quarta-feira, 5 de agosto de 2009

João Batista de Andrade

Além de sua produção cinematográfica e literária, atuou sempre em diversas frentes do cinema e da cultura brasileira, tendo sido por duas vezes presidente da Associação de Cineastas de São Paulo, presidente da Cinemateca Brasileira, conselheiro do Museu da Imagem e do Som (SP) e coordenador geral da primeira e terceira edições (1999 e 2001) do Fica (Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental), que acontece em Goiás. Atualmente preside duas entidades não-governamentais de cinema e meio ambiente: Icumam (Instituto de Cultura e Meio Ambiente, em Goiás) e Cinemar (Instituto do Homem, Audiovisual e Meio Ambiente, em São Paulo).

João Batista de Andrade é diretor do curta "Portinari, Um Pintor de Brodowsky" (1968).

Qual é o grande barato de fazer um curta-metragem?
Vou fazer uma piada: é porque acaba logo, acaba rápido.

O curta tem uma história importante no Brasil e de várias maneiras, uma delas é evidente: de informação. Os cineastas começaram com curtas-metragens, com narrativas menores, e custo menor também, muitas vezes dá para fazer, com participação de profissionais que sempre ajuda, empresas, equipamentos, câmeras, é uma espécie de porta de entrada. Por outro lado é uma forma de expressão como é o conto na literatura, quer dizer o que dá o sentido de qualidade para uma obra não é o tamanho dela, às vezes até você tem um momento no cinema brasileiro em que os curtas eram muito melhores que o longa metragem, então não tem nada a ver com qualidade. E o curta possibilita um numero muito maior para os cineastas para fazerem, até porque como ele tem um custo menor, você às vezes tem mais liberdade de fazer, e muitas pessoas que não conseguem, ou que teriam muito mais dificuldade de chegar ao mercado, podem realizar um desses filmes, até encontrar sua brecha de entrar no mercado, porque o mercado está limitado, chega uma hora que você tem um certo número de filmes possíveis e não adianta fazer mais que você não tem como colocar, então vai virando um pouco aquela irracionalidade do sistema de produção, o produto vai acumulando e vai ficando aquela reserva e a produção começa a cair, cair, cair até ficar faltando.

Você disse no começo que o curta é a porta de entrada para os cineastas e geralmente o cineasta começa com o curta, daí obtêm um sucesso vai para o longa e nunca mais faz um curta, ele é marginalizado no próprio meio do cinema?
Eu acho que sim, eu acho que até porque agente não conseguiu criar um espaço próprio para o curta-metragem, o espaço do curta-metragem no Brasil hoje é Festival, então felizmente existe uma quantidade imensa de Festivais no Brasil, mais de 100 Festivais no Brasil, então o curta-metragem pode ficar circulando aí o ano inteiro, quando lança de Festival em Festival... sempre tem seleção, então nem sempre o curta consegue passar na seleção oficial, às vezes passa numa mostra. Nós, nos anos 70, tentamos... eu participei dessa luta e briguei muito por ela, para que houvesse um espaço nas programações de cinema, nós fizemos a ‘Lei do Curta’ nos anos 70, mas aquilo desencadeou. A lei 70 para quem não lembra é a obrigatoriedade exibir um curta primeiro, junto de todo filme longa estrangeiro, e realmente era maravilhoso, esse público que está acostumado com a linguagem do cinema americano de repente poder ver do lado um filme com uma linguagem brasileira, com uma temática brasileira. O que aconteceu foi que de um lado, houve um aproveitamento da própria lei por parte de muita picaretagem e dos próprios exibidores, já que tinha que fazer, eles conseguiam um patrocínio lá e faziam umas porcarias lá para poder exibir, cumprir a lei no cinema, e isso gerando uma desmoralização muito grande que também era em parte estratégia dos próprios exibidores e distribuidores americanos, porque eles entraram com uma guerrilha de ações judiciais contra a lei. Eu chamo de guerrilha porque derrubava uma, entrava outra ação, então não parava, a ‘Lei do Curta’ estava permanentemente sob judicie, então não funcionava aquilo, e além de tudo como estava invadido pela picaretagem, o público começava a vaiar, e acabou criando uma coisa negativa par o curta-metragem.

Aquilo que nós queríamos que fosse uma voz fantástica, seria uma voz fantástica, exigiria portanto uma nova regulamentação, um controle dos filmes, acabou virando uma coisa negativa para a população. Então, caindo a lei, aliás eu quero lembrar uma coisa, o cinema americano é tão violento o seu mercado, que na época ameaçou o Brasil de cortar corredores de exportação de laranja, aço, café, e foi descobrindo que até no acordo de exportação existia itens que diziam ao governo brasileiro, obrigava a não criar nenhum empecilho para o cinema americano no mercado, mas eles impunham muito o cinema, eles sabem que o cinema carrega ideologia e transmite a sociedade de consumo americana e tal, então eles levam muito a sério isso e jogavam pesado, tanto é que ai virou uma brincadeira do governo que dizia o seguinte: de ficar com a lei de curta e perder o corredor de exportação do aço por exemplo.

Então o governo sabia, não tinha diálogo, aquilo foi sendo jogado no bueiro. E aí ficamos sem esse passo, na televisão, exemplos raros de TVs mais educativas, e no Sul tem uma experiência a NDS que é positiva para curta-metragem, mas se você for somar essas pequenas coisas de curta metragem na televisão é quase zero, então na verdade o curta não tem mercado, o mercado são os festivais. Isso é claro que cria um problema, você não pode viver disso, daí cria também um desnível de importância, você faz um longa-metragem e vai para o mercado, então você tem a avaliação crítica, tem a programação no jornal, outro nível. Então nem sempre os próprios cineastas aceitam muito, quando conseguem passar do curta para o longa não quero voltar, eu acho uma bobagem.

Eu pessoalmente, isso é para deixar para você registrado, eu nunca fui pessoalmente muito adepto, eu batalhei pelo curta, defendi, participei da luta, agora pessoalmente nunca gostei muito de fazer, eu tenho um curta-metragem que é 1968, é o único filme que existe sobre Portinari, único documentário sobre Portinari, e acabou de ser usado na Itália uma imagem, interpõe meus filmes sempre foram 16mm e atualmente é digital, sem tempo indeterminado, eu começo um filme e o tempo que der é aquele lá, a não ser na época da televisão que eu era obrigado a cortar o filme dentro do tempo do ‘Globo Repórter’, ou o tempo de noticia ‘TV Cultura’, mas aí é um tempo livre, na Cultura como nós éramos do noticiário, eu entrava com um pequeno documentário todo dia, e ai 5 minutos, 7 minutos, 3, que era o que desse ali. No ‘Globo Repórter’ não, mas eram maiores, ‘Globo Repórter’ é um programa bem maior, tinha 38 minutos, 40 minutos de filme. Nunca me interessei pessoalmente, sempre achei importante, sempre gostei, mas não era muito meu gosto.

Essa não predileção pelo curta se deve talvez pelo poder de síntese de contar uma história em tão pouco tempo de metragem, e o senhor ser um pouco mais prolixo para poder fazer um filme?
Talvez, eu acho que eu não me sinto muito livre com as cenas de muita ação ali, na verdade, depois, eu não sei porque, mas eu fiquei sempre com a sensação do curta de um certo formalismo, para você se enquadrar em um curta, e depois os curtas eram 35mm sempre foi 35mm, a idéia do curta, da ‘Lei do Curta’ para passar em cinema naquele tempo era 35mm, e eu não gostava muito de 35mm, eu tenho isso de documentarista até para o longa-metragem, então eu fui mais para o 16mm e ficava no 16mm, nos primeiros anos, anos 60, anos 70 principalmente, a circulação do 16mm era muito grande, qualquer escola tinha o aparelho de 16mm, qualquer sindicato, igreja, clubes, todos tinham o aparelho de 16mm, então os filmes que eu fazia em 16 circulavam demais, eram até campeões de saída, greves, migrantes, os filmes de cinema de rua, e também eram curtas, mas saíam com 16mm e circulavam com 16mm, e depois também a cópia dos filmes que eu fiz para televisão, então a circulação era impressionante em 16mm.

Fale do seu curta, o único curta da carreira?
O Portinari, esse filme foi produzido até pelo INC, ‘Instituto Nacional de Cinema’, na época não foi nem produzido por mim, foi produzido pelo Jorge Wonan, Jorge Teixeira, eram produtores, e eles me convidaram para, eu tinha esse projeto aliás, e eu queria fazer, e comecei a procurar como produzir esse filme, aí eu pensava em fazer 35mm, eu apresentei o projeto para eles e eles entraram lá no INC e conseguiram o dinheiro para fazer o filme, e eu realizei. É um filme chamado “Portinari, o pintor de Brodósqui” eu filmei muito na cidade de Brodósqui, tem reconstituições dos quadros, futebolzinho, que ele se inspirou para fazer a tela do futebol, papagaio e tal, Brodósqui, e depois as telas dele em São Paulo, Rio, então é um filme muito interessante, é um filme muito de idéias, de análise, e muito da época, muito marcado pela época de 68 e tal, achei engraçado, porque até na abertura tinha som de metralhadora, e essa visão muito politizada do Portinari acabou fazendo com que o instituto tenha encostado o filme, primeiro eles queriam que eu mudasse o filme, eu não quis mudar, eles receberam o filme encostaram, nunca exibiram o filme. Então o filme foi absolutamente encostado, o filme só foi apresentado na verdade em um festival em Brasília há uns 10 anos atrás, fechamos em 1968, muitos anos depois da produção e era uma mostra de filmes de arte, e é engraçado porque tinha um prêmio de público, a votação do público para cinco filmes, tinha lá uma quantidade grande de filmes e o Portinari foi escolhido como um dos 5 melhores filmes. E também não continuou, não circulou, ficou nisso, aí o pessoal da Itália, tinha umas pessoas que queriam fazer algo ligado a pintura, artes plásticas queriam fazer uma homenagem a Portinari lá, e eles descobriram pela internet, a estética desse filme que eu nem lembrava mais, e eles me localizaram e pediram informação sobre filme e eu tive que procurar esse filme para dar informação, e acabei achando no CPAV, porque veio do INC para a Embrafilme, foi passando de entidade para entidade, até cair no CPAV, ai o CPAV inclusive me deu uma cópia digital e mandou para lá e passou a Itália, agora o ano passado, ai saiu noticia, jornal tal, o pessoal de Brodósqui ficou sabendo,a i o filme foi exibido em Brodósqui em praça pública e foi muito bonito, porque o publico de lá, as pessoas de lá viram e se reconheciam, quantos anos depois.

O ano passado, o filme é de 1968, é 40, 38 anos depois, tinha garotos naquela época, tinham uns 10 anos, que estavam por exemplo na praça, no futebolzinho que eu filmei de criança, e que estavam com 46, 50 anos. Foi fantástico, realmente uma repercussão maravilhosa, mas que também ficou lá, a gente viu lá e acabou o filme, então você vê que é difícil, mas não sei se essa experiência também me marcou, eu sempre tive um espírito muito militante no cinema e queria ter um filme num processo mais agressivo de distribuição, de levar aos lugares, não limitando no conteúdo do cinema, tanto que meus filmes são muito críticos, mas no sentido da carreira, de ser cineasta, e aquela produção, aquilo me prendeu, fiquei preso a uma estrutura, a um produtor, um INC, se estivesse comigo eu teria brigado com o INC, teria exibido o filme na rua, ou cineclube, teria colocado o filme para distribuir, teria mais liberdade, talvez isso tenha ajudado a criar uma pequena rejeição, eu tinha feito o filme anterior, ‘Liberdade de Imprensa’, em 16mm, meu primeiro filme sozinho depois do meu grupo é de 1963, mas acabou com o golpe de estado e em 1966 eu fiz meu primeiro filme sozinho que é o ‘Liberdade de Imprensa’, e fiquei com o 16mm com muita liberdade, muita invenção, um filme bastante saudado pelos historiadores, mas também foi apreendido logo em seguida, mas pelo exército, fica a diferença no cérebro não são muito gratificantes, mas de qualquer maneira eu achava melhor aquilo, único problemas era como estava apreendido eu não ia poder ficar exibindo o filme sem criar problema, aquela época era uma época muito pesada, mas o fato é que a partir daí a minha preferência foi pelo 16mm.

Você estava falando de distribuição, hoje você tem o Youtube! que você pode fazer um curta pelo celular, pela máquina fotográfica também grava vídeo, câmeras digitais também se proliferam e tem uma grande quantidade de curtas no, que de certa forma, você coloca no computador e distribui para o mundo todo e que as pessoas podem assistir, você acha que tem uma avalanche de curtas, nesse sentido, você acha que é uma revolução o que está acontecendo, que é bem diferente do que aconteceu, nas dificuldades que você encontrou naquela época?
Bom, eu sou uma pessoa bem adepta dos avanços tecnológicos, aliás eu posso dizer até que eu sou meio pioneiro disso, porque como eu sou veterano eu filmei em digital, fiz um filme em digital há muitos anos, eu ganhei prêmio com o longa digital que eu fiz em 2001, que é o ‘Vida de Artista’, e todo mundo achava que eu ia passar para o 35mm, e eu disse na época que eu não ia passar, que eu achava um absurdo, nós estamos em um mundo digital e é um absurdo, é retroativo você estar no cinema digital e passar para a mecânica de novo, mesma coisa que você usar o computador e chegar uma fórmula, e você pegar aquilo e jogar numa maquininha de calcular, para checar o computador, é uma coisa pirada, eu achava um absurdo e achava o sistema de exibição que estava atrasado, o que tinha era que já ter um processo de exibição digital. Então eu não aceito isso, o filme ficou circulando em DVD, gerou muita polemica, o cineasta é muito tradicional, muito cheio de preconceito, então quando o cinema era mudo e passou para sonoro, ah acabou o cinema, quando passou para cor, ah acabou o cinema, o cinema era branco e preto, ai quando veio a televisão, ah acabou o cinema, é tudo cinema para mim, mesmo televisão, tudo vem do cinema, então quem vem do cinema e foi para a televisão continua fazendo cinema, fica criando imagem, colocando imagem na tela, quando apareceu ‘Vida...’, ah ‘Vida’ não é cinema, é uma câmera filma até uns quaro segundos, é um quadro, uma forma de enquadrar a realidade, de editar, criar tempos, é o próprio cinema, é o avanço tecnológico, quando veio o digital então, ah teve gente, famosos e tal, destrói a conquista pictórica do cinema, isso é pictórico de papel Kodak, nós somos obrigados a ter padrão Kodak a vida inteira, a tecnologia muda, muda o padrão também, dá até para olhar esse padrão Kodak e achar aquilo antigo como a gente acha da fotografia branca e preta antiga, a gente olha a fotografia branca e preta em algum lugar e vê aquele ar antigo, é isso que a gente vai sentir também com esse padrão Kodak, a questão de qualidade é uma coisa mais complexa, não tem esse conservadorismo, quem mantém esse conservadorismo é o sistema de poder, quem tem poder sobre isso não quer perder, sendo cineasta que tem o linho naquilo, então não quer perder, seja a indústria que domina tudo e não quer perder para outra tecnologia, então vocês criam uma mente horrorosa, agora que problemas que tem?

Não é para as pessoas, só dele viver com isso, Deus me livre ter uma visão totalmente elite, se o cara é dentista e gosta de cinema e faz filmes, nas horas vagas exibe, o cara perde para ele, a profissão dele é dentista, o cara vai fazer cinema e as vezes se sai muito bem, não tem domínio, não tem reserva de mercado, ah porque eu sou cineasta e agora eu acho que a pessoa tem que ser cineasta com a minha formação para poder fazer filme, você obtém equipamento em qualquer banca de rua hoje, se o cara compra tem todo o direito de pegar aquele equipamento e fazer o que ele quiser, filmar do jeito que ele quiser, montar ou não montar, isso é problema dele. Então, eu acho que hoje a questão do cinema, é um pouco como cada um encara aquilo ali, você encara como profissão então você vai batalhar profissionalmente e vai viver daquilo, então você vai se enturmar, vai buscar aquilo, vai trabalhar, buscar patrocínio em indústria, empresa, montar, captar recursos, procurar mercado, formas de exibir, ta certo, o problema é só isso, qual a diferença? Sempre foi assim, agora é um absurdo não abraçar as conquistas, as novidades que tem nessa área, acho que no fundo é essas coisas, se a pessoa faz um filme num curta e dá sucesso, pode acontecer o que for com ele, ele pode fazer a partir daquilo trazer uma carreira, e essa carreira pode ser continuar fazendo curtas agora com um pessoal que me siga, para o curta, pode fazer o longa-metragem dele, pode fazer o que quiser , pode continuar como dentista e fazer nas horas vagas belos filmes dele no Youtube! fazendo sucesso no e continue sendo dentista e vivendo daquilo lá, eu acho que é o cronometro de cada um, porque as coisas estão colocadas cada um que escolhe o que quiser.

Para os fãs de curtas, o pessoal que gosta de assistir curtas, você tem esperança de um dia voltar a fazer um novo curta, como que acontece, só vai ficar com o longa ou pode ser que mais para frente tenha uma idéia de um curta?
Olha, vou frustrar as pessoas, mas eu não tenho projeto de um curta-metragem agora, eu tenho vários projetos, tem vários documentários, a idéia é ser longas, embora que tenha a literatura, na literatura tenho muitos contos, não publico, mas escrevo muitos contos, vou publicar uma hora, mas o cinema eu pessoalmente não tenho muita vontade, eu gosto muito de ver os filmes, acho importante e gosto, tem muitos curtas que eu gosto demais, é vocação pessoal.