quinta-feira, 1 de março de 2018

Os Trapalhões: Paulo Aragão Neto


Paulo Aragão Neto
Diretor do programa, produtor de filmes


Como surgiu o convite para trabalhar com Os Trapalhões?
Quando tinha seis anos de idade, meu pai (Renato) me chamou pela primeira vez para trabalhar com ele na TV Excelsior do Rio; desde então, venho, sempre que possível, trabalhando com ele, inclusive nos filmes dos Trapalhões e na última temporada de Os Trapalhões na TV Globo em 1995.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava os seus filmes?
Acompanhava de perto. A princípio, ia assistir às filmagens; e, desde 1977, quando fui trabalhar na R. A. Produções, produzindo os filmes.

Quais as suas principais recordações dos bastidores de filmagens com Os Trapalhões?
O ambiente sempre foi muito descontraído. Lembro-me das brincadeiras constantes no set, que ajudavam a dar um clima mais ameno à rotina intensa das filmagens.

Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias tinham como característica a irreverência. Até nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram descontraídas?
As piadas eram constantes, tanto que resolvemos editar os improvisos como bloopers, nos créditos finais dos filmes.

Como era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
A proximidade era quase diária, inclusive nas celebrações nas casas de cada um deles. Mussum e Renato lançavam seu arsenal de pegadinhas um para o outro em bases constantes. O Mauro (Zacarias) era quieto; mas, quando soltava uma brincadeira era de morrer de rir. E o Dedé, assim como nos filmes, sempre foi o alvo das gozações. A gente ria muito!

Que representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
O que me motivava muito era o ritmo de produção. Fazíamos dois filmes por ano. Portanto, sempre havia trabalho. E era gratificante fazer parte de uma indústria cinematográfica naquele momento do país.

Um dos cineastas com uma parceria mais longeva com Os Trapalhões foi o J. B. Tanko. Quais as lembranças que você tem dele?
O Tanko veio trazer a técnica europeia de cinematografia, o que foi enriquecedor para o conteúdo dos filmes. Era uma figura muito presente em todas as etapas.

Na sua opinião, quem era o maior comediante do grupo?
Difícil de responder. Porque, acima do talento individual, a sinergia do grupo reunido era algo extraordinário. Quando achavam uma brecha – e sempre achavam – para o improviso, os outros seguiam dali; e a comédia era rica na espontaneidade. E com maestria voltavam ao texto, sem que muitos percebessem que era um improviso.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Sim, desde a elaboração do argumento até o cartaz do filme, passando por cada etapa do processo.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Era um humor básico e simples, sem conteúdo intelectual ou político explícito. Os críticos se sentiam mais identificados com filmes mais intelectualizados ou políticos.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Humor popular. Cada um deles representava um segmento da base da pirâmide sociocultural brasileira.

Os Trapalhões sempre “brincaram” em parodiar filmes e clássicos estrangeiros de sucesso para o cinema. Que pensa a respeito dessa linha que eles seguiram?
Não é uma característica exclusiva deles. A televisão sempre se valeu desse recurso... no mundo todo. Mas era uma forma de explorar o imaginário de um povo (ou grande parte dele), cuja cultura se baseava na tevê e nos filmes, principalmente os norte-americanos.

Qual o legado histórico que o cinema dos Trapalhões deixaram para o país?
De que podemos construir uma indústria de entretenimento com base na experiência cultural brasileira. E a longevidade. Impressiona que Renato e Dedé estão se mantendo há quase cinquenta anos no mundo do entretenimento. Marcaram três ou quatro gerações com sua presença. E a coragem de investir em um segmento como o cinema, mídia que teve altos e baixos ao longo desse período.

Podemos considerar Renato Aragão um dos maiores e melhores produtores de cinema do país?
Foi um produtor importante. Participou de quase cinquenta filmes, dos quais produziu ou coproduziu mais de trinta, com altos índices de audiência.

Acredita que, pela importância que o quarteto possui no cinema, há pouca bibliografia a respeito deles?
Estou certo de que os produtos biográficos vão começar a surgir, na medida em que despertar a curiosidade das novas gerações pelo grupo.

Por que os festivais de cinema no Brasil não mencionam, ainda hoje, o cinema feito pelos Trapalhões?
São raras as menções, mas existem. O mito Trapalhões vai ganhar força nesse meio, na proporção em que sua exposição se tornar mais rara.

Roberto Guilherme é um dos parceiros mais antigos dos Trapalhões. Está com o Renato até hoje; porém, participou pouco do cinema do quarteto. Qual a razão?
Entendo que o público de cinema queria ver o quarteto em ação, enquanto o da televisão aceitava melhor as participações de Roberto Guilherme, Tião Macalé, Wanderley Cardoso, Ivon Curi, Ted Boy Marino e outros. Não partia deles essa exigência, a audiência que elegia.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Num voo de Foz do Iguaçu a Manaus, durante as filmagens de Os Três Mosquiteiros Trapalhões, uma tempestade magnética obrigou o piloto a pousar em um aeroporto militar onde permaneceu por quase duas horas. Os passageiros ficaram inquietos, pois não podiam desembarcar; e o avião, por ordem dos militares, devia ficar com os motores desligados e não havia qualquer previsão de decolagem. Percebendo o clima de angústia, Mussum começou um samba. Logo, os demais Trapalhões foram se agregando e, enquanto a tempestade tropical durou, fizeram o show mais exclusivo que já houve em sua história. Quando o piloto anunciou a decolagem, os passageiros vieram cumprimentá-los. Inclusive, uma família que transportava o corpo de um parente falecido veio agradecer a eles pelos momentos de alegria no que poderia ser uma viagem trágica. Na verdade, eles eram um show ambulante e, por onde passavam (aviões, ônibus, hotéis e pequenas cidades), deixavam a marca da alegria e irreverência característica do grupo.