sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Os Trapalhões: José Joffily


José Joffily
Roteirista


Você trabalhou como co-roteirista no filme A Filha dos Trapalhões. Como e por quem recebeu o convite para trabalhar nesse filme? Como foi a experiência?
Já lá se vão quase trinta anos. Não me lembro de detalhes. Eu tinha cometido um livro de poemas na época; e a Denise Fontoura, editora do filme, tinha mostrado um exemplar para eles. Acho que eles gostaram e convidaram-me para mexer nos diálogos. Fiquei surpreso com o convite; mas, quando meu trabalho começou, as filmagens já estavam para começar.

O roteiro de A Filha dos Trapalhões é baseado no filme O Garoto, de Charles Chaplin, um dos maiores ídolos do Renato Aragão. Esse roteiro foi uma forma de homenageá-lo?
Tudo sugere que seja uma homenagem, mas meu convite era restrito a dar palpites sobre a estrutura de um roteiro que já existia e escrever novos diálogos.

Você dividiu o roteiro com o Renato Aragão. Como foi a parceira?
Sequer encontrei o Renato. Meu contato foi com o Dedé Santana. Foi legal, trabalhei lá mesmo na produtora. Era engraçado, ficava isolado numa sala; e, de vez em quando, vinha o Dedé espiar o que eu estava fazendo. Havia uma natural ansiedade, pois a preparação das filmagens já estava a todo vapor. O Dedé vinha, lia o que tinha de novidade, balançava a cabeça concordando e saía de novo. Dez minutos depois, ele voltava. É claro que pouca coisa estava acrescentada, mas ele repetia as entradas a cada dez ou quinze minutos.

Quais as recordações que possui desse trabalho?
São poucas as recordações. Já se passaram quase trinta anos. Trabalho é sempre bem-vindo, e o povo todo da produção era muito divertido. Assustavam-me um pouco aquelas mexidas no roteiro em cima da hora. Também sou produtor e sei o transtorno que alterações de última hora provocam no plano de filmagem. Lembro que o pessoal da produção também ficava aflito que eu mudasse estruturas, acrescentasse locações, inventasse novos personagens. Eles também vinham na sala em que eu estava trancado, perguntavam pelas alterações que já pudessem ir produzindo. Era entre o engraçado e o aflitivo. Acho que eu talvez achasse graça de nervoso.

Que representava, naquele período, trabalhar num filme com Os Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
O filme em si era sempre um sucesso, mas acho que para os colaboradores não trazia qualquer benefício. Talvez até ao contrário, havia um preconceito bem grande da classe cinematográfica; e os profissionais que prestavam serviços aos filmes dos Trapalhões não eram prestigiados por isso. Mais adiante, as coisas mudaram, quando o Carlos Manga, o Roberto Farias e o Daniel Filho foram convidados para dirigir os filmes.

Quais as suas lembranças do filme A Filha dos Trapalhões? Onde esse filme foi filmado?
Não acompanhei as filmagens, mas lembro que me surpreendia a rapidez com que tudo era realizado. O filme todo e especificamente o plano de filmagem era desenhado para atender à agenda do Renato. E foi filmado ali mesmo, perto do estúdio da R. A. Produções, na Barra da Tijuca (RJ).

Como Dedé Santana conduziu todo o processo fílmico? Como era a sintonia dele com Renato, sempre por perto?
Lembro que me causou certa surpresa o Dedé começar a dirigir os filmes. Acho que foi somente por uma temporada, uns poucos títulos. Acho que ele não tinha tanto interesse nesse comando. Antes, tinha o célebre J. B. Tanko, craque que sabia tudo para conduzir esses gênero de filme. Depois, outros diretores de reconhecidos talento e competência como o Daniel Filho, o Roberto Farias e o Manga foram convidados para conferir mais qualidade aos filmes. Acho que foi em seguida a essa leva que o José Alvarenga Júnior dirigiu muitos títulos e deu também uma qualidade mais apurada aos filmes.

Na sua opinião, como Dedé se saiu na direção do filme, já que ele não tinha experiência na direção?
Acho que tinha um modelo dentro do qual os filmes funcionavam meio no automático. Acho que o Dedé não tinha essa ambição de dirigir filmes, acho que talvez ele estivesse cumprindo uma missão num cargo que estava vacante. Claro que era uma pessoa de confiança, e isso parecia ser suficiente.

Quais as lembranças de bastidores do filme? Como foi o seu contato com o quarteto?
Não acompanhei as filmagens. Assim, tudo que sei foi o que pude perceber daquela salinha onde fiquei trabalhando. Meu contato com o quarteto não aconteceu, minha interlocução era com o Dedé e mais algumas pessoas das quais não me lembro.

Quem era o maior comediante do grupo?
Claro que o Renato era o líder incontestável. Não sei se todos concordavam com isso, mas a nossos olhos era o Renato. Os outros eram talentosos e tinham uma comunicação extraordinária com o público, mas o Renato também era o empresário. Certamente que o Renato sabia da importância do quarteto e tinha o maior apreço por eles.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Bem, acho que ele queria tudo do jeito dele, mas eu não acompanhei o Renato acompanhando...

Acredita que essa característica de Renato o torna diferente, um profissional de sucesso?
Eu diria que a graça e a ingenuidade de sua interpretação somadas ao espírito empresarial foram os ingredientes do sucesso.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Os filmes faziam sucesso e vendiam muitos ingressos. Acho que isso já indispunha uns e outros. O humor dos Trapalhões era bem popular e brasileiro, o que também devia incomodar. Convidando diretores de prestígio, acho que procuraram construir um prestígio que não tinham junto à Academia. De fato, os filmes ficaram melhores; mas não sei se isso também pesou para ser o começo do fim.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Um cinema que não se faz mais. Um tipo de humor que hoje só se encontra nos circos.

Gostaria que contasse alguma curiosidade sobre esse filme, já que foi testemunha ocular desse projeto.
Num daqueles dias escrevendo dentro da sede da produtora, o diretor de produção veio me procurar com um retrato da minha caçula Isabel, que tinha acabado de nascer. O nome e o sobrenome dela estavam escritos no verso do retrato como uma candidata a ser o bebê personagem do filme. Surpreendido, ele veio tirar a limpo. Quando perguntei como ele tinha conseguido a foto, soube que a foto tinha sido encaminhada por uma agência de modelos infantis em Copacabana (RJ). Sabendo da “roubada”, eu disse que era um equívoco; e só mais tarde descobri que a sogra/avó coruja tinha procurado a agência de modelos com a foto da Bel.