segunda-feira, 26 de julho de 2010

Cláudia da Natividade



Produtora de filmes como Estômago, de Marcos Jorge, e Corpos Celestes, de Marcos Jorge e Fernando Severo.

Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
Pode-se dizer que o cinema nasceu como curta-metragem, porque no início da produção cinematográfica internacional não existia tecnologia suficiente para o desenvolvimento de películas longas. Os filmes curtos revolucionaram a maneira como se registravam imagens até então e possibilitaram ao homem um novo grande espaço de experimentação narrativa e artística através da imagem. Acredito que essa é a essência do curta-metragem, um espaço de constante revolução e experimentação narrativa e artística.

No Brasil desde Humberto Mauro o curta sempre esteve fortemente presente na produção nacional e na renovação desta mesma produção. Primeiro tivemos a afirmação do curta-documental e a criação de uma linguagem cinematográfica própria, mais tarde o curta foi laboratório de experimentação do cinema novo e depois, no final da década de oitenta, novamente o grande inovador de linguagem e fomentador de novos diretores com a nova lei de obrigatoriedade de exibição do curta associada aos prêmios estímulos de produção. Com o final da Embrafilme o curta produzido nas universidades acabou sendo praticamente o único espaço de produção e dos baluartes da narrativa e da cultura cinematográfica no país. Essa grande presença do curta nas universidades contribuiu não só para a preservação da produção no Brasil, mas ao mesmo tempo democratizou e preparou a entrada de novos e jovens profissionais mercado de cinema pós-retomada. Esse percurso histórico demonstra já em si mesmo a importância do curta como sustentáculo da produção nacional e como permanente subversor da cinematografia brasileira.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Da mesma maneira que o curta renovou a linguagem cinematográfica e foi mantenedor da cinematografia nacional em momentos transição da história do cinema brasileiro, pode-se afirmar que ele foi responsável pela renovação sazonal e pela manutenção da crítica cinematográfica nestes mesmos períodos. O curta por ser um espaço de renovação cria, de tempos em tempos, novas tendências narrativas e com isso tem um maior destaque na mídia. Em períodos de maiores dificuldades econômicas para o cinema o curta mantém viva a produção, e com isso ganha espaço na mídia. Nos intervalos destes movimentos “extremos” está a produção de longas-metragens. O espaço dedicado pelos nossos principais jornais para a crítica cinematográfica, mesmo dos longas-metragens brasileiros, é sempre pequeno, insuficiente para abarcar a quantidade de filmes que é produzido e para destacar a qualidades e os diferencias narrativos que muitos destes possuem. O espaço do curta na mídia brasileira parece diretamente relacionado aos momentos de máxima atualização dessa sua “natureza extrema”.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
É sempre possível ser um cineasta de curta-metragem, desde que você não dependa apenas disso para viver, porque o curta-metragem não têm possibilidades comerciais, não existe um mercado de curta. Mas, um diretor pode fazer curta-metragem e ter uma outra fonte de renda relacionada à imagem e movimento, ele pode por exemplo fazer televisão, filmes institucionais ou publicidade.

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Não acredito. O curta, se bem realizados na sua natureza de espaço de experimentação ou de exercício de narrativa breve, podem ser um espaço incrível para o cineasta fazer e dizer coisas de modo mais livre do que faria em um longa-metragem. Muitos diretores continuam fazendo curta mesmo depois de fazer longa. O curta pode ser sempre um exercício permanente de linguagem, especialmente agora com as novas tecnologias que reduziram muito o custo de produção.

Quais as diferenças que você percebeu em relação ao trabalho em longas e curtas?
Na realização de qualquer obra cultural que envolva grande volume de recursos públicos e privados deve existir primeiramente um compromisso com o público, com o desempenho comercial desta obra ou com a real relevância cultural daquilo que você está fazendo. No longa você tem mais compromissos a serem respeitados e uma real necessidade de se preocupar seriamente com o resultado do seu filme. Isso é natural porque o esforço da sociedade para a produção de um longa-metragem é muito grande, então o resultado pretendido também que ser. Desde o início da produtora sempre trabalhamos em nossos curtas-metragens de maneira muito profissional, com equipes técnicas sólidas, visando desde o começo fazer projetos que ousassem do ponto de vista narrativo, mas que ao mesmo tempo comunicassem com o público e que tivessem relevância cultural. Essa mesma base foi posteriormente transportada para os longas, mas ainda com mais seriedade.