da narrativa, que também muitas vezes é vinculada a questão do tempo, ao desenvolvimento da história, que acontece no longa de uma maneira muito diferente do curta. Agora o curta por outro lado, muitas vezes tem a sacada, por exemplo uma sacada segura um curta, uma sacada não segura um longa, tem curtas em que a reviravolta é a essência do curta, está ali o recado. Isso no longa é mais um procedimento, você está numa grande estrutura, você está construindo ali uma catedral, um edifício, a estrutura é outra. O curta te permite as vezes, contar uma história, que não deixa de contar uma história, de uma maneira muito mais livre, que as vezes não envolve síntese, envolve uma sacada, envolve uma conclusão, uma descoberta, um jogo de linguagem, um jogo de seca. O curta se sustenta de outra forma, e ele tem uma liberdade de criação que é muito linda, ele permite a invenção por si só. Às vezes o curta tenta também, e é justo que tente também, tem curtas e curtas, construir uma história, agora se a história é maior que o tempo que você tem não há síntese que segure, você não vai conseguir a profundidade que o longa te permite pelo mero fato do tempo e da estrutura narrativa.

O curta hoje, o pessoal que sai da faculdade começa com o curta e tudo mais, mas você acha que é o grande movimento do cinema hoje? Diferentemente do longa, que relativamente, está certo que cresceu, mas são poucos filmes. No curta dá para experimentar, dá para inovar, dá para fazer uma séria de coisas que foge um pouco da dinâmica do longa.
Eu acho que o curta, é o que você isso falou, sempre dá pra inovar, experimentar e fugir da dinâmica do longa. Eu não acho que o curta hoje em dia é o nosso carro chefe, mas eu acho que já foi, por uma questão de contexto, quando o cinema acabou, na década de 90, sobrou o curta, agente teve alguns anos, 2, 3 anos, que a nossa produção era basicamente de curtas. Quer dizer, os cineastas todos, conseguiam fazer curtas. Os jovens que estavam começando faziam curtas, e até os cineastas mesmo, que estavam de certa foram, num buraco negro, e sobrou o curta, o curta era o meio de expressão. Ali naquele momento, que é aonde depois vai começar a retomada, retomada se refere ao longa-metragem, a retomada do nosso cinema, que agente chama, esse termo aplicado aquela etapa do tempo, naquele instante acho que o curta acabou sendo o meio principal de expressão para o cineasta, era o que lhe sobrou de certa forma. E agente tem grandes curtas nesse período, tem curtas importantes inclusive de cineastas que depois vieram a fazer longas, ou que continuaram a fazer longas, ou que estavam a beira do seu primeiro longa e não tinham como fazer pelo contexto geral de produção que foi interrompido.

E para finalizar Lina, você falou que se fosse chamada faria um curta e tudo mais. Futuramente, você teve agora o sucesso com “A Via láctea”, e tem uma carreira de sucesso, queria saber quais são seus projetos futuros, se tem também um curta, ou se vai ser um longa, como está?
Olha eu não tenho um curta, no momento eu estou com um projeto novo, que está em etapa de argumento para o longa-metragem que se chama “O peso das Sombras” que será uma adaptação de um romance do Francisco Dantas, que é Sob o peso das sombras, e para o filme eu dei o título de “O peso das Sombras”, estou aí começando a escrever. Estou também escrevendo um roteiro junto com o Babenco, que será o próximo filme dele, e estou ainda com “A via Láctea”, eu viajando menos, mas o filme viajando igual, quer dizer, continua viajando pelo mundo e indo a festivais. Ontem agente ganhou um prêmio na Rússia, ganhou melhor direção na Rússia, os russos curtiram o filme, então o filme ainda dá trabalho. Então estou muito ocupada, não tenho um curta no meio do caminho, agora como teria um curta, aqui pensando com você? Se tivesse uma idéia que é para um curta. Aí todas as idéias são filhas de deus, como eu estou muito ocupada, e digamos assim, encaminhada em outros projetos, não me passa pela cabeça, mas se surgisse uma idéia e essa idéia fosse para um curta, porque não? É sempre filmar, é sempre um exercício cinematográfico. É que é difícil mesmo, é gozado, porque na prática, se sua carreira se encaminha, esse momento, que é um momento bacana, que é pós segundo longa, você ainda está construindo a tua linguagem, a tua carreira, você não tem muito tempo. Mas se eu fosse convidada, por exemplo, eu não tenho o menor preconceito, acho muito lindo.

Eu e o Marco Ricca, que fez a via láctea, uma vez voltando de uma viagem no avião, agente começou a pensar antes do próximo filme, porque essa coisa de longa demora, longa é um compromisso de no mínimo 3 anos. E agente veio brincando, falando até nisso, porque o curta é mais ágil, agente até chegou a ler alguma coisa, só que ai cada um ficou ocupado no seu próximo longa, e aquilo ficou meio de lado, como o ritmo da vida do cineasta, então eu acho que é um pouco isso que acontece com o longa. Mas eu não acho que o curta é menos que o longa, é isso que eu queria dizer, acho que é muito pelo contrario, acho que cada um é um, e cada um é em um momento. E em importância fundamental, a paixão que eu tenho pelo cinema vem também da experiência com o meu curta, ele me forma, ele me ensinou muitas coisas. E fazer cinema é fazer cinema, é a hora que você diz ação, é a hora que o ator diz aquela linha do roteiro, é a pré produção, é a montagem, é esse jogo, existe nas duas circunstancias, curta ou longa.