segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

Os Trapalhões: Nádia Lippi


Nádia Lippi
Atriz


Você atuou em dois filmes dos Trapalhões: O Trapalhão na Arca de Noé e O Casamento dos Trapalhões. Gostaria de saber como e em que circunstâncias surgiu o primeiro convite para trabalhar como o grupo.
Tive, sim, esse privilégio! O primeiro convite surgiu de um antigo desejo meu e também – eu acho – porque estava mais próxima do Renato Aragão, pois minha filha Thalita sempre foi amiga de Juliana, a filha mais nova de Renato. Foi em meio a uma “crise trapalhona”, quando eles se separaram. No elenco também teve Sérgio Mallandro, Fabio Villa Verde e Gracindo Jr. Lembro bem que Renato se emocionava, com cada conversa sobre a crise. E todos à volta falavam que era só mais uma crise, e assim foi. Fiquei muito feliz, quando eles se reuniram novamente.

Quando acontecia essas conversas sérias? Que Renato falava sobre o rompimento com Dedé, Mussum e Zacarias?
Bem, eu sei que posso classificar de papo sério, pois sempre começava, quando alguém da locação ou do hotel ou do restaurante falava: “Oii, Didi. Cadê o Dedé? Vocês não podem se separar, hem!” Ou, então, uma criança (elas amavam o Zacarias) dizia: “Oi, Didi... O Zacarias num tá aí? Ele tá de mal de você?” Eu presenciava essas coisas. E, daí, eu via um Renato cabisbaixo, acho que pensando na situação e no público principalmente, o infantil... Ele não verbalizava nomes, e sim situações como essas, que traziam à tona a separação recente e tão comentada pela mídia, ainda mais com dois filmes paralelos em andamento.

Diziam que Renato era mais ligado ao Zacarias e Dedé ao Mussum. Isso procede?
Acho que não... ou eu nunca soube de fato. De personalidades mais parecidas, talvez sim, pois Renato na vida real é contido, beira a timidez acredite; e o Mauro (Zacarias) também era assim. E o Dedé e o Mussum eram duas crianças, quando juntos. E eram de falar muito; e eu, que também sou, me divertia um bocado! Analisando assim, talvez esses boatos fossem reais; mas não posso afirmar.

Renato Aragão disse que O Trapalhão na Arca de Noé foi inspirado em Os Caçadores da Arca Perdida, de Steven Spielberg. Você se recorda dessa referência?
Sim. Lembro bem, mas não acho que foi por esse caminho. Acho que se tentou; mas foi para outro lado, talvez pela falta de recursos técnicos e a pressa. Sempre a pressa.

Havia pressa de entregar o filme e levá-lo ao cinema? A que tipo de pressa se refere? Tempo curto para filmagem? Pouco dinheiro?
Nãooooo... Nada disso... Apenas porque num set todos, todos e sem exceção, todos sempre têm pressa! Mesmo um filme dos Trapalhões é regido por um roteiro, com datas, custos, como qualquer produção. Tambem a Mãe-Natureza contribui, pois ela pode surpreender com mudanças de clima repentinas e, no caso do primeiro filme, com as famosas chuvas do Pantanal e com a luz de sol que caía atrás das montanhas, lá na fazenda . Não dá pra fazer uma mesma cena com minutos com sol e depois com sombra! Acho também que nenhum filme brasileiro tem dinheiro demais! Ao contrário, sempre tem de menos, ou pelo menos na minha época era assim. Tomara que hoje, com essa explosão do cinema nacional e investidores, tudo isso tenha mudado! Renato com sua produtora, a R. A. Producões, deu emprego a muitos na época da “seca” da Embrafilme! Pelo menos, era o que eu escutava da equipe técnica no set.

Quais são as suas lembranças dessa produção? Onde foi filmado?
Nossa... eu tenho mil e muito divertidas.

Poderia relatar algumas?
Filmamos em Goiânia, numa pousada cheia de águas térmicas... e sapos!! Pode rir, pois eu tenho trauma de sapos. E, à noite, o que mais tinha no caminho do bangalô em que eu ficava até o hotel eram muitos sapos!!!! Lembro da equipe inteira indo e vindo entre sapos... E também me marcou muito a cena em que eu estava sentada na porta de um avião lá no céu, amarrada por trás pelas costas, enquanto outro avião nos filmava. Eu fazia uma paraquedista (eu morria de medo). É claro que havia uma paraquedista de verdade. Na hora do salto, ela tomava meu lugar. Thalita estava comigo nessa locação, e foi bem legal. Depois, fomos para o Pantanal, o que foi uma realização pra mim, que não o conhecia. Ficamos acho eu num lugar chamado Fazenda Santa Rosa. Uma fazenda à qual só se chegava de avião (hidroavião) ou barco. Os caminhões de equipamento demoraram semana pra chegarem lá. Era um lugar lindo e tinha de tudo... Mas também havia grades nas janelas dos bangalôs, por conta de onças; e telas, por conta de bichos como cobras, aranhas etc. A comida também era típica... sopa de piranha, espeto de paca, galinha do mato. Nas filmagens, eu usava um mosquiteiro por debaixo do chapéu, por conta dos mosquitos. Eu sou alérgica a mosquitos. Enfim, era tudo muito engraçado. Fui e voltei de avião “pequenino” com Renato e me divertia porque os dois tinham medo do avião!! Lugar incrível. Filmagens pelos rios cheios de piranhas... mas foi maravilhoso tudo! Nossa, falei demais!!

Os filmes dos Trapalhões sempre foram um sucesso de público, O Trapalhão na Arca de Noé teve um público aproximado de 2.850.000 pessoas. Como eram as expectativas diante desse filme?
Acho que muita gente queria saber como era o Didi Mocó sozinho. A mídia alardeou muito a separação deles! Daí, eu acho que a expectativa não era só de crianças que os acompanhavam... e sim das famílias inteiras. Devido à separação.

Como foi para você estar no meio dessa separação? Como se envolveu ou procurou se afastar dessa polêmica?
Eu ? Não, eu não participei, não... Longe disso. Apenas fui chamada pra fazer o filme de Renato sozinho. Aliás, eu tentava nem falar sobre isso. O público é que puxava isso à tona. Longe de mim me envolver. Até porque, como era um casamento essa parceria, eu lembrava-me sempre do ditado popular que diz: “Em briga de marido e mulher, ninguém deve meter a colher.” Mas foi só uma crise... que passou rápido, ainda bem pra todos nós !

Esse filme foi feito durante a separação dos Trapalhões, que durou apenas seis meses. Dedé Santana, Mussum e Zacarias fizeram o filme Atrapalhando a Suate. Havia competição entre os dois filmes?
Não chamaria de competição. E sim de tristeza, que detonava um processo de mostrar que um não precisava dos outros e vice-versa. Eu sempre tive amizade e muito carinho por todos e não estive com Dedé, Mussum e o Mauro. Mas sei que ninguém estava feliz. Casamento antigo e parceria de décadas. Foi só uma crise conjugal.

Houve mesmo uma competição nesse período?
Competição eu não diria, mas uma tentativa de mostrar que poderiam se sair bem sozinhos, sem a parceria. Numa hora dessas, as pessoas ficam “mordidas”; mas lá no fundinho acredito que batiam incertezas!

Como sentia o desempenho de Renato Aragão durante as filmagens? Estava abatido, triste, com a separação?
Renato nunca é ou era triste. Ele é alto astral sempre. Mas nos papos mais sérios a respeito, ele se emocionava. Os olhos dele iam pra longe, ao falar sobre o assunto. Fiquei feliz demais, quando soube da volta!!

Podemos classificar como tristeza e não raiva o que Renato sentia?
Raiva nunca sentiu mesmo! Talvez incompreensão, surpresa da situação.

Fale sobre o trabalho do diretor Del Rangel, nesse filme.
Del sempre muito calmo e muito atencioso. Ele sabia exatamente o que queria; e eu só o via irrequieto, quando algo não dava certo em relação ao lugar. Porque, ao filmar em locação, você tem interferências da natureza. Era um tuiuiú que gritava demais. Eram mosquitos que entravam na frente da lente. Mas coisas normais de qualquer set.

Você trabalhou com o ator Carlos Kurt. Como foi trabalhar com ele?
Nossa! Eu o conhecia desde criança! Um lorde inglês. Educadíssimo, um verdadeiro gentleman e muito ligado a cada gesto! Um grande ator que fez carreira também colada à do Renato. Lembro-me bem dele nos sets e também o achava tímido. O vilão que ele sempre fazia não existia na vida real.

Renato Aragão tem como característica o perfeccionismo no seu trabalho. Ele acompanha todos os detalhes do filme. Como foi trabalhar com ele?
Renato, pra mim, sempre foi amigo mesmo. Quando filmávamos juntos, era sempre ele que passava na minha casa pra me pegar. Então, além das filmagens, tínhamos tempo de papear no trajeto. E eu até frequentava a casa dele como amiga!

O Casamento dos Trapalhões foi baseado no filme Sete Noivas para Sete Irmãos, de 1954. Como surgiu, depois de cinco anos, o convite para trabalhar com o grupo?
Hum. Esse filme foi incrível de fazer. Mas, quanto ao convite, vamos lá. Nessa época, eu já estava afastada da tevê, mas a amizade continuava. Na época, escutei que quem iria fazer o filme na verdade era a Regina Duarte mas que acabou não podendo. E, aí, sobrou pra mim. E amei. É claro!!! E até me senti lisonjeada, por ter sido a substituta.

Nesse filme você faz o papel da mocinha principal, par com Renato Aragão. Quais as suas recordações desse trabalho?
Uau! Esse filme foi uma mega produção e uma alegria! O clima era absurdamente contagiante, pois, além de Renato muito feliz, Mussum, Dedé e o Mauro. Nossa! Que fase linda deles.
Eu ria muito; e a equipe, os atores, todos nós tivemos um real “casamento”. Parecia que tudo dava certo de primeira, não havia clima ruim. E as cenas eram verdadeiras terapias. Cada uma delas era curtidíssima! Filmamos também no estúdio onde foi montada uma cidade!! Um luxo de produção... Um banho mesmo! Foi um mês, eu acho, de muito prazer. E, no final das filmagens, teve um mega churrasco lá em Paciência, na Zona Oeste, onde filmávamos. Deixou muita recordação pra nunca esquecer. Nunca mesmo! Uma aula de convivência em set!

Renato sempre comemorava com churrasco a finalização de seus filmes?
Acho que não. Esse churrasco foi oferecido pelo dono da fazenda, que, pra minha tristeza, matou um boi bem ao lado das filmagens. E eu presenciei... sem querer. Fiquei bem mal, até! Nem consegui comer. Coisas da vida, eu sei. Mas me chocou. Nos dois filmes que fiz, só esse teve essa celebração. E eu até levei meus filhos para conhecerem os garotos do Dominó.

Ele foi filmado em qual fazenda?
Não me lembro o nome, mas era em Paciência. E garanto-lhe: era um lugar de sonho e bem pertinho aqui do Rio.

Fale sobre o trabalho do diretor José Alvarenga Júnior, nesse filme.
Bem... o Alvarenga é muito gente boa. E como diretor não foi diferente. Entrou no clima do quarteto alegria e se divertia muito também. Aliás, ele fez do set uma festa. E tinha, sim, que brigar com a gente em cena, porque às vezes o riso não dava pra ficar preso. Foi muito legal trabalhar com ele. Eu amei!!

Nesse filme, você trabalhou, pela primeira vez, com os quatro integrantes juntos. Como foi a sua relação de convivência com os quatro atores, durante o período de filmagem?
Comparando com a experiência do anterior, tudo foi mais intenso!! Aprendi muito com cada um. E definiria assim: com Renato, a obstinação e a responsabilidade para com o público infantil; com Zacarias, o profissionalismo e a capacidade de se transformar em segundos; com Dedé, doçura e um lado infantil que dava vontade de pegar no colo; com Mussum, uma lição de alegria constante e amor à música!! Quatro pessoas, quatro personalidades que se entrelaçavam em nome de um trabalho. Lições pra vida !

Muito se fala que havia ciúmes entre Os Trapalhões. Chegou a detectar isso?
Ciúmes? Claro que não! Eles competiam, sim; mas na dedicação e na graça!

Esse foi um dos últimos filmes dos Trapalhões em sua formação original. Você tinha planos de continuar a filmar com eles? Apareceram outras oportunidades?
Não. Planos nunca fizeram muito parte da minha vida. Vivo um dia de cada vez, pois acho o viver uma bênção divina! O que vier eu traço com a maior gana! Adoro viver, pra poder usufruir o que a vida me manda de presente!

Quais são as suas lembranças de trabalho com o grupo Dominó nesse filme?
Nossa! Meninos encantadores, cada um com suas características. Afonso era um cavalheiro. Aliás, todos. Nill era o mais espivetado. Todos umas graças e com talento. Não entendo porque pararam e até gostaria de saber deles.

Como era a convivência com a equipe (técnicos, atores etc.) fora do set de filmagem?
Ah... eu sempre fui chegada ao pessoal... simples e super profissionais. Sempre me dei bem com todos, não só nesse filme, como na TV Tupi, na TV Globo, na TV Manchete e por onde trabalhei. Eles são os responsáveis por tudo que vai pra frente das lentes das câmeras. Como não respeitar e valorizar cada um?

Percebia algum tipo de intimidação por parte de alguns atores diante do quarteto?
Nunca... Eles faziam de tudo para que isso não rolasse. O quarteto era sabedor de uma magia que igualava todos... sempre. Não eram “estrelas”!!

Você mantinha contato com eles, após os trabalhos? Fez amizade com algum deles?
Eu era mais chegada ao Renato. Mas acabei também me afastando, pois a vida me mandou pra outro lado. Reencontrei-me há pouco tempo com Marta, a primeira esposa de Renato e foi uma alegria... Mas, fora isso, nunca mais tive contato algum. Lamentei muito a partida de Mauro e depois de Mussum... Mas tenho certeza de que, seja lá onde estiverem, eles ainda se lembram de mim. Os quatro sempre foram um presente pra mim!