domingo, 27 de março de 2011

Carlo Mossy

foto: Cadú Dias.

Mossy é um emblema do cinema nacional. Considerado um dos maiores galãs brasileiros, reinou durante os anos 70 e 80 com produções eróticas e populares que arrebentavam nas bilheterias de todo o país.

Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
No Brasil tupiniquim, nenhuma importância que possa se definir como importância, seja ela cultural, artística e ou comercial. Em outros países, o curta é respeitado e valorizado. No Brasil, apenas um escape passional, agregado à total incapacidade – e desinteresse - dos ‘administradores’ do nosso cinema, cinema que algumas décadas atrás podia ser denominado como sendo uma indústria cinematográfica, hoje, indústria da captação de dinheiros mafiosos. (São sempre os mesmos que são brindados com o dinheiro público através de –estranhos- Editais e afins). Isso não quer dizer que não haja bons curtas. Infelizmente, muitos deles jamais sairão do –mortal- anonimato. Curta-metragistas existem e fazem existir seus curtas, (a maioria, na minha humilde opinião de cineasta há 45 anos, uma merda). O que não existe é a seriedade da sociedade gestora desse segmento importante à proliferação de curtas. Aliás, impreterível à formação de novos cineastas, de qualquer bitola.

Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral? 
Nem os longas têm o espaço que merecem, imagine os curtas. Atualmente, os críticos de cinema, jovens e com um olhar menos antropofágico, mantém um bom índice de aceitação ao atual formato intelectual para com os novos diretores de curtas. Acreditam os críticos especializados numa metamorfose celulóidica através dos curta-metragistas em ascensão e de seus valiosos produtos.

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Como se tem feito. Inicialmente em salas de cineclubes, projeções extra-particulares em salas para mais de quarenta pessoas, nas universidades, e, claro, nos Festivais. Estimular e seduzir através de curtas, de toda espécie artístico-intelectual um publico jovem, eis o código. Nos anos 70, obrigados pela lei, os exibidores produziam eles mesmos, criminosamente- curtas de baixíssimo nível, com o propósito de desestimular o público a aceitar os curtas como formação de futuros espectadores. A lei da obrigatoriedade caiu. O cinema foi junto. Quem comanda com o cinema nacional é o cinema internacional (americano). Vive-se com pires na mão, ajoelhados diante os distribuidores/exibidores alienígenas (cuja diretoria é brasileira) para exibir qualquer produção nacional que não faça parte de seu monopolizado sistema agressor.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Cineasta só de curta será sempre um cineasta frustrado. Mal comparando, nenhum jogador de futebol, de qualquer clube pequeno, deixará de sonhar com um time grande e com a seleção. Nenhum cineasta americano de curtas (país onde se exalta e se respeita esse tipo de trabalho audiovisual) deixará de almejar um Oscar e, à continuidade, adentrar no mundo dos longas. O fascínio existe e é equacionado pelo tempo e pelo talento de cada curta-metragista. Impossível viver no Brasil (comercialmente falando) só de curtas. Mas como quase todo mundo pode comprar uma câmera digital, logo se achando um Fritz Lang com os super poderes de um Spielberg, e ainda mais atribuindo-se o milagre da câmera na mão uma idéia na cabeça e alguns trocados do papai no bolso ou na bolsa Victor Hugo (legítima), se transformam num piscar de olhos num cineasta. Equívoco. Inicia-se pelas bases como em qualquer outra profissão, esse é o lema. O cinema é uma profissão, só que diferenciada, pois agrega o físico, o intelectual e o espiritual.

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
O atual cineasta brasileiro salve algumas pouquíssimas exceções não se incomoda com o curta, apesar de saboreá-lo em doses mínimas. O que está em questão é a grana que provirá através de maracutaias, e não à qualidade de seu filme, mesmo que não dê retorno financeiro já está pago antes de iniciá-lo. É bom lembrar, caro Rafa, que o cinema, antes de qualquer coisa, é em primeiro lugar, é um extra-produto de origem financeira, e que deve pertencer ao quadro da arte comercial, ou seja, ele deve, na lógica urbano-ocidental atrair o máximo de pessoas pagantes. Um filme intimista, culturalista, abstratista, ou qualquer lista, ou seja, filmes herméticos, intimistas e pessoais podem e devem ser fomentados, contanto que sejam realizados (no universo da quimera) com o dinheiro do bolso de quem os produz. Todo cineasta é um curta-metragista apesar dele, pois os fotogramas, cada qual, individualmente, é um curta, juntados, metamorfoseiam-se em médias, longas, ou bíblicos.

Você trabalhou em vários curtas. Como é o seu processo de trabalho neste formato? Difere muito quando trabalha com longas?
Sou um apaixonado por curtas. Eles contribuem à minha convivência existencial celulóidica. Dizer num pequenino espaço de tempo audiovisual muita coisa, é a arte mais construtiva e inteligente que podemos estimular. Poemas de Verlaine ou de Rimbaud, por exemplo, elastecem, através de suas poucas parábolas, toda uma existência, seja ela aflitiva ou prazenteira.

Pensa em dirigir um curta futuramente? Qual é o seu próximo projeto?
Dirijo curtas desde que me conheço por cineasta. Já ganhei dois prêmios internacionais com meus curtas, esses, realizados nos idos de sessenta na França e na Suíça. Os curtas são minha paixão primeira. Aprendo com cada take. É uma lição que transporto para os meus longas. Meu próximo curta, "Eu por mim Mesmo", autobiográfico e visceral, falará de um Mossy diferente do Mossy até aqui apresentado à humanidade brasileira. Mais intelectualizado, mais tolerante consigo mesmo, mais antropológico às questões da condição humana, mas não menos libidinoso. (risos)

Para o ‘Canal Brasil’, numa matéria sobre a política e o cinema nacional, saí com essa: “O Cinema Brasileiro não é -no momento- melhor do que o Congresso Nacional e sua vizinhança politiqueira. Então, não lhe cabe se prestar à palmatória cultural do país. Mudem o sistema financeiro anárquico e ganancioso que comanda com o jogo existencial brasileiro, o cinema mudará também”.