Neste ano Mauricio de Sousa comemora 50 anos de carreira. É um dos artistas mais celebrados do país.
Eu fico imaginando que para criar a ‘Turma da Mônica’, você saiu do plano das idéias, da criação, pôs no papel, foi uma sensação, um momento diferente de ver um personagem ali desenhado. E daí quando está esse personagem desenhado, é uma tira, é uma história em quadrinhos, gibi, e livros, qual que foi sua sensação de ver esse desenho sair do papel, ganhando vida, com voz e movimento?
Acho que a expressão é ganhar vida mesmo, é como o personagem que tivesse deitadinho no papel, em 2D, em seguida ele se descolasse, ficasse de pé, se movendo, falando e pedindo logicamente, o entorno dele, o entorno seria os outros personagens também se movimentando, os cenários, aquela história, música, ambiente, outro ambiente, outro mundo, outro universo. E pedindo, logicamente, vôos muito mais ousados da criatividade, se nos quadrinhos tudo é possível, na animação, o impossível é possível. Eu acho que é uma coisa mágica, é um momento mágico, e sempre, desde que eu comecei a desenhar, eu sou louco por animação. E também, desde que eu comecei a desenhar eu sabia que era muito difícil fazer animação no Brasil, e quem dera foi difícil, sempre foi difícil, e será, é uma concorrência, e animação é cara, é um produto caro, hoje principalmente, aparelhos sofisticados, softwares complexos, o pessoal também muito bem preparado, principalmente na parte de computação gráfica hoje, então, a animação foi o personagem ganhar vida e ele exigir todo o entorno necessário para a animação.
Quando você desenha, pode ser que você já imagine a voz, os jeitos, os trejeitos dos personagens, daí quando ele vai para a animação qual foi o trabalho mais difícil para caracterizar uma voz, um estilo de corrida, de andar, de se mexer, esse é o processo mais trabalhoso talvez?
Não sei se eu já contei para você isso, você ver uma pessoa que vem falar com você, e você imagina que essa pessoa tem um timbre, um tipo de voz e, de repente, aquele gordão grandão fala com voz fininha perto de você, bom não é bem assim, não combina, e o contrário também. No desenho animado eu esbarrei com isso, eu imaginava mais ou menos a voz dos personagens, bem logicamente, eu teria que ir atrás das vozes existentes, os artistas, os dubladores que já são profissionais e eu fui buscar as vozes mais próximas das vozes que eu sonhava, e essa busca confirma até hoje, quando eu vou escolher as vozes para os personagens em outros países, quando nós entramos em outros países vamos fazer a dublagem, na Itália, na Coréia, na Espanha, no Reino Unido, as vezes o pessoal até escolhe umas vozes que não combinam, por exemplo, a voz da Mônica tem que ser firme, forte, na Argentina puseram uma menina que falava assim bem suavezinho, não combinava, aí a gente mandou trocar, daí na Itália escolheram vozes ótimas para todos os personagens, tão boas que podem servir de referência em muitos outros países também. Então há essa preocupação da voz combinar com o desenho, e às vezes, já que é desenho animado, já que é uma coisa que deve surpreender, fazer uma voz que não combine com o personagem, principalmente em personagem secundário, daí a surpresa.
Você falou em voz, falou também em trejeito, menino anda de um jeito, menina anda de outro jeito, adulto se movimenta de outra maneira, então realmente a expressão corporal ela é muito bem estudada em nossos filmes, e nem sempre estou satisfeito com o que nós estamos fazendo. É um processo dinâmico que vive sendo consertado, arrumado, reciclado e aperfeiçoado, mas sobre a história em quadrinho, onde eu sempre peço para os desenhistas, antes eu desenhava sozinho, hoje eu tenho uma equipe. Eu peço para eles levarem em consideração a expressão corporal necessária para emoção imprimida naquele momento, isso tem que estar visível com o corpo que eu estou falando, vivendo, vivenciando a sua frente, isso vale para o desenho animado também, aonde é muito mais importante.
Eu vivo dizendo para o meu pessoal que eles devem se basear, mesmo em quadrinhos e depois na animação, nas grandes emissões de desenhos indianos do cinema mudo. O cinema mudo nos ensinou trejeitos, expressões, movimentação, ensinou o artista a falar com o público. Um dos modelos que eu peço para o pessoal estudar aqui com as histórias em quadrinhos, é o “Gordo e o Magro”. Todos os filmes do “Gordo e o Magro” são ótimas lições de mímicas, expressões corporais, e até de layout, repare nos filmes do “Gordo e o Magro”, há poucos cortes, pouquíssimas vezes, o programa americano, geralmente é o cenário e eles todos na cena com o ambiente em volta. Isso dá exata compreensão do que eles estão vivendo, do que eles estão fazendo e onde estão. É isso que eu quero na minha história em quadrinhos, e é isso que está na minha história em quadrinhos na medida do possível. Essas emissões de antigos aristas de quadrinhos, de cinema, de comédia, música, e tudo mais, estão todos aqui para o pessoal ir buscar e repetir, não tem importância nenhuma repetir coisas boas, repetir nos nossos filmes, e mesmo na história em quadrinhos.
A história em quadrinhos é quase um history board, porque o cineasta desenha faz e tudo mais. É até um parente, o curta-metragem é um parente da crônica, history board é um parente do quadrinho. E daí agora para contar uma história, um longa-metragem e um desenho animado, o que vale apena falar mais? Porque o longa-metragem dá para desenvolver uma história mais longa e o desenho animado seria uma história mais curta, que seria o curta-metragem.
Eu gosto de fazer desenho curto, tanto que eu estou planejando um para televisão com 7 minutos, eu acho que 7 minutos dá para você contar uma bela história e não cansa ninguém. Você pega um bom filme, uma boa história e você vai usando, e na hora de fazer o longa você tem que usar o recurso que você possa ver que é bem usado por causa de verba.
Tem que ter a escada, tem que ter personagem que dá a chance ao outro aparecer mais, o outro de falar outra coisa, situações cômicas, ousadas, afetuosas. Então eu acho que dá para escrever muito bem, sintetizar uma história, de preferência bem ágil, uma aventura, e com um tema gostoso e muito humor que é o nosso caso, em 7 minutos. Se quer esticar a história? Um tema que... aonde você possa enredar os diversos personagens em situações diversificadas.. e você tem uma linha mestra, um fio condutor, onde as coisas andam sem sair desse fio, e você faz uma boa história, mas acho que conseguimos isso no filme da turma da Mônica “Caminho no Túnel do Tempo” quando há uma linha, eles vão buscar alguma coisa no tempo, e cada um vai para um lado, e tem uma ligação entre todos eles o tempo todo. Temos que fazer essa ginástica sempre, eu acho teria que para se fazer um longa-metragem, os condimentos, o molho, o tempero necessário para ter aquela Abelhinha que os americanos usam para você ter o início, o problema, a perseguição, o caso de usar também a solução, o final feliz, com alegria, existe várias formas, sempre com muita criatividade, e de preferência, usar os personagens todos, que podem se transformar.
O senhor não tem muita dificuldade de fazer um roteiro, nem longo nem curto, porque tem um poder de síntese, você trabalha com o poder de síntese, porque na tirinha tem três quadros em média, que tem que contar uma história do começo, meio e fim rápido, na tirinha de jornal, ou no final do gibi. No gibi a história um pouco mais longa, que seria o curta, e quando é aquele gibisão é uma história mais longa, então não tem tanta dificuldade de trabalhar tanto com o raciocínio rápido, com uma histórias rápidas, quanto para uma história longa, não é?
Não, não é não, mas de qualquer maneira tem que me identificar como desenhista de tira de jornal, eu faço tudo mais, mas eu sou um desenhista de tira de jornal, porque eu fiquei muitos anos só fazendo isso e adorei, gostei. A tira de jornal para mim é como se fosse, quando termino de fazer a tira, de desenhar e escrever a tira, é como se eu tivesse terminado de fazer uma palavra cruzada, um joguinho de sudoku, alguma coisa assim que você dá um esforço, você chega ao fim e tem a gratificação de olhar e terminei, gostei, saiu legal, saiu gostoso. A tira para mim é isso, é uma satisfação pessoal,e alma, não só porque eu criei, mas porque saiu bem feito, saiu com uma técnica boa, com humor, no nosso caso e tudo mais. Então para mim, é fácil fazer síntese, mas também dá para escrever bem, eu já tenho 3 filmes, não canso de explicar, você tem que manter ritmo, se você não tiver ritmo é a mesma coisa.
Nos desenhos animados, Simpsons, que tem uma fama internacional, os desenhos americanos que chegam aqui, o público brasileiro gosta. Por que a indústria de desenho animado, agora com o Ziraldo e o senhor que está agora começando, ainda não engrenou de vez. Qual é a dificuldade, você acha que o público brasileiro ainda tem essa mente colonizada de apreciar o que vem de fora, mesmo que seja familiarizado com as histórias aqui nacionais?
Não, o público não tem culpa disso, o sistema econômico, mundiais tem culpa disso. E também nem televisões, nem a TV Globo, ninguém tem culpa, a culpa é do custo. Desenho animado é caro e chega aqui material estrangeiro depois, e chega baratinho, já atravessou o mundo, já se pagou 2, 3 vezes, pode ser dado, de qualquer maneira, pode ser exibido gratuitamente pelas nossas televisões. Eu não forneço gratuitamente porque tem os representantes aqui e os representantes precisam ganhar algum dinheiro, tem que ganhar alguma coisa, então tem um custo. Esse custo é pago pelo baixo preço que tem esse material, conseqüentemente é muito difícil concorrer com esse material. Temos que ao invés de ficar dando murro em ponta de faca, criar condições de fazer a mesma coisa. Fazer desenho animado, não dá para distribuir, vamos dizer que esses desenhos que não dá para distribuir, vamos de pouco em pouco, e agente consegue custear a produção, e é esse o nosso projeto atual. Nós estamos abrindo o mercado promocional para podermos realizar desenhos animados e levar para todo o Brasil, não adianta, eu vou ter que produzir e vender barato, para que renda também.
Eu fiz isso com o jornal e funcionou, eu fiz isso com tira de gibi e funcionou, e hoje temos a liderança de histórias em quadrinhos brasileira e não era assim, a anos atrás. Está faltando agora, não sei, talvez agente não chegue uma liderança, mas se fizer mais um pouquinho está bom.
O senhor vai continuar fazendo filmes e qual tua pretensão na área de cinema em relação à ‘Turma da Mônica’?
Nós vamos continuar, nesse momento discutimos já um contrato novo com a Dagostini do Rio de Janeiro, espero que agente chegue a um acordo, para continuar fazendo, mas agora o desejo é para a televisão, nós fazemos filmes também, longa-metragem, e já estamos iniciando os preparativos para a produção do Horácio, um filme em relação ao Horácio, totalmente em computação gráfica, com a empresa digital 21, aqui de São Paulo. Então o filme vem aí, desenho animado de televisão, e muito material para a norma no portal da internet, que nós estamos planejando, até mesmo com filmes de Rush, já que é o último nós queremos aumentar.