terça-feira, 6 de abril de 2010

Miguel Borges



O cineasta enturmou-se com a trupe que engendraria o Cinema Novo- Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Paulo César Saraceni, Leon Hirszaman, dentre outros. Estreou na direção com Zé da Cachorra, episódio do filme coletivo Cinco Vezes Favela.

No decorrer das décadas de 1960, 1970 e 1980, dirigiu longas-metragens (Maria Bonita, Rainha do Cangaço, As Escandalosas, O Caso Cláudia, produziu outros (A Cartomante, Fogo Morto), escreveu roteiros (Tati, a Garota, A Noiva da Cidade) e também trabalhou como montador (Emboscada, Fogo Morto).

Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
Desde os tempos de Humberto Mauro e Zequinha Mauro no INCE - Instituto Nacional de Cinema Educativo - o curta teve reconhecida sua luz própria. Basta ver o fantástico e monumental Dicionário de Filmes Brasileiros - Curta e Média-Metragem, de Antônio Leão da Silva Neto. De 1897 a 2005, em película, são 17.774 filmes e 4.363 diretores. "Só" isto constitui uma grande cinematografia. O movimento dos curtas paraibanos, com Linduarte Noronha, João Ramiro Melo e Ipojuca Pontes, antecedeu e ajudou a fecundar o movimento do Cinema Novo no Rio. As ABDs de todo o Brasil estão aí em plena vitalidade. O curta tem sido também o campo de experimentação e ganho de experiência do cineasta brasileiro.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Nem sempre. Os curtas e médias são o melhor de Humberto Mauro, sem desmerecimento de seus longas. Foi graças ao prestígio acumulado com estes que H.M. recebeu o convite para dirigir INCE, onde realizou seus maravilhosos curtas e médias. Neste caso, os longas foram o trampolim para os curtas...

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
A TV é o maior circuito exibidor de cinema. Um filme pode ter 100 mil espectadores nos cinemas, e 100 milhões na TV. Isto se refere ao longa, mas pode vir a se referir ao curta também. É tudo questão de hábito e organização do mercado. 

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Simplesmente, porque o curta ainda tem pouco espaço para difusão. Na hora em que ele entrar na corrente sanguínea da apresentação ao grande público, isso vai mudar. 

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Não. Esse preconceito de uns e complexo de inferioridade de outros, se existe, não tem o menor cabimento. O curta é obra de arte, com plenitude. 

Como foi estrear como diretor no episódio "Zé da Cachorra", que fez parte do histórico filme coletivo "Cinco Vezes Favela"?
Em 1961, eu estava na redação da Prensa Latina quando me telefonou o Vianinha (Oduvaldo Vianna Filho), me comunicando que tinha saído uma verba do MEC para se produzir um filme no CPC na UNE, e me convidando para me integrar ao projeto que contou também com Marcos Farias, Leon Hirszman, Joaquim Pedro e Cacá Diegues. Junto comigo, Cacá é o cineasta remanescente desse grande grupo. 

Em 1974 o senhor fundou a Miguel Borges Produções Cinematográficas. Conte como foi essa experiência com a produtora.
Enquanto existiu, essa pequenina firma individual me instrumentalizou para fazer quatro ou cinco longas e alguns curtas. Não fiquei mais rico nem mais pobre, continuei lutando e sonhando. 

Conte como foi filmar "Os Sapatos", seu processo de criação, produção e direção.
O produtor Álvaro Pacheco tinha patrocínio da Petrobras e me chamou para dirigir. O processo de criação consistiu em procurar recriar no cinema a criação do poeta Mauro Mota na literatura. Não sei se consegui.

Conte como foi filmar "O Nadador do Infinito", seu processo de criação, produção e direção.
Completando a resposta anterior, é extremamente difícil recriar poesia literária cinematograficamente, de forma imitativa ou a título de transposição. São substâncias poéticas bem distintas entre si. Parece que "Os Sapatos" resultou menos mal que "O Nadador", porque o Mota não estava mais no mundo, enquanto o Pacheco estava presente, observando, embora em silêncio e muito discretamente , se o poema dele era bem observado na filmagem. Por mim, gosto desses dois curtas

Qual é o seu próximo projeto? Pensa em dirigir um curta futuramente?
Estou escrevendo com Odir Ramos um roteiro, "Razão Pura", livremente inspirado no livro dele, "Buquê Para Faceira". No início da vida, Odir foi gari e se tornou grande amigo da mula Faceira, com a qual ele trabalhava nas ruas do Rio. Quando a tração animal foi descartada na limpeza urbana, em 1961/62, Faceira e outros milhares de muares foram abandonados, num genocídio. Um dos moradores da área urbana coberta pela dupla era um nazista, criminoso de guerra foragido, ex-piloto de avião, participante do extermínio da população de Guernica em 1936. Paradoxalmente, o nazista se une ao gari para salvar a mula, e este é o menor dos paradoxos da história. Sobre curta-metragem, não tenho planos no momento.