sábado, 12 de setembro de 2009

Jean-Claude Bernardet

Jean-Claude é um dos melhores críticos de cinema do país. Já, inclusive, dirigiu e participou de alguns clássicos do nosso cinema.

Qual é a importância do curta-metragem para o cinema mundial, especialmente no Brasil? 
Houve uma época, quando não existia escola de cinema, em que a formação dos cineastas era feita através do curtas, nos anos 50. Glauber, Saraceni, Joaquim Pedro, Leon Hirszman. Todos eram referenciados pelo curta-metragem, portanto, no curta que eles aprendiam a construção, começaram a trabalhar... Em meados dos anos 60, formaram-se as escolas de cinema profissionalizantes nas universidades, e uma grande parte da produção de curtas acabou sendo realizada nas escolas. Nos anos 80, houve o chamado boom dos curtas, que eram em parte feito por alunos das escolas, em parte com produção e equipamento das escolas, em parte com recursos obtidos fora das escolas, e que tinham uma característica, que em geral o curta-metragem, é mais indicado, ou é filme experimental, ou tem os temas documentários. Nos anos 80, o curta-metragem no Brasil, se torna muito um documentário de ficção, porque o que era bastante novo, e houve uma série de filmes muito bons, que deu uma repercussão muito grande sobre o curta-metragem brasileiro, e nesse momento, em São Paulo pelo menos, se forma as mostras de cinema, porque essa produção de curta-metragem, a produção estudantil, e a produção geral, não tinha muita vazão.

Existia uma lei, chamada ‘Lei do Curta’, que fazia com que se pudesse colocar um curta antes de cada longa. No qual o curta-metragem recebia uma porcentagem da receita do longa, isso possibilitou a existência de um fundo que caia recursos para produção de um curta-metragem. Isso não ajudou a criar um público para o curta-metragem, porque muitas vezes o curta-metragem associado ao longa, se nenhuma relação, os exibidores não queriam cogitar esses filmes, então eles pegavam os filmes, pagavam os 5% e não exibiam o filme. De forma que o público de curta-metragem acaba se formando através mostras do tipo das que são iniciada no MIS (Museu da Imagem e do Som) ou trabalhos do Chiquinho, que teve bastante repercussão.

Alguns cineastas começam com o curta-metragem, obtém sucesso, vão para o longa e nunca mais voltam para o curta. Você acha que o curta é marginalizado no próprio meio cinematográfico?
Eu acho que a duração do curta não é fácil dentro do mercado, não há propriamente uma exibição de curtas, a não ser em algumas cidades, que alguns cinemas vêm passando. Na literatura, o conto, que seria uma novela curta, que seria um romance curto, principalmente no Brasil, tem como ser editados, porque tem escritores, como Dalton Trevisan, que está absolutamente especializado em contos. O mercado cinematográfico não possibilita esse tipo de divulgação e não tem muita circulação de forma mais estável, e claro, que algumas coisas foram criadas, do tipo Curtas às 6 horas, ou o que fez o Unibanco com a Petrobrás para criar um espaço de visibilidade para esses filmes. Mas é relativamente restrito isso. Há também alguns problemas, porque quando você faz a programação por exemplo, dos festivais de curta-metragem, você percebe o seguinte, que as sessões não podem ser muito longas, porque a partir de certo momento o público começa a embaralhar os temas, não se lembra qual é o filme que viu, porque uma projeção de 1 hora e meia de um longa metragem é diferente de 1 hora e meia de curtas, dá 6, 8 filmes de curta-metragem é uma coisa completamente diferente. De forma que não há propriamente um mecanismo de colocar esses filmes em contato com o público, de vez em quando a TV Cultura ou o Canal Brasil apresentam filmes de curta-metragem. Mas por outro lado, eu pessoalmente acho o curta-metragem uma expressão plena em si. Não é apenas uma preparação para o longa, eu não vi o atual filme de longa-metragem do filho do Barsinski, que está em cartaz atualmente, mas os curtas anteriores dele, são filmes plenamente organizados, são filmes como ‘Janela’, portanto acho que é um gênero plenamente válido, mas por não ter meios assegurados de circulação acaba sendo mais usado como uma fase de transição, um momento de passagem em direção ao longa.

O senhor acha que isso acaba contaminando a própria critica, porque não sai quase nada de matéria sobre curta-metragem, tem poucas pesquisas sobre curtas. Você acha que isso contamina o meio?
Eu acho que sim. O curta-metragem em geral, na imprensa aparece em duas situações: quando há algum evento, tipo festival internacional do cinema curta-metragem, mostra paulista ou desse tipo aí há comentários, ou então quando se comenta um longa-metragem de um cineasta, e que se relembra, você faz uma citação dos seus trabalhos anteriores, senão não tem espaço específico. Não tem.

Eu estava na reserva cultural na mostra sobre o senhor, seu trabalho, e não tem um curta ali. Você nunca trabalhou com curta?
Eu pessoalmente nunca fiz um curta, o eu já fiz foi um ou outro curta como ator, mas como realizador não fiz. Tem um vídeo que está na mostra que é sobre os anos 60, que tem 30 minutos. Pela definição legal, ele é um curta-metragem, porque curta-metragem vai até 30 minutos, o outro “São Paulo Sinfonia e Cacofonia” que tem 40 minutos, esse São Paulo não entra em nenhuma categoria, porque ele é longo demais para ser um curta, e curto demais para ser um média, porque o média atualmente tem 50 minutos, e evidentemente não é um longa-metragem. Essa duração de 40 minutos é uma catástrofe.

O curta metragem é o grande movimento do cinema? Porque ele é mais experimental, porque ele foge um pouco dos cânones do cinema longa-metragem...
Em tese deveria ser assim, mas na prática eu acredito que não seja. Na produção recente em São Paulo tem muitos filmes que não estão totalmente prontos ou que estão em finalização, como “Otávio e as letras” do Massagão que é um longa-metragem, como o “Fim da Picada” do Christian Saghaard, são filmes experimentais, acho bastante corajosos, bastante interessantes, e são longas-metragens. E às vezes agente pensa que o curta fosse de menor produção, freqüentemente de estudantes, de escolas, representariam uma área de representação mais audaciosa que o longa, mas eu não acredito que isso de fato esteja ocorrendo. Isso não quer dizer que não haja curtas experimentais e arriscados, mas eu acho que não é uma regra, apesar de que aparentemente deveria ser assim, mas na prática não é.

Você acha que dá para contar uma história em tão pouco tempo de metragem?
Dá, às vezes na escola, eu como professor de roteiro, como professor associado a disciplinas de produção, que você nota que freqüentemente os curtas são longas comprimidos. O curta deve ser pensado na sua duração, você tem um estilo, uma narrativa, seja lá o que for, que seja condizente com a sua duração, se não isso não vai caber em 10 minutos tem que cortar isso, tem que comprimir essa cena, ai as informações acabam não passando. Há uma maneira de pensar, o curta, existe a relação dele em literatura, você vê o trabalho feito pelo Dalton Trevisan, no sentido de passar contos de meia página, contos de um ou dois parágrafos. O pensar na duração do curta, e trabalhar a duração curta, não significa trabalhar numa duração longa comprimida, o curta tem que ter o seu ritmo específico.