quarta-feira, 6 de maio de 2009

Eliane Caffé

A diretora iniciou sua carreira com três filmes de curta-metragem que são: ‘O Nariz’, ‘Arabesco’ e ‘Caligrama’. Narradores de Javé é seu segundo filme longa-metragem como cineasta. Seu primeiro longa se chama Kenoma.

Você acha que o curta é um gênero menor?
Não, não acho que o termo é menor, acho que é um trabalho diferente, é uma linguagem que predispõe a síntese, é um outro jeito de construir a narrativa, você escolher um tema e desenvolver o tema num formato curto, todo mundo sabe que tem pessoas que conseguem desenvolver muito bem o longa e não conseguem as vezes formatar uma história num curta e vice-versa, então isso eu acho que demonstra que são estruturas totalmente muito diferentes de trabalho.

O curta tem um poder de síntese muito grande, você acha que dá para contar uma história em tão pouco tempo de rodagem?
Quando a gente fala contar uma história, já pressupõe alguma forma certa de narrar, alguma coisa que você desenvolve meio, começo e fim, e que tenha toda uma trajetória, e que você consegue aprofundar varias dimensões do personagem ou da trama, enfim, então quando a gente fala contar uma história dentro de um curta às vezes, contar uma historia a gente traz como referência esse formato. Eu acho que tem outra forma de contar uma história, a gente não precisa sempre, através, vamos dizer assim, dessa narrativa mais convencional, mais clássica. E o curta eu acho que por ele ter esse tempo reduzido, ele permite quase você se colocar, é um desafio no sentido de que na hora que você tem que fazer aquilo acontecer dentro desse tempo, você se coloca frente a uma experimentação, porque você tem que tentar meios e formas de fazer aquilo se expressar nesse tempo, e é a busca dessa maneira e dessa forma de como fazer tudo se expressar nesse tempo, as vezes o qual é se caracteriza como uma experimentação.

As vezes você nem está pensando, eu vou fazer uma experimentação, mas isso acontece, porque não há outra maneira de você exprimir aquela idéia a não ser fazendo aquele percurso, e as vezes é o percurso é que é interessante, e também o fato de você não ter a pressão do mercado, enfim, o curta não está sobre o impacto de uma expectativa de resposta do mercado grande até pelo volume de investimento que se faz, então eu acho que tem uma série de coisas que fazer do curta um formato, enfim, por isso que as vezes a gente associa ao iniciante, o cara que vai começar cinema ele começa pelo curta porque é mais fácil em termos da captação, não quer dizer que é mais fácil em termos da linguagem, mas da captação dos recursos para ele realizar, com certeza. Então por isso que às vezes fica essa associação do curta como algo de iniciante, acho que tem muito mais a ver com o fator econômico do que estético.

Por isso que a gente fala porque a maioria dos cineastas começam com o curta dai obtém um sucesso, com critica ou com premiação, e acaba indo para o longa e nunca mais faz um curta. Você acha então que ele é marginalizado entre os próprios cineastas, pelo próprio pessoal do meio?
Acho que seria interessante, eu acho que é engraçado pensar porque que isso acontece, não sei se é porque na medida que você direciona sua carreira para o longa, é tanta coisa que acontece no processo do longa, no projeto de longa geralmente, vamos dizer, numa produção mais independente, numa produção média, que tem levado na maior parte dos fiscalizadores, de 4 a 5 anos desde que se começa a ter a idéia até a hora em que você termina e está na tela, e é um conjunto de experiências tão intensas durante esse percurso, tão grande que eu não sei , parece que é como você trocasse o canal, mas é uma pergunta interessante, porque a gente não exercita o curta, até nas entre safras entre um longa e outro, também não sei porque qualquer coisa que se movimenta nesse desenho hoje de produção, que não seja aquele que você faz com sua câmera, que você está super acessível, você pode ter uma câmera e faz seu filme.

Depois quando estiver pronto você pode até distribuir ele na internet, ou você vai tentar grana para passar ele para película, enfim, tem gente, muita gente fazendo desse jeito, nesse desenho, então é um tipo de produção que você não precisa tanto daquela figura, do produtor, você não precisa tanto daquele, vamos dizer assim, de toda aquela estrutura que vem junto quando você faz um filme. Então, eu sei também assim, que para muitos diretores, o fato deles não fazerem curtas de novo é que só de pensar que ele tem que movimentar uma estrutura para poder realizar, por mais curto que seja esse filme, sempre ele, nesse desenho de mercado, ele custa se você quer ir para cinema vai custar, ai o cara pensa: puts, tenho que ir atrás de um produtor, tem que movimentar orçamento...
Então ele já prefere já fazer a captação para projetos maiores, enfim, não sei se isso pode ser um dos fatores.

Um dos fatores também pode ser a pouca repercussão que isso dá na mídia e no público, porque o curta é para um público seletivo, que busca mesmo conhecer, diferente do cinema que tem uma divulgação. Você que isso também é um fator que pode atrapalhar?
Com certeza, acho que também esse é um fator, o próprio fator do exercício quando a gente está executando, a gente exercita pouco, tudo por causa desse modelo de produção, então por exemplo, o exercício de filmar o cinema independente ele é muito restrito, também acho que isso é um fator, o fato de você não ter a possibilidade, por exemplo se eu tivesse possibilidade de estar exercitando o curta talvez estaria presente na minha vida hoje, mas como cada projeto é tão artesanal ainda num certo sentido, então é paradoxo porque cada vez mais a produção de cinema vem se intensificando cada vez mais em termos de financiamento, através das leis e tal, mas por outro lado a estrutura para reger isso ainda é muito artesanal. A gente tem uma coisa muito empresarial, são pouquíssimas as produtoras que funcionam assim, isso faz com que cada projeto, seja longa ou seja curta, ele demande muito esforço do realizador, muito tempo, então também acho que pode ser um aspecto, além desse que você falou, que eu acho que é verdade de não ter muito espaço na mídia de ter algum diretores que tenham essa preocupação.

Tem um monte de gente fazendo curta, ainda mais com Youtube!, tem um monte de cineasta fazendo vídeo e tudo mais, o que você acha que, para um cineasta, para um cara que faz um curta, destoar desses curtas todos, dessa avalanche de curtas que tem por ai, as vezes sem preocupação com estética, mas por fazer e tudo mais, o que tem que valorizar um curtametragista?
Eu acho que não só o curta-metragem, como acho isso é uma expressão de um momento da nossa época, a dificuldade de você às vezes valorizar o conteúdo, a pesquisa, a investigação, ela é como se hoje em dia fosse parte de um deslumbramento, é como um brinquedo novo que você não larga aquele brinquedo, vaio testando as possibilidades, então eu acho que tem muito isso, a gente está numa transição, a gente está bem num momento em que isso esta acontecendo, então youtube se eu pensasse, sei lá, a 15 anos atrás, menos, 10 anos atrás, não existia esse veículo, é um veículo novo e muito poderoso, porque ele atinge assim o mundo inteiro, imagina você de repente saber que você pode fazer alguma coisa, expressar alguma coisa, que eu acho que é uma necessidade inerente da gente, e colocar num canal que você sabe que, então eu acho que essa proliferação que tem é um primeiro contato com uma ferramenta e que eu acho que ela vai ficar, não vai ter retrocesso, mas é como se você ensinasse a ler e a escrever, de repente ele tem um lápis, ele tem um desenho para fazer, e acho que outra coisa é a dificuldade da gente trabalhar o conteúdo e isso é uma coisa que não é só no cinema , no curta, está em geral, nas artes com o um todo, na programação, em tudo, a gente em hoje uma proliferação de informações que muitas vezes ocupa o espaço da formação, então por exemplo eu vejo muito isso quando eu viajo para fazer os filmes a diferença que é você estar numa relação corpo a corpo, presente fisicamente em relação ao que você quer representar, do que você pegar pesquisa via internet...

Então acho que é isso, essa preocupação mais com a formação, você se antenar um pouco, buscar interesse na medida com que você se impulsiona na realidade, por exemplo, São Paulo é uma cidade que a gente conhece muito pouco, você pega um dia de manha e vai lá para o mercado central, vai para o Brás, sabe essa coisa de expedicionário que a gente perdeu muito, porque hoje em dia como tudo já chega para gente, já chega filtrado, então essa motivação, as vezes ela se realiza muito... E eu acho que isso se reflete, porque ai as pessoas começam a criar se auto-referenciando, por exemplo, sai um negócio no youtube, é incrível, todo mundo assiste, então o outro vai querer fazer um pouco influenciado por isso, as vezes não sai desse circulo, acontece muito nesses guetos que a gente vê a dança hip-hop então todo mundo vai viver isso, eu acho que a coisa da internet tem muito isso, é um fenômeno novo e difícil e que está mudando o padrão de comportamento e de maneira de raciocinar. Fico pensando hoje em dia como será que a gente sonha, quando a gente sonha mesmo, porque o sonho tem uma linguagem tem uma dinâmica um ritmo, ai eu fico pensando, será que o fato da gente ter tanto audiovisual presente que faz com que agente descubra o sonho?