quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Os Trapalhões: Lucinha Lins


Lucinha Lins
Atriz


Você trabalhou naquele que é considerado por muitos o maior clássico dos Trapalhões: Os Saltimbancos Trapalhões. Como e em que circunstância você recebeu o convite para se transformar na gata dos Trapalhões?
Em todos os filmes dos Trapalhões sempre teve a mocinha, não é? Todos tiveram a mocinha. Eu tinha feito alguns comerciais de televisão. Eu acho que eu tinha o perfil físico da mocinha. Veio o convite do próprio Renato. Acho que era ele o próprio cabeça disso tudo. Sempre foi. A produtora era dele também. E lá fui eu... Eu não sabia nem falar. Hoje, eu vejo esse filme com muito carinho, com muita ternura. Já me depreciei bastante, dizendo: “Meu Deus, como eu era ruim!” Mas acho que isso passou, e essa sensação ruim passou. J. B. Tanko dirigindo foi um luxo! Eu, aquela franga que não tinha ideia de coisa alguma, fui para Hollywood. Nós fomos, as filmagens começaram dentro da Universal Pictures. Foi um convite lindo na minha vida, muito importante, transformei-me numa pessoa muito querida para eles e eles para mim. O Renato morava perto da minha casa, nós morávamos no Leblon. Eu acho que ele nunca aprendeu a dirigir direito. Ele tinha um Mercedes branco. Um dia, porque ele estava cansado, eu perguntei: “Você quer que eu dirija?” Ele respondeu: “Quero!” A partir dali, eu era chofer. Volta e meia, ele me dava carona para ir para o set de filmagem. Então, ele dizia: “Tô saindo.” Era o tempo de ele dobrar a esquina, eu descia. Quando eu chegava, ele já estava sentado do lado do acompanhante. Eu era a chofer; e, quando voltávamos tarde da noite, muitas vezes íamos deixando o Mussum em algum lugar, o Zacarias em algum lugar. Volta e meia, eu era a chofer dos Trapalhões. Foi muito gostoso. É um momento especial da minha vida. Eu não poderia imaginar que isso me abriria tantas portas. O filme aconteceu durante as férias. Eu já tinha meus filhos. Eles eram pequenos; e, quando as aulas começaram, o filme já era um grande sucesso por causa das férias de todo mundo. Ele foi lançado, se não me engano no mês de dezembro, perto do Natal ou qualquer coisa assim E, durante as férias, o filme foi um escândalo de sucesso. Foi em cima dos quinze anos dos Trapalhões. Tinha essa data importante para que esse filme acontecesse. Era um musical maravilhoso! Ah, também tinha isto: eu cantava. Não era só porque eu era bonitinha que eu participei do filme. Tanto que, quando nós fomos para o estúdio, digamos que eu tivesse duas músicas para cantar e acabei cantando três ou quatro. Fiz coro e fiquei lá com o Chico Buarque, com o Sergio Bardotti, o Luiz Enríquez Bacalov e aquela turma toda. E foi um disco lindo de ser confeccionado. Estão aí as músicas. Eu virei a eterna gata, por conta disso tudo. E foi muito especial tudo isso na minha vida. Quando fui levar meus filhos ao colégio, no primeiro dia de aula, todos que estavam ali pararam. Porque a Karina (nome do meu personagem no filme) estava na porta do colégio. Aí, eu levei um susto e tomei ciência do peso e do sucesso que tinha sido o filme e que até hoje é tão falado.

Você citou o J. B. Tanko. Para mim, que pesquisa sobre cinema nacional, ele é subestimado pela crítica, pela Academia. Foi um grande cineasta. Foi um grande parceiro dos Trapalhões. Eu queria que você falasse um pouco mais a respeito dele. Como foi a experiência, como foi ser dirigida pelo Tanko?
Ele era... Ele tinha um sotaque muito engraçado. Era aquele senhor estrangeiro pesado. Comigo sempre muito gentil, muito doce. E dizia que eu prendia muito a boca, quando sorria. Dizia que eu fazia um jeito no lábio. Ele queria que eu sorrisse sempre com os dentes, nunca prendendo os lábios. Ensinou-me a caminhar na frente de uma câmera. Mandava... expulsava o Renato do set de filmagem, porque ele aprontava demais e dizia: “Renato Aragão proibido de chegar perto do set agora.” Então, quando não estava filmando, o Renato aprontava com as pessoas que estavam na hora do ação. Ele era capaz de jogar um barbantinho cheiroso que dava cheiro ruim. A cena ficava fedendo, as pessoas começavam a rir; e ele estragava tudo. Os Trapalhões no dia a dia eles eram... Para mim, são mais engraçados do que na hora da gravação. Era um absurdo o que se ria, se divertia com eles. Um aprontava, um jogava e o outro pegava... A bola nunca parava entre eles. Incrível! E o Tanko tinha uma paciência do cão com todos eles e era muito querido por todos e muito respeitado. Para mim, foi um diretor maravilhoso, extremamente gentil... que me olhava nos olhos e me incentivava muito. Sabia das minhas limitações. Foi muito, muito, muito paciente comigo. Eu só tenho lembranças lindas dele. Conheço outras pessoas que trabalharam com o Tanko e acho que elas têm essa mesma opinião. Nunca vi ninguém falar mal dele. Não sei todos os filmes que ele fez, mas sei que era um gringo muito capaz. Era, sem dúvida, um grande diretor.

Diversas pessoas que eu entrevistei falaram que você afirmou que o clima dos bastidores foi bem descontraído. Fale um pouco mais a respeito disso. O Renato, o Dedé e o Mussum eram descontraídos, mas acho que o Zacarias era mais introvertido, não é ?
Não! Comigo ele não era introvertido, não. O Zacarias era um homem extremamente inteligente, de uma certa cultura. Era uma delícia conversar com ele. O Mussum eu conhecia por causa do mundo da música, eu conhecia de outros carnavais. Então, a gente se encontrar ali foi uma delícia. Era papo de músico. Sempre muito engraçado. O Dedé eu mal conhecia. O Dedé é uma pessoa que você quer botar no colo e levar para casa. Ele é... Todos eles são extremamente carinhosos e gentis com quem está em volta. Acho que Renato era quem tinha pelo menos uma carga muito grande, uma responsabilidade muito grande em cima dele. Ele era solicitado pela produção, as coisas tinham que passar por ele. Acho que a carga de responsabilidade diante do que eles faziam era mais em cima dele. Era o grande patrão, o que segurava as rédeas daquilo tudo. E acho que ficou sendo isso a vida inteira. Teve brigas entre eles e tal, idas e voltas. Eu fiz um segundo filme. Fui chamada pelo Dedé, quando houve uma discussão qualquer entre eles e separaram-se...

O filme foi Atrapalhando a Suate.
É. Foi Atrapalhando a Suate. E eu me lembro do Dedé me telefonando e dizendo; “Eu preciso de ajuda, você me ajuda?” Respondi: “Claro que sim! Eu não tenho nada a ver com a briga de vocês. Eu tenho certeza de que é passageira. E, se eu puder estar ao lado de qualquer um de vocês, eu estarei, de coração aberto e feliz.” Um dia, encontrei Renato e perguntei: “Você ficou chateado, porque eu fui filmar com o Dedé?” E ele respondeu assim: “Claro que não!” Eu disse: “Acho bom, porque senão eu brigo com você!” Então, acho que foi um momento; e eles fizeram um filme lindo, que também era cantado. Chamaram-me, porque a gente era conhecida. E confiaram em mim, eu já sabia um pouco melhor as coisas. E meu Deus! Conviver com eles era muito agradável, muito agradável. Não tinha tempo mau. Não tinha tempo ruim. Volta e meia, alguém sumia. Estava cansado, dormindo em algum canto e desligado do mundo. Mas, estando juntos, aprontavam sem parar. Nem criança aprontava tanto quanto aqueles quatro juntos. O Zacarias era um ator fantástico, maravilhoso, maravilhoso. Uma pessoa maravilhosa, era delicioso conversar com ele. Sabia de tudo, sabia de tudo...

Como foi o processo para a composição da sua personagem? Queria também que você falasse sobre o ensaio, porque é um musical. Como foram os ensaios?
Olha, eu não tinha o menor preparo de coisa nenhuma. As coisas simplesmente iam acontecendo; a gente meio que ensaiava na hora, tinha ideia do que ia acontecer. Eu sabia o meu texto, o que eu tinha que falar e tal. A gente aprendia e filmava. Não teve uma grande preparação. Eu não tinha estofo algum para me preparar, eu simplesmente me joguei e aceitei o convite que foi lindo na minha vida. Morria de medo, apavorada, apavorada, protegida por todos. Todos foram muito carinhosos comigo. Eu fui muito honesta dizendo eu não sei fazer isso. Eu não sou atriz. Agora, a parte musical eu dominava com facilidade. Por exemplo, a parte de estúdio para gravar as músicas, foi – nossa! – para mim sopa no mel, porque já era uma praia que eu conhecia a vida inteira. O Chico era meu amigo. Então, eu fiquei muito à vontade na parte musical. Sem problemas. Mas, para filmar foi pânico total, pânico total! Mas aí eles faziam com que as coisas caminhassem com muita tranquilidade. Quem facilitava tudo era a própria presença deles, a brincadeira deles. E eles me faziam rir o tempo todo, eles não me deixavam ficar aflita ou nervosa. Se eles sentissem isso, no mínimo eles iam fazer coceguinhas antes de entrar em cena e por aí. Não teve a grande preparação, teve um papo entre nós, qual era a ideia... Ela é uma mocinha, ela é bonitinha, ela é delicada, ela é isso, ela é aquilo. E lá fomos nós fazendo e aprendendo e fazendo. E o resultado foi o que se viu.

E Os Trapalhões cantando?
Bom, Mussum segurava todas, não tinha problema. O Zacarias segurava. O Dedé é muito ruim, o Dedé é o pior de todos. Ele perde o tom, ele desafina e tal; mas, devagarinho, ele chega lá. E, no conjunto, ele entra e faz sua parte. O Didi é mais ou menos, mas consegue, consegue. Então, a gente ria muito. O Mussum nessas horas ficava de grande líder e respeitado como músico que era e dava uma maneira de dividir a música para todo mundo aprender junto. Aí, ia funcionando. Era leve, era leve.

Agora, Lucinha, durante as filmagens, você já tinha uma percepção de que esse filme se tornaria um clássico do cinema nacional?
Não, não tinha a menor ideia. Daí, o meu susto no primeiro dia de aula dos meus filhos. Eu era uma heroína nacional, e Os Trapalhões eram um máximo. Depois, participei do especial de televisão 15 Anos dos Trapalhões, que aconteceu após o lançamento do filme. Foi foi um programa lindo, lindo, lindo, lindo. Eu lamento que eles não reprisam, eu gostaria de ver de novo. Aliás, você está me dando uma ótima ideia: vou pedir se é possível gravarem para mim uma cópia daquele programa. Foi um programa especial, para comemorar os quinze anos dos Trapalhões. Muita gente fez parte disso, muitos atores, tinha uma historinha acontecendo ali e eu fiz parte desse programa... Eu me senti muito honrada, muito honrada. Foi um luxo na minha vida o que aconteceu.

Nesse filme, Os Saltimbancos Trapalhões, trabalhou um ator que eu aprecio muito: o saudoso Eduardo Conde... Eu queria que você falasse a respeito dele.
Bom, o Eduardo era um querido, era uma pessoa que eu fui conhecer no filme. Depois, nós chegamos a fazer outros trabalhos em televisão, alguma coisa em alguma novela, participamos de outros trabalhos. Um querido, engraçado, espirituoso, que fazia um dos vilões. Muito divertido, muito caricato em dizer: “Lucinha, essa cara está boa; olha está péssima.” E eu falava: “Está muito engraçado e tal.” Olha, eu nem sei o que posso falar desse trabalho, desse momento, desse envolvimento com as pessoas que fizeram parte disso. Sempre muito, muito bom e sempre guardado num pedaço do meu coração, numa caixinha assim de ouro, de ouro.
Eduardo fez parte disso.

Você contou a curiosidade do Renato que tinha preguiça de dirigir...
Anham.

No Saltimbancos, tem alguma outra curiosidade de que você se recorda ali na gravação, nos bastidores, e que queira compartilhar?
Tem, tem uma coisa que pouca gente sabe e que é muito especial. Quando nós fomos para os Estados Unidos, não era o J. B. Tanko. Eu não consigo lembrar o nome do diretor que foi junto e que falava Inglês maravilhosamente bem. Bom, lá tem o sindicato. Quando está se aproximando a hora de acabar o tempo, vem uma pessoa e diz: “Vai acabar.” Ali você tem que decidir se vai ter uma hora extra ou não, porque é tudo pago e é muito organizado. Muito bem, o diretor – desculpa eu não lembro o nome dele – ficou doente. A essa altura, ele não podia ficar doente. E o Dedé... O Dedé é um excelente diretor, pouca gente sabe disso. Bem, o Dedé disse: “Eu dirijo.” Nós tínhamos aquelas cenas para fazer dentro dos estúdios...

O diretor era o Del Rangel?
Não, não foi o Del. O Del estava depois, acho que junto com o Tanko. Acho que sim, não me lembro direito. Foi outro diretor, moreno, não consigo lembrar o nome. A essa altura, fomos para os estúdios sem o diretor titular. Dedé era um dos atores e tal, sendo que não sabe falar Inglês. Acho que ele sabia falar yes, no e o.k. Havia o diretor americano, que era quem dividia todas as instruções com a equipe americana. E o Dedé virou o diretor. Ele falava em Português, alguém traduzia um pouco para esse diretor americano, que dava as ordens para todos. E fomos filmando. O Dedé gesticulava muito, falava um pouco alto, devagar, como se o americano pudesse entender o Português devagar. A maneira, o olhar que o Dedé teve com esse diretor americano foi uma coisa incrível. Porque, no final, o Dedé falava de longe, às vezes no set de filmagem como ator, dava alguma ordem... e o americano entendia, não me pergunte como. Muito bem! Conseguimos cumprir o plano do dia, que era muito importante. Seria um prejuízo muito grande não filmar naquele dia. E, ao final das filmagens daquele do dia, fechamos no horário certo, deu tudo certo. Nós fomos embora. E aí cumprimentou- se a equipe, a gente deu um até logo de longe. Acho que nos encontraríamos dois dias depois, qualquer coisa assim. E o Dedé cumprimentou esse diretor americano e misturando palavras em Português com thank you, you, o.k., o.k... aquela tentativa de falar algumas palavras em Inglês. E esse diretor o abraçou e cumprimentou-o fortemente. Apertaram-se as mãos fortemente. E aí, viramos de costas... e a nossa equipe e os atores foram saindo. Segundos depois, ouve-se um som de aplauso, som de palmas; e a palma cresceu. Quando nos viramos para trás, era esse diretor americano que puxou um aplauso para o Dedé como diretor. Ele sabia, ele viu, ele percebeu a dificuldade do dia que nós tínhamos que cumprir... E o Dedé foi brilhante como diretor. Foi brilhante, foi realmente brilhante, quebrou todos os galhos e ainda atuava. Esse diretor americano deu um passo à frente, puxou aplauso. E a equipe inteira americana se juntou a esse diretor. Quando nos viramos para trás, sem entender o que estava acontecendo, esse diretor americano apontava para o Dedé, fazia sinais como quem diz “esses aplausos são para você e congratulations”. E batia palmas. E veio um aplauso realmente emocionante de toda a equipe americana, saudando o Dedé Santana como diretor naquele dia. Foi emocionante e a gente dizia: “Dedé é para você. É para você, Dedé!” “Para mim, mas por quê?” Ele não conseguia entender naquele momento. Humildemente, ele mandava beijos. Todos mandavam beijos uns pros outros. Eu falo disso e me emociono. Porque foi um momento raro na vida de alguém ver uma reverência tão bonita a um artista...

E uma coisa que eu queria até compartilhar contigo e que me causou estranhamento foi que esse filme virou um musical e estreou no ano passado lá no Rio. Por que você não participou desse musical?
Bom, primeiro que a gata está gata velha, né? Eu poderia ter feito parte, sim. Talvez uma personagem, uma brincadeira qualquer... mas a gata jamais, a gata tinha que ser uma pessoa jovem, gostosinha e tal. Eu sou uma senhora, não dá mais! Mas eu estava também em uma grande turnê. Eu não estava, por exemplo na estreia. Só depois eu fui assistir a Os Saltimbancos. Fiquei emocionadíssima! E eu fui falar com todos e cumprimentei a todos. Depois, teve uma estreia vip, na qual eu estava presente. Eu vi duas vezes o espetáculo. Fiquei encantada, encantada de ter visto o Dedé e Renato no palco. Fiquei muito emocionada de vê-los. Acho que eles não subiam num palco de teatro há muitos anos ou nunca subiram....

Teatro eles nunca fizeram?
Acho que não. Então, o cenário era lindo, era uma equipe enorme... e o nosso abraço no final foi emocionante, emocionante. Quando acabou o espetáculo, os artistas no palco agradeceram a presença de algumas pessoas, inclusive a minha. Ouvi coisas assim: “A nossa eterna gata.” Coisas assim eu ouvi. Chorei muito, chorei muito.

Você citou no começo da conversa o Atrapalhando a Suate, realizado no momento mais conturbado da história dos Trapalhões, quando eles se separaram. O Didi fez O Trapalhão na Arca de Noé; e o Dedé, Mussum e o Zacarias criaram a DeMuZa e realizaram Atrapalhando a Suate. Ali, consegue-se ter uma percepção de certa rivalidade entre eles. Teve uma correria para um lançar primeiro que o outro o filme...
Algo bem infantil, né? Se você parar para pensar, tudo bem... eles brigaram, discutiram e tal, mas eles criaram uma rixa absolutamente infantil. Havia uma necessidade do Dedé, Mussum e do Zacarias de provarem talvez para eles mesmos ou para mostrarem para o Renato que eles também eram capazes de existir sem o Renato e o Renato também era capaz de existir sem o Dedé, Mussum e o Zacarias. Uma coisa completamente boba, infantil e que, graças a Deus, durou muito pouco tempo. Porque eles juntos é que eram maravilhosos, eles separados causou um esvaziamento... Foi bom, foi bom que aconteceu, para eles perceberem como era importante um na vida do outro. É isso o que eu penso.

Era essa pergunta que eu ia fazer. Então, você questionou o Renato. Perguntou se ele ia ficar chateado com você. No momento da escolha do elenco, chegou a passar pela sua cabeça sofrer alguma retaliação, por participar do filme Atrapalhando a Suate?
Não, isso não me passou pela cabeça. Teve um ator que eu respeito me telefonando, para me fazer um convite. Depois, é que eu fui saber que a coisa era diferente; e eu deixei sempre bastante claro que eu estou aqui porque sim! Não estava segurando bandeira de ninguém, estava simplesmente fazendo parte de um trabalho que eu acreditei, que eu achei uma delícia de fazer e vim me divertir também. Eu deixei isso bastante claro. Muito tempo depois, ao encontrar o Renato, que sempre foi muito querido comigo, eu perguntei: “Você ficou chateado com alguma coisa?” E ele disse: “Que bobagem!” E eu falei; “Acho bom. Se não, quem brigava com você seria eu!” Portanto, repito: nunca me passou pela cabeça sofrer alguma retaliação, por ter trabalhado em Atrapalhando a Suate.

Mas nos bastidores ficou explicitado isto: vamos fazer um filme melhor do que o dele...?
Não, não.

Vamos estrear nosso filme primeiro do que o dele. Não tinha isso?
Não, não teve muito essa conversa. Mas ficou claro para quem estava em volta que havia uma necessidade particular de um provar para o outro que: “Veja como eu também sou capaz.” Isso todo mundo percebeu. Acho que isso aconteceu com os quatro. É uma coisa boba, mas que acontece com todos os grupos. É tão comum isso, né?

Principalmente na música.
Não sei, eu acho que em todos os campos... são muitos anos juntos, muitos anos fazendo às vezes coisas que você não adora ou querendo que seja mais do seu jeito do que o outro. Tem uma hora que dá uma encrenca qualquer. Mas isso é muito bom porque sacode, levanta a poeira e depois dá a volta por cima.

E quais são as suas principais recordações de Atrapalhando a Suate?
Tá bom. Tem uma coisa complicada que aconteceu. Eu até pensei que o Dedé fosse me bater. Porque na minha ingenuidade eu podia ter me machucado muito. Havia uma cena em que eu estaria pendurada em um helicóptero. Eu era a policial, e esse helicóptero sai. Eu estou pendurada e caio no mar. Essa queda deveria ter sido feita por uma dublê, que nunca apareceu. E o Dedé estava ruim da coluna, ele estava de muleta nesse dia. Ele foi no set de filmagem e deu as ordens e disse: “Eu não tenho condições de ficar aqui.” E estava o Vitor Losada...

Vitor Lustosa.
Isso. Vitor Lustosa, o assistente. Mas a dublê nunca chegou. E eu disse: “Ah, gente eu faço isso, que bobagem!” E era um lugar meio mangue. Eu podia ter batido em uma pedra, caído em cima de uma estaca, eu podia ter me machucado. Eu afundei na lama até a cintura. Para sair, foi difícil. Mas eu fiz! Muito bem, não se cancelou a filmagem; fiz de boa vontade. Isso foi de manhã. À noite, tocou o interfone na minha casa. Era o Dedé Santana. Nossa! O Dedé na minha casa! Ele soube o que eu tinha feito e só faltou matar toda a equipe. E ele veio na minha casa. Eu não sei se ele foi ver a filmagem do dia, não sei exatamente dos detalhes... mas, quando soube o que tinha acontecido sem a menor precaução, sem proteção nenhuma, sem ninguém ter vistoriado o local onde eu ia me jogar de um helicóptero a vinte metros de altura...

Você fez tudo no escuro?
Absolutamente no escuro. E o Dedé ele ficou louco e possesso e veio à minha casa. Ele entrou dando uma bronca, dizendo que eu era maluca. Ele estava de muletas, cheio de dor. No final, ele me abraçou, chorando. Ele disse: “Se tivesse acontecido alguma coisa com você, eu nunca me perdoaria.” Porque ele não estava na filmagem. Se ele estivesse lá, ele não teria permitido, é claro... ou teria sido diferente. Ele ficou louco, ficou louco. Ele não aguentou, ele foi em casa para me dar uma bronca e dizer que nunca mais na minha vida eu desobedecesse um dublê que tinha escola para isso, que eu não poderia me arriscar de jeito nenhum, ele queria matar... Ele queria mandar a equipe embora. Ele ficou realmente muito nervoso, muito aflito. Deu-me uma bronca. Depois, deu-me um abraço, chorou, deu-me um beijo e foi embora.

Você citou a repercussão dos Saltimbancos na época do lançamento. Conte, agora, como foi o lançamento, como foi a repercussão de Atrapalhando a Suate.
Teve muita divulgação. Ali, eu já era um pouquinho mais conhecida também, teve muita matéria. Acho que teve uma tentativa de especulação também, diante da discussão entre eles e tal. Mas eu jamais entrei no mérito da briga entre eles. Eu falava do meu trabalho, da música que eu fui gravar e que foi um sucesso na época. Eu fiquei só nesse aspecto do meu lado profissional no filme. Jamais entrei na discussão. A divulgação foi muito boa, o cartaz era lindo, lindo. Acho que o filme foi muito bem, mas não sei maiores detalhes para lhe contar.

E por que, depois de um tempo, não teve mais filmes com eles?
Porque eles mudavam de mocinha! Eu acho que o grande barato também era sempre ter uma nova mocinha, alguém por quem o Didi se apaixonava. Mas ele nunca ficava com a mocinha. Era o eterno vagabundo, bastante chapliniano, toda aquela filosofia chapliniana que ele tinha na cabeça dele e tem até hoje. Ele sempre ficava humildemente sozinho, né?

Eu entrevistei a Monique Lafond. Nos anos 1970, ela participou de quatro filmes dos Trapalhões. Quando a convidaram para participar da quinta fita, ela não aceitou, com medo de se tornar uma trapalhona. Você também teve esse medo de virar uma trapalhona?
Não, não, acho que não. Bem, ela deve ter tido os motivos dela. Mas não, não sei falar sobre isso. Não aconteceu, não aconteceu!

Eu queria que você definisse o cinema dos Trapalhões. Você trabalhou em dois filmes, deve ter assistido outros... Como você classifica, como você define o cinema que eles fizeram por tanto tempo?
É muito difícil fazer cinema no Brasil. De algum tempo para cá, o cinema voltou a ter bastante respeitabilidade, não só nacional como internacional. Os Trapalhões são um marco no cinema nacional, porque, a despeito de qualquer adversidade, eles se mantiveram fazendo seus filmes para um público que não tinha filme para assistir, que são as crianças. Como se mantiveram em cena durante muitos anos, eles conseguiram ultrapassar gerações. Então, o pai daquela criança já tinha sido fã dos Trapalhões. O pai levava o filho e por aí foi. Eu acho que eles são um marco no cinema nacional; não é à toa que, agora, têm essas coleções de DVDs que você compra. Eu tenho todos os filmes dos Trapalhões, não só porque eu fiz parte disso em algum momento inesquecível da minha vida... mas porque eles fizeram parte da vida dos meus filhos. Imagina só para os meus filhos: a mãe deles estava filmando com Os Trapalhões. Isso foi muito sério, foi muito importante dentro da minha casa! O Renato ia à minha casa, o Dedé ia à minha casa, o Mussum dava cascudos na cabeça dos meus filhos e dizia: “Eu vou dar tapa no pé da orelha.” Toda aquela coisa de brincar. Quando meus filhos viram o Zacarias sem a peruca não acreditaram. Os meus filhos os viram de perto. Eu levei meus filhos, quando a gente filmou no circo. Os meus filhos puderam ver a gente filmando. Imagina eles contando isso para todos os amigos deles e tal. Então, hoje, os meus netos sabem perfeitamente quem são Os Trapalhões e assistem os filmes dos Trapalhões, porque eu comprei todos os DVDs. Olha quanta coisa... só dentro da minha família são três gerações. Três gerações curtindo Os Trapalhões. Os Trapalhões são um marco no cinema brasileiro, sem sombra de dúvida. Fizeram filmes dirigidos a um público infantil, mas que comoveu e emociona todos os adultos que sempre estiveram na frente das suas telas. Trabalhar para criança é muito sério, é muito grave, é muito forte! A criança é sincera. A criança, quando não se interessa pelo está assistindo, levanta e vai brincar. Ela não fica presa. Os Trapalhões tiveram o dom de segurar as crianças... A criança é muito sincera: ou ela gosta ou não gosta, ela quer ou não quer. Você leva uma criança ao teatro, se o teatro no palco não cativar a criança nos primeiros quinze minutos, não vai segurar. É uma responsabilidade trabalhar para a criança, mexer com a criança; e você passa a fazer parte da memória afetiva daquele ser humano. Eu vivo isso na minha vida à custa dos Trapalhões. Eu fiz também muita peça infantil no Rio de Janeiro. E eu me flagro emocionada no estacionamento de shopping, dentro de farmácia, de supermercado... porque tem pessoas da faixa de idade dos meus filhos que dizem coisas lindas para mim. Eu faço parte da memória afetiva desses seres humanos, desde que eram crianças. Que bom! Olha que responsabilidade! E se eles tivessem uma péssima lembrança a meu respeito? Eu seria detestada por algum motivo, por alguma coisa que eu fiz que não entrou no coração de uma criança. Então, você se dirigir a uma criança é uma responsabilidade muito grande. Não tenha dúvida disso, é muito sério; e a resposta é imediata!