domingo, 1 de janeiro de 2017

Os Trapalhões: Renato Aragão


UMA CONVERSA FRANCA SOBRE BASTIDORES DE CINEMA E TV COM O LÍDER DOS TRAPALHÕES E CAMPEÃO DE AUDIÊNCIA, QUE CRITICA O GOVERNO, QUER CONQUISTAR A ITÁLIA, MAS FOGE DAS CRIANÇAS NA RUA.

Um jovem e bem-comportado advogado, funcionário do Banco do Nordeste em Fortaleza, tornou-se de repente uma inesperada atração na cidade. Transformado no cômico de maior sucesso da televisão local, não tinha mais tranquilidade para sair às ruas, pois logo uma multidão de curiosos começava a persegui-lo. Antônio Renato Aragão tinha fama, mas não tinha carro. A solução foi comprar uma lambreta. Então, quando a multidão começava a se aproximar, ele desaparecia em velocidade. Não se sabe se Renato – ou melhor, Didi Mocó, personagem em que o advogado começou a se transformar em Fortaleza e que há vinte anos diverte os brasileiros com suas trapalhadas – adquiriu aí o gosto de fugir de situações mais difíceis, em seus filmes, utilizando veículos inesperados, como uma asa-delta ou um gigantesco tênis motorizado.

Agora, junto com seus três companheiros trapalhões, Renato/Didi prepara-se para um voo mais arrojado: fazer seu primeiro filme em coprodução internacional, para lançamento no mercado europeu.  O líder dos Trapalhões está tenso, inquieto, com medo mesmo. Por um lado, considera que um mau lançamento poderia queimar definitivamente suas chances de vir a ser reconhecido no exterior. Por outro, teme que o sucesso em escala maior o prive de vez do sossego reservado às pessoas anônimas e hoje só encontrado quando se refugia em hotéis exclusivos de turistas estrangeiros. Lambreta não resolve mais.

Ao contrário do inconsequente Didi, que adora arranjar encrenca, Renato é um exemplo de prudência. Quando em 1963 trocou Fortaleza pelo Rio de Janeiro, onde pretendia ficar apenas o tempo suficiente para se aprimorar como humorista e voltar ao Ceará, não abandonou o cargo que ocupava no banco, transferindo-se para uma agência carioca. Logo o sucesso como artista tornou inconciliáveis as duas posições. Mesmo aí, limitou-se a pedir uma longa licença no emprego, renovada ainda uma vez, até chegar o dia em que não havia mais dúvidas quanto aos rumos de sua vida. Jamais voltaria a advogar.

No Rio, começou na TV Tupi, participando do programa Aeiou. Depois, em 1968, foi para a TV Excelsior trabalhar em A Cidade se Diverte e Os Adoráveis Trapalhões, com Ted Boy Marino, Wanderley Cardoso e Ivon Cury.  Mais tarde, Vanusa substituiu Ted Boy Marino. Em 1968 trabalhou na TV Record e também na Tupi, onde ficou até 1975. Daí foi para a Globo. 

Agora, firme como está, é quase impossível que alguma coisa possa impedi-lo de se lançar nessa asa-delta sobre o Atlântico. Embora se confesse inseguro, sempre preocupado com o futuro da família, Renato tem hoje o respaldo de uma invejável fortuna – assunto que o torna evasivo: “Esse negócio de contar o que eu tenho não tem nada a ver. Eu era muito mais rico quando comprei o meu primeiro carro e a primeira casa. Fica ruim para mim dizer que minha granja em Comary vale 2 milhões de dólares”.

De qualquer forma, continua trabalhando duro, como nos tempos das incertezas.

Mora na casa espaçosa que construiu para o filho na Barra da Tijuca. Em frente vai construir a dele. Mudou-se da rua Delfim Moreira, no Leblon, onde morava em dois apartamentos duplex, de frente para o mar, porque começou a construir o estúdio e a trabalhar na Barra. E também por causa da filha pequena, que precisava de mais espaço: “No edifício não tinha crianças”.

A grande prioridade de Renato, agora é a realização artística. Ele e seus três companheiros – que ele chama de “meninos” – são há muito o maior fenômeno de bilheteria do cinema brasileiro. Numa lista divulgada pela Embrafilme, dos quinze filmes brasileiros campeões de arrecadação de 1970 a 1983, onze eram dos Trapalhões. Na televisão, eles se mantêm como uma das atrações imbatíveis da Globo – na frente do Fantástico -, desde que ela se viu obrigada a resgatá-los da claudicante Tupi, onde representavam um desconcertante obstáculo à audiência da já então principal emissora do país.
“Comecei com minha empresa num quarto-e-sala, depois fui para uma casinha um pouco maior”, relembra Renato. “Sempre fui expulso pelo sucesso”. De passo em passo, ele agora se viu, ao fechar o primeiro semestre, instalado numa nova sede, na Barra da Tijuca, numa área de 67mil m2 , onde também se ergue um estúdio que coroa a irresistível escalada da Renato Aragão Produções Artísticas e Empreendimentos – Indústria e Comércio Ltda. O estúdio – o maior da América do Sul, segundo Aragão – já está sendo usado até por companhias estrangeiras que encontram finalmente uma opção para produzir seus filmes no Brasil.

Para Renato Aragão, porém, o fato mais importante do ano foi o reatamento com os outros três Trapalhões, em fevereiro, após uma separação de seis meses, que deixara o criador do grupo sozinho, de um lado, e, de outro, Dedé, Mussum e Zacarias tentando uma vida nova, unidos.

No dia 25 de maio, os quatro gravaram as últimas cenas do filme que inaugura a fase pós-separação, Os Trapalhões e o Mágico de Oroz, que parodia o clássico O Mágico de Oz, de Victor Fleming, tendo como pano de fundo o drama da seca nordestina. Reunidos os artistas do filme, figurantes, técnicos, jornalistas e funcionários da R.A.Produções e da Demuza – empresa que cuida dos interesses comerciais de Dedé, Mussum e Zacarias -, o último dia de filmagens foi uma festa.

Estourou-se champanhe para comemorar a inauguração do estúdio e a reconciliação do grupo. Os Trapalhões estavam felizes e até um pouco emocionados. No ano passado, Renato saíra com um filme sozinho, O Trapalhão na Arca de Noé, enquanto os outros três fizeram Atrapalhando a Suate. E o Mágico de Oroz já foi visto por 1,9 milhão de pessoas em seis semanas. Por certo vai integrar a lista dos campeões de bilheteria da Embrafilme, que relaciona desde Dona Flor..., com 10 milhões de espectadores, até Pixote, com 2,5 milhões.

Dos três companheiros de Renato, o mais antigo é Dedé Santana, que trabalha com ele há vinte anos. Renato já teve outros parceiros, mas quem os vê na nova fase – após as “férias conjugais”, como diz o líder do grupo – se convence de que a formação atual dos Trapalhões deve ser a definitiva.

Renato Aragão, 40 anos, casado com Martha há 25, quatro filhos – de 7 a 24 anos, dois netos -, é um homem de sucesso. Sua trajetória como artista e homem de  negócios tem sido uma sucessão de proezas, às vezes inesperadas – como ao conquistar para seu programa o respeito dos intelectuais, ao comprar a granja Comary do milionário Jorginho Guingle ou, agora, ao atingir o mercado cinematográfico internacional. Ele também se revelou surpreendente nesta entrevista a PLAYBOY.

Como ao discorrer sobre o compromisso sociológico de seus últimos filmes, ao se mostrar um atento e enérgico defensor de soluções para os problemas do Nordeste ou ao tecer uma inflamada crítica ao comportamento do governo e de alguns políticos.

O repórter Vitú do Carmo o seguiu de perto por vários dias, para completar uma entrevista que teve oito horas de gravação. Eis suas impressões:

“A assessoria de Imprensa da Demuza, Mônica Muniz, achou indispensável que eu conhecesse Renato no estúdio. ‘Ele é muito tímido’, explicou, ‘e é importante que o primeiro contato seja no ambiente em que se descontrai mais’. Quando fomos apresentados, Renato saiu do set de filmagem, onde fazia estripulias diante das câmeras, e, com o mesmo chapéu de palha esgarçado e a camiseta furada do retirante nordestino, foi me mostrar o interior do edifício cheirando a tinta fresca onde reina como presidente da R.A. Produções. Nos dias seguintes eu o encontrei sentado à mesa elegante, com tampo de vidro, de sua sala de principal executivo da empresa. Dava a impressão de ser o Didi Mocó brincando de executivo.”

“Ele tem mesmo um jeito muito tímido, mas só no início. Assisti ao final de uma entrevista que ele dava a uma repórter. Lá pelas tantas, interrompeu o que estava contando e perguntou, aparentemente às voltas com um lapso de memória: ‘Como é que se chama mesmo aquele bicho que come galinha?’. A moça hesitou um pouco e arriscou: ‘Raposa?’. Como que se lembrando de repente, Renato corrigiu: ‘Galo’. E continuou a conversa em tom normal, enquanto a moça e outros na sala explodiam em gargalhadas. Renato é excepcionalmente atencioso com as pessoas. Impressionado com a qualidade artística de um cartaz promocional do novo filme, ligou na mesma hora para o autor, o ilustrador Benício, a fim de cumprimenta-lo. ‘Dizem que, se a gente elogia, o pessoal cobra mais caro’, comentou, ‘mas não é nada disso. Se está bom, é preciso dizer’. Ele mantém uma liderança natural sobre todos os envolvidos com suas atividades artísticas e empresarias. Fala baixo, devagar, quase sempre brincando, às vezes trocando letras como Didi Mocó – e a gente não consegue imaginar que alguma vez tenha precisado abandonar esse tom para dar uma ordem. 

“Convivi com ele por vários dias, também no estúdio da Globo e numa viagem entre o Rio, Natal, Aracaju e Maceió. Em todos os lugares públicos, Renato precisava atravessar aos empurrões, às vezes com a ajuda da polícia, a multidão que acorria para vê-lo e a seus companheiros. Apesar de todo o sucesso, o que não se vê nele, jamais, é um sinal de afetação. Ao contrário, Renato parece estar sempre disposto a mostrar-se vulnerável e confessar seus medos, como faz diversas vezes nesta entrevista.”

PLAYBOY – Se o mágico de Oroz lhe aparecesse, disposto a realizar seu maior sonho, o que você pediria?
RENATO ARAGÃO – Fazer um filme internacional por ano – e só. Um filme que agradasse às crianças não apenas brasileiras, mas também de outros países, e que me trouxesse recompensa artística e financeira. Eu até ajudaria o mágico a realizar esse sonho, escrevendo a história, trabalhando muito... [Risos]

PLAYBOY – Pelo que soubemos, o mágico de Oroz já está cuidando disso. Você vai fazer um filme para lançamento na Europa, como parte de um acordo que permitiu ao produtor italiano Salvatori Alabiso utilizar seu estúdio para rodar cenas de Eu, Você, Eles e Outros, com Terence Hill e Bud Spencer. É isso, não?
RENATO – [Desconversando] Não, o Salvatori está fazendo esse filme aqui, mas nós estamos ajudando só na produção administrativa, não somos coprodutores financeiros. Damos apoio, assessoria. Além de usarem o estúdio, eles contam com nossa orientação sobre locações onde podem filmar.

PLAYBOY – Mas a contrapartida seria a participação dos Trapalhões num filme internacional.
RENATO – [Pensativo] Não...não...

PLAYBOY – Por que essa relutância em falar a respeito?
RENATO – Eu só gosto de falar de uma coisa quando ela se concretiza. Os furos jornalísticos são poucos, quando surge um a imprensa divulga muito e, se o projeto não se realiza, quem deu a noticia vira um babaca. Uma vez recebi uma proposta da Columbia para fazer um filme com o Cantinflas, mas acabou não dando certo. Eu mantive o assunto em sigilo durante dois anos – foi a Columbia que divulgou a noticia. Outra vez, eu pretendia ter uma participação do Terence Hill num filme dos Trapalhões, a noticia vazou e foi uma badalação muito grande. Depois o Terence Hill pediu um cachê muito alto – mais do que todo o orçamento do filme-, não pude fazer e a noticia ficou assim, quebrada.

PLAYBOY – Em que pé estão os entendimentos para a realização desse filme, e quais são as outras partes envolvidas?
RENATO – São a Columbia Pictures americana e uma produtora de Miami pertencente a italianos. O filme seria rodado na Itália e, dependendo do tema, também em Miami. Os entendimentos já estão caminhando para os “finalmente”. As filmagens devem começar no início ou meados do ano que vem.

PLAYBOY – Vocês já definiram alguma estratégia para conquistar o mercado internacional?
RENATO – Há um esquema para tornar os Trapalhões conhecidos primeiro na televisão. Seriam levados uns quatro filmes nossos para passar na televisão, digamos, primeiro na Itália, depois na Alemanha e assim por diante. Durante esse “Festival dos Trapalhões”, eu iria ser entrevistado na televisão, para aumentar a familiaridade com as crianças desses países. O entrevistador seria alguém de crédito, de preferência um brasileiro, que pudesse avalizar os Trapalhões. Na Itália, por exemplo, poderia ser o Falcão –que agora eu soube que já tem até um programa de entrevistas na TV.

PLAYBOY – O Falcão seria o ideal, até porque, se não me engano, o tema do filme estaria ligado ao futebol. Certo?
RENATO – Temos três sinopses para escolher, uma é de minha autoria, uma história de fantasmas e castelos. A segunda, que é dos americanos, eu ainda nem sei qual o tema. A terceira, de fato, conta a história de um novo craque brasileiro que explode na Itália.

PLAYBOY – Dá um resumo aí pra gente.
RENATO – O Zezinho – vamos chama-lo assim por enquanto – chega à Itália como uma grande sensação. Você sabe que o Sócrates custou aos italianos mais caro que o Zico, o Zico mais caro que o Falcão. O Zezinho custou mais caro que o Sócrates. Ele vai estrear na grande decisão do campeonato, mas uma gangue de mafiosos o sequestra. A gangue quer matar dois coelhos de uma vez, pois é simpatizante do time adversário (portanto vai impedir que Zezinho jogue) e pretende exigir uma fortuna como resgate. O público não sabe do sequestro e os dirigentes resolvem colocar em campo o massagista, que é sócia do Zezinho.

PLAYBOY – Adivinhem que é o massagista...
RENATO – Exato, Didi Mocó. A imprensa é proibida de chegar perto dele – “Ele é supersticioso e não dá entrevistas antes da estreia”. Didi, que nunca jogou futebol, está em pânico, torcendo para que o Zezinho apareça antes de começar o jogo. Enquanto isso, os outros estão agindo para pagar o resgate. Cria-se o suspense: Zezinho será ou não liberado em tempo de entrar no jogo? Os sequestradores recebem o dinheiro e pedem mais. Não tem jeito, o Didi tem que entrar em campo.

PLAYBOY – O Didi, um perna-de-pau...
RENATO – Mas ele tinha o sonho secreto de ser tudo aquilo que o Zezinho é. Então, com aquela motivação, o estádio lotado, a namorada na torcida, ele vira um super-homem. Faz o gol da vitória, leva o estádio ao delírio. O povo não percebe a troca... Ele vai embora... [Pensativo] Um final muito bonito, estou pensando nisso agora...

PLAYBOY – Você está criando neste instante?
RENATO – Estou. O Didi ganha o jogo, faz o time campeão e, quando termina a partida, chega o craque, liberado pelos raptores. Este é cercado pela imprensa, endeusado em campo, enquanto o Didi se recolhe à insignificância do massagista...

PLAYBOY – Emocionante! Merece um gole de cerveja. [ Essa parte da entrevista está sendo gravada a bordo de um avião que leva os Trapalhões a uma série de shows pelo Nordeste. Concentrado na narração da história, Renato ainda não tomara um único gole da cerveja que pedira pouco antes à aeromoça.] Como você se sente diante da perspectiva desse grande salto profissional?
RENATO – Confesso que isso está me deixando meio confuso, muito tenso, com medo de enfrentar a responsabilidade de uma decepção. De repente essa fita não faz sucesso...

PLAYBOY – A criança estrangeira pode não gostar do tipo de humor que você faz?
RENATO – Criança não tem fronteiras. A criança que vem de outros países gosta dos Trapalhões, ri quando assiste aos nossos programas. Nós sabemos disso por crianças de embaixadas e de colégios para filhos estrangeiros. Acontece que nosso humor é visual, tem pouco texto. Ele entendem facilmente. Sinto isso também com os estrangeiros e seus filhos que encontro em hotéis para turistas do exterior, como o Tropical, de Manaus, ou o de Foz do Iguaçu. A questão é se a fita for mal lançada no mercado internacional. No Brasil não há problema, acredito que fará sucesso, porque aqui a gente sempre faz.

PLAYBOY – Como você explica essa grande identificação do público – tanto infantil como adulto – com os Trapalhões?
RENATO – Sem querer ser pretensioso, acho que os Trapalhões representam uma caricatura do povo brasileiro. Tem o malandro carioca, que representa todos os morros, todas as favelas do Brasil – que é o Mussum. Tem o mineirinho típico, aquele garoto meio inseguro e meio espertinho – que é o Zacarias. O Dedé representa a figura clássica do galã da periferia, o galã de todos os subúrbios. E o Didi é o pau-de-arara, que vem do Nordeste sem saber nada, chega numa grande capital e entra pelo cano, mas logo aprende e começa a sacanear também. Por isso os Trapalhões têm esse “cheiro” de Brasil e fazem sucesso de Porto Alegre a Manaus.

PLAYBOY – Se esse sucesso atingir escala internacional, o que muda em sua vida?
RENATO – Ah, eu nem seu se isso não me traria muito mais dores de cabeça. Hoje, quando viajo para outro país e posso agir como uma pessoa comum, desconhecida – fazer compras, entrar num restaurante, pegar um táxi na rua -, me sinto como um passarinho que saiu da gaiola. De repente, se fico conhecido também lá fora... Veja o Pelé. Ele não tem sossego em nenhum lugar do mundo.

PLAYBOY – A fama tem muitos inconvenientes para você?
RENATO – Tem. Deus faz as coisas no meio-termo – você não pode ser mais feliz do que os outros. A celebridade traz muitas vantagens, mas também escraviza. Não posso ir à praia. Morei oito anos em frente ao mar, no Leblon e fui à praia dez vezes.

PLAYBOY – Deu para contar nos dedos! E o que aconteceu nessas dez vezes?
RENATO – A garotada vinha em cima, eu escalava um dos meninos pra tomar conta dos outros – “Você aí é o chefe, não deixa ninguém perturbar”. Ele se sentia importante e ficava naquela, tipo escoteiro, tomando conta.

PLAYBOY – Você já experimentou ir a uma festa de crianças?
RENATO – Você nem imagina a fria que é! Corro o risco de ser devorado por canibais. E às vezes pessoas que eu conheço me convidam pra festa de aniversário dos filhos. Como é que eu vou fazê-las entender que não posso ir? A não ser quando se trata de colegas artistas – estes entendem.

PLAYBOY – Do que você mais ente falta em consequência da fama?
RENATO – Uma das coisas que mais me magoam é não poder levar minha filha pequena ao parque de diversões – assim como não posso ir à escola dela quando dou convidado. As coleguinhas dela dizem: “Meu pai me levou ao parque de diversões”, e ela não pode dizer: “Meu pai vai me levar ao zoológico”. Isso me machuca muito.

PLAYBOY – É verdade que ela, Juliana, que agora está com 6 anos, já teve que fazer terapia por isso?
RENATO – Ela fez, realmente. Ela tem o problema de sentir a falta, vamos dizer, de um “pai comum”. Agora ela já está entendendo a situação, como os outros filhos entenderam. Uma das coisas que posso fazer com ela é passear de carro, mas sem parar, sem descer. Atualmente ela já diz: “Pai, não para aí não, que tem muito garoto, para mais na frente”. Ela se preocupa com isso, o que significa que já está entendendo.

PLAYBOY – Então você só pode curtir sua filha dentro do carro?
RENATO – Eu costumo viajar com ela pra lugares como Manaus ou Foz do Iguaçu. Geralmente minha fuga é para um hotel como o Tropical, em Manaus, onde 80 por cento dos hóspedes são turistas estrangeiros, que não me conhecem. Tenho muito amigos em Manaus, a gente pega uma lancha e vai pescar em alto-rio. Minha filha gosta disso.

PLAYBOY – Quer dizer que você foge de crianças?
RENATO – Não, o contato com elas, em certas situações, é muito agradável. O maior fantasma da gente é o pai, o famoso pai-herói, ou superpai. Ele empurra o filho pra cima da gente, diz: “Vai lá, conta uma piada, catuca ele”. Incomoda mesmo, é terrível. Com a criança, sozinha, a relação é bonita, a gente conversa, brinca. E ela até ajuda a corrigir os defeitos do programa. Eu costumo colocar minha neta, minha filha e duas coleguinhas que representam várias faixas de idade, na frente da televisão. Quando elas se levantam muito para ir tomar água, já sei que o quadro não está legal. [Risos] Eu olho mais para elas do que pro vídeo. Vejo o programa em pânico.

PLAYBOY – Você não acha que já conhece suficientemente o gosto das crianças?
RENATO – Há coisas que a gente sabe que são infalíveis, em que elas se amarram mesmo. Por exemplo, pastelão. Então, quando começamos a fazer um filme, é comum eu analisar o roteiro e dizer: “Vamos fazer uma briga aqui na padaria, jogar um saco de farinha na cabeça de alguém”.  Perseguição também é ótimo -, porque a criança gosta de torcer. Em quase todos os nossos filmes tem perseguição – de carro, helicóptero, bicicleta, a pé... No Mágico de Oroz há um sapatão – sapatão no bom sentido! [Risos] Uma turma está perseguindo o Didi, que já não aguenta mais correr. Aí o sapato dele estoura, ele está a ponto de se entregar, pede ajuda ao padrinho Ciço e ao Mágico de Oroz. Há uma explosão e aparece um sapato novo, grande, motorizado.

PLAYBOY – Um veículo que tem a forma de um sapato... Foi construído para o filme?
RENATO – Já existia, pertence a um fabricante de tênis – a Olimpikus. Eu vi a foto dele num anúncio, achei um barato e pedi emprestado. Resolveu um problema de ação do filme.

PLAYBOY – É comum acontecerem esses achados?
RENATO – Um dia, quando filmávamos Simbad, o Marujo Trapalhão, eu estava comentando por telefone com o diretor J.B.Tanko: “Tá faltando uma emoção aqui. Precisa haver uma fuga. E eu quero fugir de um jeito diferente”. A ideia era fugir numa asa-delta. Mas naquela época, no Brasil, asa-delta a gente praticamente só conhecia por fotografia. Um francês tinha vindo fazer uma demonstração e a gente estava tentando localizá-lo. O Tanko disse: “Eu mandei o pessoal atrás, mas o francês já foi embora, não tem jeito”. Aí eu disse: “Não, a asa-delta está passando por cima da minha casa”. Eu morava numa cobertura, estava falando do terraço e vi a asa-delta. O francês tinha deixado um aluno, que naquela hora tinha saltado da pedra da Gávea, perto da minha casa, que era no Jardim Botânico. Uma enorme coincidência.

PLAYBOY – Como costuma ser seu relacionamento com os diretores de seus filmes?
RENATO – Plena democracia, “diretas-ontem”! Não sou de impor nada. Em meus filmes todo mundo colabora. Se você estivesse lá no dia da filmagem e desse uma boa ideia, ela seria bem-vinda.

PLAYBOY – Você nunca teve problemas com diretores?
RENATO – Pode ser que eles tenham tido comigo... [Risos] “O Renato tá enchendo o saco com tanto palpite...” Mas, falando sério, com os diretores eu dou e recebo. Até o Daniel Filho [diretor de O Cangaceiro Trapalhão], que eu pensei que não fosse de aceitar opiniões, aceitou.

PLAYBOY – Você nunca pensou em dirigir seus filmes?
RENATO – Eu jamais poderia, porque quero ficar irresponsável diante das câmeras. Meu tipo de humor depende muito da maneira como estou me sentindo no momento. Se eu estiver bem-disposto, alegre, aquilo passa para tela. Então, não posso ficar com as preocupações de um diretor, de ver que um ator ainda não chegou, que o cenário está com problema.

PLAYBOY – E você consegue ser tão irresponsável quando gostaria?
RENATO – Quando tô filmando eu fico reclamando da comida, reclamando que faltam cadeiras pro pessoal. Uma vez eu soube quanto um artista estava ganhando no filme e fui reclamar que era pouco – mas, pô, quem estava pagando era eu! [Risos]

PLAYBOY – Dá para acreditar?
RENATO – Verdade. Foi no ano passado, com o Sivuca, que estava fazendo a trilha sonora de Os Trapalhões na Serra Pelada. Eu disse: “Um artista como ele não pode ganhar só isso”. O preço tinha sido combinado entre o Sivuca e o departamento financeiro da empresa. Eu reclamei e eles aumentaram.

PLAYBOY – É comum a divergência entre você e o departamento financeiro? Por exemplo, de vez em quando eles precisam te “segurar” para não gastar muito?
RENATO – Acontece. Mas aí eu digo: “Se vocês me convencerem de que isso não vai trazer mais lucro, mais prestigio, eu não faço”. Como o cenário que construímos para a aparição do Mágico de Oroz e que custou quase 20 milhões de cruzeiros. “Se vocês me convencerem de que isso não valoriza o filme...” Onde eu ia colocar essa imagem? Tá bom, a gente pode ir lá pra Cabo Frio fazer o mágico aparecer na areia. Mas cadê o mistério? Cadê a magia? A criança sente falta. Eu procuro fazer sempre o melhor, com muita sinceridade, e isso passa pra tela. Faço tudo pra não jogar um blefe, uma coisa enganosa em meus filmes.

PLAYBOY – Você teria levado essa preocupação ao extremo quando foi filmar O Rei e os Trapalhões em locações no Marrocos. É verdade que a filmagem foi cheia de problemas?
RENATO – Foi, um pouco por imprudência e imaturidade minha. As pessoas que contratei lá, pra nos darem orientação e cobertura, não eram as mais indicadas. Eu devia primeiro ter me dirigido ao departamento competente, ao setor de cinema de lá, pedido autorização. Mas o pior não foi isso. Foi que, quando chegamos, estourou uma briga de fronteira entre Marrocos e Mauritânia. O país ficou em estado de alerta e eles olhavam a gente com desconfiança: “Quem são esses? Devem ser mercenários que estão chegando”.

PLAYBOY – Quase a filmagem vira uma aventura de verdade...
RENATO – É, apreenderam todo o nosso material. Ficamos dez dias parados.  O tempo passando, a gente pagando hotel e a equipe – eram 27 brasileiros – sem poder fazer nada.

PLAYBOY – Como acabou tudo isso?
RENATO – No fim a gente deu uma de brasileiro. Eles já tinham liberado o equipamento, mas faltava a autorização pra filmagem. Alugamos dois ônibus, uma perua e, à noite, colocávamos o equipamento no bagageiro e saíamos pra filmar escondido no deserto. A gente pedia pro intérprete dizer pro gerente do hotel: “Olha, enquanto não vem a autorização pra filmagem, vamos fazer um pouco de turismo, por aí. Prepara um lanche para gente levar”.

PLAYBOY – Deu pra filmar tudo o que vocês queriam?
RENATO – O problema é que o roteiro exigia grande parte da filmagem na cidade. Eu estava em desespero: “Meu Deus do Céu, o que é que eu vou dizer lá no Brasil, depois de toda a divulgação que já fizeram? Vai ser uma desmoralização!”. Havia um restaurante muito bom, famoso porque o Sean Connery tinha comido lá e achado uma maravilha. Aí eu disse: “Quer saber de uma coisa? Vamos para esse restaurante”. Normalmente durante uma produção serve-se a mesma comida para toda a equipe. O prato às vezes muda de nome, mas é sempre o mesmo. [Risos] Então eu disse: “Manda cada um escolher o que quiser. O melhor prato! O melhor vinho! O melhor champanhe!”.

PLAYBOY – Por quê?
RENATO – Já que estava lascado – lascado e meio! Pelo menos daria um pouco de curtição pra turma. Porque eles estavam mais nervosos do que eu. Era um modo de agradecer. “Vamos fazer uma comemoração, não sei do quê”. Quando acabo de dizer isso, vem alguém dizer que há um telefonema pra mim. Eu digo: “Pronto, me acharam. Agora é todo mundo em cana. Eles se convenceram, mesmo, de que somos mercenários passando por cinegrafistas”. Mas era um contato eu, alguém que fora comigo do Brasil e que vinha trabalhando pra conseguir a liberação da filmagem. A autorização tinha saído. Esta aqui chorou de emoção. [Refere-se à esposa Martha que assistia a essa parte da entrevista, na sala da presidência da Renato Aragão Produções]. Aí eu digo: “Olha, rapaziada: suspende tudo. Quem bebeu champanhe, bebeu. Agora é prato-feito pra todo mundo. Vamos trabalhar!”.

PLAYBOY – Atualmente você deve sentir menos necessidade de rodar externas tão longe, porque seus filmes têm abordado, cada vez mais, situações e temas brasileiros. Isso é casual?
RENATO – Não. Antigamente eu me inspirava mais em histórias estrangeiras – Ali Babá, Robin Hood, etc. De repente, aquilo começou a me incomodar. Achei que tinha o dever de usar minha popularidade em benefício da criança, tratando de assuntos nacionais, até com fundo sociológico. Conversando com alguém da instituição de assistência, soube que, mesmo fazendo agora alguma coisa pelo menor abandonado, os reflexos só aparecerão na geração seguinte. Fiz, então, Os Vagabundos Trapalhões, em que o Didi se dedica a arrebanhar menores abandonados e coloca-los como filhos adotivos de casais bem de vida. O Trapalhão na Arca de Noé, filmado no Pantanal mato-grossense, trata da ecologia. A ideia surgiu quando vi na televisão uma reportagem mostrando como estava sendo destruída a fauna naquela região. Os Saltimbancos Trapalhões aborda a opressão do patrão sobre o empregado – por mais que o artista trabalhe, o dono do circo é quem fica com o dinheiro.

PLAYBOY – Seu objetivo, com isso, é plantar uma mensagem no subconsciente da criança ou obter uma reação mais imediata dos adultos?
RENATO – As duas coisas. A criança tem que ir se conscientizando de que há coisas erradas. E o adulto, que vai com a criança ao cinema, se for alguém envolvido com o assunto, vai sair com a consciência pesada, ou com vergonha. Se todo mundo colaborar um pouquinho... O que não se pode é dar as costas aos problemas.

PLAYBOY – Foi com esse espírito que você colocou a seca do Nordeste como cenário do Mágico de Oroz?
RENATO – Foi. Eu, como nordestino, conheço o problema de perto. E tenho um “cheiro” de solução. O que não se pode é ficar com paliativos, dar um melhoral e pronto. A ideia é mais ou menos essa: choveu, acabou o problema. Não! Choveu, é pior. Porque aí o pessoal vai esquecer as secas que estão por vir. O filme é isso. O retirante vem buscar água na cidade, não encontra, mas aí chove no sertão inteiro. É a redenção, aquela alegria, todo mundo feliz. Então o quadro para, a história acabou, mas aparece um letreiro: “Esperamos que esta chuva não vá esfriar a boa vontade das autoridades nas promessas feitas a essa gente sofrida do Nordeste”. Assinam Os Trapalhões.

PLAYBOY – Você também tem tratado do assunto na televisão, com aquele projeto Nordestinos, não?
RENATO – É. Quando houve o flagelo das enchentes no Sul, eu doei às vítimas minha parte da bilheteria de um dia de exibição de meu filme. E disse que doaria a renda do dia seguinte aos meus irmãozinhos do Nordeste, que sofriam o drama da seca, e já por quatro anos. Eu disse ao Boni [José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, vice-presidente de Operações da Globo] que gostaria de fazer uma campanha pelo Nordeste e algum tempo depois o doutor Roberto Marinho [diretor-presidente] me chamou. Ele me disse que não queria uma campanha que apenas arrecadasse donativos, mas que propusesse soluções. Queria que eu, como nordestino, fosse porta-voz da Globo na campanha. Fizemos então um programa especial e o projeto continuou, com várias aparições minhas no vídeo, ao longo da programação, pedindo sugestões de soluções para os problemas do Nordeste.

PLAYBOY – E que soluções você próprio apontaria?
RENATO – Os desertos de Israel e da Califórnia são dez vezes mais áridos que o Nordeste, e lá eles contornaram o problema com a irrigação. Israel até exporta alimentos. A Petrobrás não puxa oleoduto? Não se puxa fio elétrico? Não se puxam estradas? Por que não puxar um aqueduto? O rio São Francisco joga no mar milhões de litros de água que poderiam ser canalizados para a região da seca. Mas só a irrigação não basta. Outro dia eu me comovi com um nordestino dizendo: “Chegou a semente, está chovendo, mas onde é que eu vou plantar?” Não tinha terra. Há muitos coronéis que moram na capital e só compram terras para dizer que têm. O sertanejo deveria poder plantar nessas terras. E nem é preciso tirá-las do dono. Bastaria que o lavrador pudesse explorá-las como meeiro, isto é, ficaria com uma parte do resultado e o dono com outra.

PLAYBOY – Por que essas soluções, que parecem tão simples, não foram adotadas até hoje?
RENATO – A seca interessa a alguns. Se ela acabar, acabou o voto. O coronel, o deputado não vai ganhar um voto em troca da promessa de um caneco de água. Há uns meses morreram lá 130 mil crianças de fome e inanição – é uma população para lotar o Maracanã! Isso só de desnutrição – é claro que morre muito mais. Multiplica isso por dez. O nordestino é pacato, vive na fraternidade, anda 10 quilômetros para ir fazer um parto. E o governo tira proveito dessa gente que está morrendo. Se o Nordeste começar a se inquietar e a cobrar aquilo a que tem direito – e espero que isso aconteça – de um dia pra outro, vai-se ter que começar a fazer alguma coisa por aquele povo.

PLAYBOY – Você acha que o Nordeste pode se inquietar?
RENATO – Se se inquietar, a culpa é do governo. Se houver outra seca, se morrer mais gente de fome e de sede, o governo é culpado. Eu ponho a culpa no governo. Porque agora ele pode prevenir, com essas soluções lógicas. O nordestino, coitado, é ignorante e até hoje não soube exigir. No Sul, como as pessoas são mais esclarecidas, a situação é diferente. Por que no INPS do Norte as pessoas morrem na fila e no Sul tem fila de médico para atender? Eu vi isso no Fantástico. O INPS bonitinho, a pessoa chegava e marcava hora pra ser atendida. Por que essa discriminação?

PLAYBOY – Politicamente, você não foi sempre neutro?
RENATO – Posso ser moderado, mas neutro eu jamais seria, porque não se pode ficar apático diante de tudo o que está aí. Não sou político. Sou artista. Sou palhaço. Mas, enquanto puder falar alguma coisa sobre o que está errado – como faço nos meus filmes -, eu falo. Se posso aproveitar a tua revista, aproveitar a minha popularidade pra falar, não devo me omitir.

PLAYBOY – Ao contrário de outros artistas, você não se engajou na campanha pelas diretas-já. Por quê?
RENATO – Não fui procurado por ninguém, nem é do meu feitio entrar em política. Eu acho que o povo tem o direito de votar. Tenho o direito de escolher meu presidente. Mas eu não votaria em nenhum dos candidatos que estão aí. Os dois estão prometendo coisas iguais. Será que vão cumprir? Ainda não apareceu nenhum em que, com sinceridade, eu possa dizer que votaria. Também por isso não vou pra frente de um comício pedindo diretas-já. Mas gostei da atitude do Gonzaga Mota, do meu Ceará. Ele é do PDS, mas tem coragem de apoiar o Tancredo. Parece sincero. Taí, eu votaria nele.

PLAYBOY – De que modo a situação geral do país afeta os negócios da produção cinematográfica?
RENATO – Essa é uma atividade que se torna cada vez mais difícil. Meus novos filmes serão vistos por um público menor que aquele que viu Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão ou Os Trapalhões na Serra Pelada. Três fatores concorrem para isso. O mais óbvio é a crise econômica. O pai levava o filho duas, três vezes ao cinema agora leva uma, e olhe lá. Outro fator é a concorrência de uma televisão muito forte, muito boa. Globo e Manchete apresentam filmes excepcionais, alguns lançados no cinema há muito pouco tempo, até de um ano atrás. O terceiro fator é o aumento da violência urbana. Pode parecer estranho que isso influa, né? Mas o adulto que ia ao cinema à noite agora tem cada vez mais medo de, ao voltar para o lugar onde deixou o carro estacionado, topar com um assaltante. A consequência é que os cinemas vêm desaparecendo, dando lugar a supermercados. O número de cinemas no Brasil já chegou a 5 mil, hoje não deve ir além de 2 mil ou 2.500. [De acordo com o último levantamento da Embrafilme, havia 1.736 salas de exibição comercial no Brasil no começo de 1984].

PLAYBOY – Como fica o produtor?
RENATO – Seu risco é muito grande. Em meu caso nem tanto, porque tenho um público cativo. Mas imagine outro produtor arriscar 500 milhões de cruzeiros – que é o que se gasta numa produção média. Ele estará jogando alto. Terá que fazer um filme muito bom, acertar na mosca, porque precisará conquistar o público típico de cinema – e não o meu, que vem das outras coisas que eu faço, da televisão, do show.

PLAYBOY – Vamos ficar no seu caso. Dizem que você ganha muito dinheiro com seus filmes.
RENATO – É. Dizem: “O Renato Aragão fez 2 bilhões de cruzeiros de bilheteria com O Trapalhão na Arca de Noé”. Porra, eu tô rico, ganhei 2 bilhões...

PLAYBOY – O faturamento foi esse mesmo?
RENATO – Foi, o faturamento bruto. Disso, a metade é do dono do cinema. Então sobra 1 bilhão, do qual tenho que dar 20% para o distribuidor. Ficam 800 milhões de cruzeiros. Tudo bem, ganhei 800 milhões, ainda tô rico. Agora, acontece que eu apliquei 400 milhões, seis meses atrás. Então, atualize o valor do investimento – considerando uma inflação de, digamos, 100 por cento no período e veja quanto eu ganhei.

PLAYBOY – Você quer dizer que, no fim, ganha muito pouco, ou quase nada?
RENATO – Em alguns casos tenho até prejuízo. Os Saltimbancos Trapalhões, por exemplo, deu prejuízo. Mas não e bem prejuízo. Os Saltimbancos foi uma produção sensacional, uma coisa pra sacudir o público. Isso dá credibilidade. O reflexo, em termos de bilheteria, foi sentido no filme seguinte, Os Trapalhões na Serra Pelada.

PLAYBOY – O humor dos Trapalhões nem sempre foi bem recebido por todos. Os intelectuais o consideravam um humor de mau gosto, não?
RENATO – Os pseudo-intelectuais. Os intelectuais logo me reconheceram. Millôr Fernandes foi o primeiro a fazer um comentário positivo a meu respeito. Depois, toda a nata: Chico Anísio, Chico Buarque, Ziraldo, Jaguar, Carlos Drummond de Andrade. Quando o Drummond disse que assistia aos Trapalhões, ninguém mais teve coragem de falar mal.

PLAYBOY – Você se sente realizado com isso?
RENATO – Meu objetivo é a criança. Acontece que todo adulto tem também um pouco de calças curtas dentro de si. E, quando o adulto vê o filho sorrindo diante da televisão, ele também fica feliz. Mas eu não quero me afirmar conquistando o intelectual. Eu quero conquistar o filho dele, o empregado dele.

PLAYBOY – É verdade que você sentiu outro tipo de preconceito quando comprou a granja Comary, em Teresópolis, do milionário Jorginho Guingle?
RENATO – É. Diziam: “Um pau-de-arara não pode possuir aquilo. Não tem estrutura, não tem educação pra tanto”. Aquilo me magoava. Com o tempo foram aceitando, com certa tolerância, como se eu fosse um penetra que tivesse entrado na festa pelos fundos.

PLAYBOY – Houve um tempo em que era difícil imaginar que você seria dono da granja Comary. A Excelsior faliu, você teve que ir trabalhar na Record, seu salário caiu para menos da metade.
RENATO – Isso aconteceu no fim da década de 60, mas não foi a fase pior. Uns dois anos depois a televisão começou a viver a época dos programas personalizados – Flávio Cavalcanti, J.Silvestre, Blota Jr., Hebe Camargo, Bibi Ferreira – e eu fiquei desempregado de pai, mãe e vizinhança. Passei seis meses sem perspectiva, sem esperança, tive que vender dois carros e uma casa de praia em Cabo Frio.

PLAYBOY – Como você atravessou esse período?
RENATO – Embora não visse nenhum horizonte, resolvi investir em mim como humorista. Eu procurava piadas, comprava livros americanos e pedia para alguém traduzir. Tinha um sobrinho nos Estados Unidos, pedia para ele ver programas á e me informar como eram. No fim arrumei um bico, ganhava um cachê para ter uma pequena participação no programa Praça da Alegria, da TV Record.

PLAYBOY – E aí?
RENATO – Aí o Paulo Machado de Carvalho [diretor-presidente da Record] disse: “O Renato está bem, quando entra o quadro dele na Praça da Alegria o auditório aplaude muito” – o programa era ao vivo. “Vamos fazer um programa com ele”. O título do programa seria Os Insociáveis – veja que horrível! Mas eu pensei: “É a oportunidade que voltou, vou segurar pelo pé, pelo rabo, pela orelha”. Trabalhava dia e noite, respirava e transpirava humor, jogava tudo pra fora. O Dedé estava sem emprego, trabalhando num circo, e eu o chamei. Depois resolvi fazer um trio, porque o programa era mais longo, durava uma hora. O Mussum, que cantava no conjunto Originais do Samba, teve uma participação num programa humorístico, o Dedé viu e gostou. “Então traz o crioulo, Dedé, e dá polimento nele.” No começo eu escrevia pouco pro Mussum, não podia dar uma grande carga para uma pessoa com pouca experiência. De repente, a Tupi me chama de novo.

PLAYBOY – E, na Tupi, veio a grande fase, que fez dos Trapalhões um incômodo para a poderosa Globo...
RENATO – Fomos pra Tupi em 1974 ou 75 – minha memória não é muito boa pra datas. Aí eu já podia impor. “Uma hora e meia de programa? Então precisamos de mais um.” Chamamos o Mauro Gonçalves [que fazia um garçom num programa chamado Café Sem Conserto, da própria Tupi, e que estava com muito prestigio por ter sido premiado pela participação na peça teatral Dama do Camarote, de grande sucesso na época]. E o Mauro passou a se chamar Zacarias. Um dia fomos informados de que nosso programa, que era aos sábados, seria passado pro domingo, com duas horas de duração, das 20 às 22, bem em cima do Fantástico. Eu fiquei muito puto. “Vocês querem me jogar numa fogueira?”.

PLAYBOY –  O Fantástico devia ser um dos programas de maior prestígio da Globo, estava no auge.
RENATO – Pô, você nem imagina o que era o Fantástico! Eu disse: “Ah, é? Eu já tenho dois programas adiantados, vou gravar mais dois e tirar minhas férias. Não quero mais saber dessa porra, não!”. Fiz as malas e fui pro Ceará. No domingo eu nem quis ver o programa. Na segunda-feira, um cara da Tupi, em Fortaleza, me disse: “Renato, seu programa bateu o Fantástico em audiência”. Eu achei que o cara quis fazer média, ou fazer piada. Mas aquela noite não dormi. Na terça liguei para um diretor, em São Paulo, e, antes que eu perguntasse, ele disse: “Renato, ganhamos do Fantástico!”. Eu digo: “Puta que pariu, e agora?”. Aí o Fantástico reagiu com uma carga violenta, tape do Sinatra, o cacete. Voltamos a perder. Perdemos três domingos e, no quarto, pam! Ganhamos outra vez! Aí houve o primeiro namoro da Globo com a gente.

PLAYBOY – Data?
RENATO – Final de 75, comecinho de 76. Eu disse: “Não, não vou”. Eu achava que a Globo só queria me tirar da Tupi porque eu estava atrapalhando o Fantástico. “Lá eles me encostam, eu fico sem uma coisa nem outra”. Mas ao mesmo tempo eu estava puto com a Tupi, pois meu salário estava com seis meses de atraso. Um desrespeito. Um dia, eu estava trabalhando muito, não tinha me alimentado direito, aquela fraqueza, aquela estafa, a vista ficou escura – desmaiei no palco. Quando acordei, no camarim, um médico estava me tirando a pressão, um enfermeiro aplicando uma injeção de glicose e um funcionário do caixa me mostrando um cheque. Como se quisesse dizer que o desmaio tinha sido uma farsa para forças o pagamento.

PLAYBOY – Que cena!
RENATO – Fiquei puto. “Ah, é? Então na semana que vem tem outro desmaio, até vocês botarem meu salário em dia.”. [Risos] Aí eu disse pra minha mulher: “Martha, eu acho que vou pra Globo”. Mas ainda estava com medo. “Sabe o que eu vou fazer, Martha? Vou impor uma série de exigências pra Globo não me aceitar.” [Risos] Aí eu enchi o contrato de babaquices.

PLAYBOY – Exemplos?
RENATO – “Quero o melhor diretor”. “Quero o horário nobre”. “Não gravo sábado nem domingo”. “Quero uma chamadinha pros meus filmes” Aí levei pro Boni. “O senhor que é o seu Boni? Eu queria vir pra Globo, mas eu dependo dessas coisas que estão escritas aqui”. E o Bono: “Tá bem, Renato, onde é que eu assino?” E assinou sem ler! Nem leu! Se eu tivesse pedido a Rede Globo... Claro que, diante daquilo, eu não podia fazer mais nada. “Aí, meu Deus do Céu” Martha, eu estou na Globo!”. [Risos].

PLAYBOY – E a Globo foi um porto seguro, que suportou até a divisão do grupo – quando isso aconteceu, no ano passado, ela ficou com as duas partes. Afinal, por que você se separaram?
RENATO – Não, eu não gosto de tocar nisso, porque eu nunca... Pra mim não houve separação – houve umas férias conjugais. [Risos] Mesmo num casamento em que há muito amor, não faltam as brigas. No caso do grupo, houve um desgaste. Dizem até que outras pessoas, por trás, quiseram transformar os três em outros Trapalhões. Houve um momento em que a gente não podia nem olhar pra cara do outro que brigava.

PLAYBOY – Por quê?
RENATO – Por um processo de saturação total, de desgaste. A gente trabalhava muito, muita coisa...

PLAYBOY – A imprensa divulgou que a razão do desentendimento era a divisão dos lucros. Quando vocês voltaram a se unir, alguma coisa foi redefinida quanto a isso?
RENATO – Não, a volta não foi condicionada a uma negociação desse tipo. Esse entendimento a gente sempre fez, ao longo do tempo: “Eu acho que mereço tanto”; “Não, mas aí eu levo ferro”; “Ah, tudo bem... não, mas aí que leva ferro sou eu”; “Tá, então vamos puxar um pouco mais pra cá”. Um negócio só é com quando é bom pra todos.

PLAYBOY – Como foi feita a reconciliação?
RENATO – O planejador maquiavélico foi o publicitário e empresário Sérgio Murad, mais conhecido como Beto Carrero, que trabalha com moda, lançou uma griffe na última Fenit. O Murad é meu sócio, meu irmão, e também muito amigo dos meninos [ referência aos outros três trapalhões]. Ele tirou quinze dias da vida dele para resolver isso. Vinha de São Paulo, onde morava, ficava três dias comigo, conversando, depois ia pra casa dos meninos. Um dia ele reuniu os quatro num primeiro jantar, em que ainda não se falou em volta, mas se demonstrou que não havia rancor. Depois houve outro encontro pra tratar mesmo da volta.

PLAYBOY – Qual foi o saldo da separação?
RENATO – Naquele período, eu segurei uma barra pesadíssima, segurei um barco que todos tinham abandonado, fiquei de vilão. Não difamei ninguém, não caluniei ninguém, só me defendi. Eu sabia que aquilo não ia durar. Ou se encontrava outro caminho, noutra emissora, noutro lugar, noutro programa, ou haveria a volta. Mas, mesmo separados, nós não nos queríamos mal. Um dia eu fui fazer um show em Fortaleza, em benefício dos flagelados da seca, e os meninos também iam trabalhar por lá. Então eles comentaram: Já pensou se o velho – eles me chamam assim – entra no mesmo avião? Ia ser o maior abraço”. O Sérgio Murad soube disso e foi aí que decidiu armar aqueles encontros. No fim, a separação foi construtiva. A gente voltou com muito mais entusiasmo, mais alegria, e isso passou para o vídeo, a criança sentiu.

PLAYBOY – Você começou sozinho, depois compôs uma dupla, em seguida um trio e por fim um quarteto. Há lugar para mais alguém nos Trapalhões?
RENATO – Eu gostaria de botar mais um – aliás, mais uma. Uma mulher.

PLAYBOY – Uma trapalhona? Interessante! E quem seria uma boa trapalhona?
RENATO – [De chofre, como quem já pensou bem no assunto] Xuxa.

PLAYBOY – Verdade? Nós aprovamos inteiramente!
RENATO – [Sério] Não é só pela beleza física. A Xuxa tem uma empatia muito grande com a criança.

PLAYBOY – Que papel você imagina pra ela entre os Trapalhões?
RENATO – Ela seria aquela espécie de irmãzinha bonita, a gente teria aquele ciúme machista, não deixaria ninguém namorar com ela. Aparece um galã, querendo paquerar, a gente sai na porrada. Isso provocaria muito quiproquó, muita situação interessante.

PLAYBOY – E o que impende a concretização da ideia?
RENATO – Não quero mexer com pessoas que estão bem nos seus lugares. A Xuxa está noutra emissora, fazendo o programa dela muito bem-feito, não quero mexer.

PLAYBOY – A Xuxa já trabalhou em filme seu, assim como outras belas mulheres – Regina Duarte, Lucinha Lins, Denise Dumont. Você, que é um homem “bem casado”, nunca enfrentou problemas de ciúmes de sua mulher por seu relacionamento com essas atrizes?
RENATO – Algum ciúme existe, e até é bom, porque o contrário seria indiferença. Mas minha mulher trabalha na empresa, participa de tudo, até das filmagens. Então, as atrizes acabam se tornando mais amigas dela do que minhas.

PLAYBOY – Não há perigo de você dar uma escapada?
RENATO – Nenhum. Nem que eu quisesse. Minha mulher está sempre comigo. E eu gosto disso. Vou te confessar uma coisa: meu esporte preferido é o sexo. Mas com minha mulher, sabe? A gente se completa amorosamente, sexualmente, em tudo. O pessoal às vezes diz: “Esse cara é igual ferrolho – entra num buraco só” [Risos] Mas é uma coisa que me completa.

PLAYBOY – Qual o segredo pra um casamento durar 25 anos?
RENATO – Acho que isso é coisa de nordestino e nordestina. Outro dia, num papo, vários colegas se espantaram porque eu estou casado com a mesma mulher tanto tempo. Foi um negócio comovente, porque eles começaram a chorar: todos são casados cinco ou seis vezes. Pra mim a separação seria a pior coisa. Eu ficaria desorientado. Mas, quando duas pessoas ficam juntas tanto tempo, o perigo é se tornarem irmãs. E o amor dar lugar a uma forte amizade. Eu faço tudo pra que a agente permaneça como namorados. Que haja mistério, que haja segredo. Pode parecer uma coisa meios infantil, meio colegial, mas é importante manter a fantasia, não cair na rotina.

PLAYBOY – Como é que se consegue isso?
RENATO – Por exemplo, no dia 13 de janeiro, fizemos 25 anos de casados, bodas de prata. Eu pensei: “Vou preparar uma surpresa, uma emoção pra ela”. E dei um presente que ela chorou, ela... Eu nem dei no dia do aniversário, dei na véspera, porque sabia que a emoção seria muito forte.

PLAYBOY – Que presente foi?
RENATO – Fiz uma música pra ela. O Arnaud Rodrigues ajudou escrevendo a letra e completando a melodia, gravamos um disco com todos os filhos cantando, junto com os Golden Boys. Do outro lado é a mesma música, orquestrada, e os filhos dizendo uma frase de agradecimento. O duro foi fazer a Juliana dizer...

PLAYBOY – A Juliana, que tem 7 anos...
RENATO – Ela não podia ser levada ao estúdio, porque contaria à mãe. No último dia, em cima do prazo pra gravação, eu fui à cama dela, cedinho, e pedi que ela dissesse uma frase bonita pra mãe. Ela acordou enjoada, chorando, disse: “Mamãe, eu te amo”, e dormiu de novo. Eu gravei numa fita cassete, depois transferimos para uma fita maior, fizemos a mixagem. Difícil, também, foi fazer a foto da capa – convencer a Martha a entrar comigo na piscina, os dois vestidos de branco.

PLAYBOY – Você é chamado de “marido exemplar”...
RENATO – Não, tem muitos maridos melhores que eu. E o casamento não é só esse lado belo. Ele exige renúncia de ambas as partes. Agora, por exemplo, minha mulher  gostaria que estivesse ao lado dela, em casa, e eu estou aqui trabalhando [Essa parte da entrevista está sendo feita no interior de um ônibus que leva a trupe dos Trapalhões de um show para outro, entre Natal, Alagoas e Aracajú].

PLAYBOY – Você não trabalha demais?
RENATO – É, minha vida está muito difícil. Tem fases boas, tem outras em que acho que não está valendo a pena. Eu tenho que me desdobrar na empresa, ser ator e tudo o mais ao mesmo tempo. Ah, se eu pudesse apenas decorar meu papel e interpretar! Mesmo na televisão, tenho que estar preocupado com tudo, até com a roupa das outras personagens.

PLAYBOY – Por quê?
RENATO – Esse programa foi criado por mim, há quase vinte anos. Eu sei os segredos dele. Sei como ele se comporta ao longo de todo um ano, quando precisa ser modificado, receber acréscimo. Se está no momento bom pra fazer uma sátira musical, ou de época, ou um esquete de quarto e sala. Além do mais, sou um cara que costuma complicar o trabalho em beneficio do resultado. “O programa está fácil de fazer? Então deve estar errado. Vamos dificultar, vamos atrapalhar”.

PLAYBOY – Explique isso.
RENATO – Às vezes os redatores vêm com um esquete que se passa num ponto de ônibus. Eu digo: “Bota esta história na Idade Média”. Um quadro com gente comum na rua, eu digo: “Bota jogadores de futebol”. Pai, mãe e três filhos, eu digo: “Põe a Branca de Neves, o Príncipe e os Sete Anões Rebeldes”. Só a vestimenta diferente dos personagens já é com colírio para o espectador.

PLAYBOY – E não é só na televisão que se nota esse seu rigor...
RENATO – Não, quando vamos lançar um filme, eu fico examinando até as cores do cartaz promocional. E são dois filmes por ano – quando acaba um começa outro, porque o tempo de produção é de seis meses ou mais. Discos, veja o caso dos discos... Um cantor profissional, que só faz isso, lança um LP por ano. Nós, os Trapalhões, que nem somos cantores, lançamos dois.

PLAYBOY – Tem também os shows...
RENATO – Os shows foram o começo de tudo, da economia, do pé-de-meia. No inicio eu trabalhava direto, quinta, sexta, sábado e domingo. Um dia, quando aquele filme Um Estranho no Ninho estava em cartaz, meu filho Paulinho disse uma coisa que foi uma porrada pra mim. Eu ia entrando em casa e ouvi: “Mamãe, chegou um estranho no ninho”. Eu tinha atrás de mim uma estrutura que não podia parar de funcionar. É como você estar correndo na frente de uma locomotiva – se parar, ela te esmaga. Com o tempo fui diminuindo meu ritmo e consegui, no fim, passar dois anos sem fazer shows. Mas senti falta daquele contato direto com o público e agora estou voltando. Faço shows de quinze em quinze dias.

PLAYBOY – Para continuar trabalhando assim você precisa de algum estímulo, alguma droga?
RENATO – Nunca. Acho que esse negócio de droga bloqueia qualquer pessoa. Se tomo um uísque e venho trabalhar, perco a energia, fico deprimido. Imagine se eu fosse fumar um baseado... Acho que até dormia... Às vezes eu tenho vontade de experimentar para ver como é. Mas acho que eu tenho aquele bloqueio nordestino da criação repressora. Eu tenho mesmo de que meu pai esteja olhando. [Risos] Mas, sem brincadeira, esse negócio de droga não é comigo não. Pode ser que daqui a algum tempo as drogas sejam anunciadas na TV como as bebidas e cigarros. “Fume seu baseado tal, a decisão inteligente”; “Não cheire em casa, vá para tal lugar...”. Sei lá o que vai acontecer...

PLAYBOY – Você já não tem um patrimônio material que lhe permitiria viver sem trabalhar, ou fazendo só o que lhe agrade?
RENATO – É, essa aposentadoria, essa tranquilidade está garantida. Mas aí vem uma insegurança que eu tenho: começo a pensar nos meus filhos.

PLAYBOY – Mas seus filhos, os que já têm idade pra uma definição profissional [Paulo, 24 anos, e Ricardo, 22], são bons garotos, bem encaminhados... [Os outros dois são Renato, 15 anos, e Juliana, 7.
RENATO – É, isso me dá tranquilidade. O Paulinho, que é formado em Cinema pela PUC, entende mais do que eu dessa parte técnica de lentes, câmeras. Trabalha há muito tempo perto de mim e já segura um pouco a barra da empresa – de repente poderá pegar o negócio e dar continuidade. O Ricardo, que não quis estudar além do ginásio – e eu não ia castrar sua vocação, obrigando-o a ser o que não queria -, tem um conjunto musical e também trabalha na empresa. Mas eu admito que sou muito inseguro nesse aspecto. O que eu quero pra eles é uma empresa que não dependa do Renato Aragão, do Didi. O estúdio agora, pode ser desenvolver e cumprir esse objetivo. Eu gostaria que a empresa caminhasse pelas mãos de outra pessoa, que eu pudesse aparecer e dar uma olhada uma vez por semana e nos restante do tempo ficar em casa, escrevendo minhas piadinhas, meus roteiros. Mas não sei... De repente, vou começar a pensar nos netos... A vida é essa roda-viva. O homem quando nasce, está condenado à morte e aos trabalhos forçados. [Risos]

PLAYBOY – É difícil reconhecer em alguém que pensa e age assim o irreverente e irresponsável Didi Mocó. O que o Renato Aragão pensa dele?
RENATO – Às vezes alguém me diz: “Renato, você é uma pessoa séria, até tímida, e, quando entra no palco, vira um moleque – eu não entendo”. Respondo: “Nem eu”. Acontece que o Didi é um catalisador, em mim, de tudo o que o Renato não pode ser. O Didi é um hippie de paletó, um rico sem um tostão no bolso, um cara que goza todo mundo, que sacaneia a vida. A vida está sempre sacaneando a gente, então a gente se revolta contra ela, contra o sistema, contra a ordem, contra tudo. Minha educação, meu comportamento contido, todos os freios... O Didi é uma válvula de escape pra tudo isso.

PLAYBOY – OUTUBRO 1984

“Uma vez soube que o Sivuca estava ganhando pouco no meu filme e fui reclamar. Mas, pô, quem estava pagando era eu”.

“Nunca vou a festa de crianças. Você bem imagina a fria que é! Corro o risco de ser devorado!”

“Eu disse: ‘Seu Boni, eu quero vir pra Globo, mas dependo dessas exigências que botei aqui’. E o Boni: Tá bem, Renato, onde é que eu assino?’. E assinou sem ler. Se eu tivesse pedido a Rede Globo...”

“Quando o Carlos Drummond disse que via os Trapalhões, ninguém mais teve coragem de falar mal”