domingo, 1 de julho de 2018

Os Trapalhões: Vanusa


Vanusa
Atriz, cantora


Pouca gente sabe dessa faceta na sua carreira, até porque a memória é muito fugidia: você integrou Os Adoráveis Trapalhões, na TV Excelsior. Como que aconteceu e em que circunstâncias aconteceu isso na sua vida?
Para mim, é muito legal falar sobre isso. Porque foi um momento de muita importância na minha carreira. Eu havia começado a cantar há muito pouco tempo. Eu era loirinha. Tinha uma franja, essa franja que uso sempre. O Wilton Franco estava passando no corredor. Ele me viu, chegou para mim e perguntou: “Você gostaria de aprender luta, karatê, judô etc.?” Eu fiquei olhando para ele. Bom, eu tinha dezenove para vinte anos e quis saber: “Por quê?” Ele, então, falou: “Porque eu queria te convidar para você participar de um programa.” Aí, eu falei: “Olha, está vendo aquele senhor ali? É o meu pai, vai lá falar com ele, conversa com ele.” Ele foi, conversou com o meu pai. E o negócio era o seguinte: havia o Telecatch na Excelsior, e o astro era o Ted Boy Marino. E, quando o Wilton Franco fez Os Adoráveis Trapalhões, era o Renato, o Ted Boy Marino, o Wanderley Cardoso.

Ivon Curi
Ivon Curi. Eu acho que o Ivon Curi entrou depois do Ted Boy Marino. Porque o Telecatch foi para a Globo, e o Ted Boy saiu. Aí, entrou o Ivon Curi. E eu fui convidada porque o Wilton Franco achou que eu era loirinha. Eu tinha o cabelo com aquela franja, o que me assemelhava ao Ted Boy Marino. Então, o Wilton conversou com o meu pai e ficou tudo acertado. E eu passei três meses no Rio de Janeiro, aprendendo judô, karatê, jiu-jitsu. Aprendi só bater. Não aprendi apanhar, né? Aprendi como cair no chão e tal. E aí eu fui inserida nesse contexto dos Trapalhões. E conheci o Renato Aragão, o Wanderley Cardoso, o Ivon Curi. E foi uma experiência fantástica, porque eu lembro que eu era tão tão imatura. No primeiro dia, quase todo o programa eu fiquei escondida. Era um navio. Metade estava virada para o público. Eles estavam enfrentando piratas. E eu ficava lá dentro. Aí, os piratas entravam. No final, eu apareci e comecei a lutar. Nem sei se tenho foto dessa época, porque as coisas vão se perdendo. Tem bastante tempo. O programa era ao vivo, a gente fazia tudo ao vivo. Não tinha repeteco. Então, entrava e ia do começo ao fim. A convivência da gente era maravilhosa. Os ensaios eram mais divertidos do que o programa, porque nos ensaios o Renato falava o que queria, botava um caco aqui, botava um palavrão ali. A gente se divertia muito. Tornamo-nos muito amigos. Infelizmente, o programa não durou muito... Acho que o Ivon Curi quis sair. Parece que foi esse o motivo. Mas eu fiquei conhecida como a cantora e lutadora de telecatch. Nesse meio tempo, fui convidada pela RCA Victor para gravar um compacto. Eu gravei. E estourou, por causa do programa. Estourou a minha música “Pra Nunca Mais Chorar”, que foi a primeira gravação que eu fiz. Quando acabou o programa, eu senti muito, eu chorei muito. Acho que aprendi muito com o Renato Aragão. Aprendi a arte de falar coisas engraçadas, de ser engraçada. O Ivon era uma pessoa maravilhosa, de um talento incrível... E o Wanderley era uma pessoa fantástica também. A gente se juntava e formava um todo. Foi muito legal essa participação. Eu coloco assim: a minha carreira deslanchou por causa dos Trapalhões, embora tenha sido um pouco difícil depois desvencilhar-me da imagem de lutadora de telecatch. Mas aí veio o primeiro LP; depois, o segundo... Então, minha carreira deslanchou. Mas acho que o meu grande start foram Os Trapalhões.

E você teve a oportunidade de ver depois a outra formação, que é a clássica, com Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Dá para fazer uma analogia entre a formação de Os Adoráveis Trapalhões com essa?
Olha, eu acho que a diferença era que, por exemplo, o Mussum era componente de um grupo, Os Originais do Samba. E aí o Renato despertou nele esse lado cômico, porque ele era muito engraçado. O Zacarias já era um cômico, já era um artista, já tinha uma história. Então, eu acho que eles trabalharam como a gente trabalhava na época, porque o Renato Aragão é uma pessoa extremamente carinhosa. No dia a dia, ele é muito alegre, muito engraçado. Ele não é assim só na hora que liga a câmera. Nos ensaios, a gente chorava de dar risada com o Renato Aragão. Então, eu acho que o meu primeiro insight de fazer teatro e de fazer qualquer outra coisa, como encenar um pouco as músicas, começou, na verdade, com Os Trapalhões.

Eu entrevistei a Monique Lafond. Ela fez alguns filmes com Os Trapalhões. E, no último convite que recebeu, ela recusou, porque ficou com medo de ser conhecida como uma “trapalhona”. Essa questão de ser umTrapalhão... Você acha que isso poderia prejudicar sua carreira?
Não, não. Na época, eu nem tinha consciência de que isso poderia acontecer. Também não fiquei sabendo dessa história da Monique. Eu adorei o período em que a gente fez os programas de televisão. Era um programa semanal. Gravávamos uma semana no Rio, outra em São Paulo, outra no Rio... Era muito divertido viajar para o Rio. Eu estava começando a carreira. Não conhecia o Rio de Janeiro. Então, eu ia. Participava do programa e voltava. Na semana seguinte, fazia o programa aqui. Eu não tinha essa preocupação de ser conhecida, marcada, porque na minha cabeça aquele programa não ia acabar nunca, eu jamais sairia. Entendeu? Porque eu adorava. E eles passaram a ser como se fossem pessoas da minha família. Porque a gente convivia, a gente ensaiava um dia inteiro. No dia, a gente só chegava, arrumava-se, dava uma repassada no texto, entrava e fazia... E, por mais que alguém errasse, tinha o Didi para botar um caco. Tinha o Ivon. Então, tudo corria muito harmonicamente. E o Wilton Franco... Não posso deixar de falar: o Wilton foi um grande mestre para mim, um grande mestre. E eu devo a ele essa participação, que foi fantástica. Eu adorava. Quando o

Renato foi para a Globo... Eu amava eles juntos... o Renato, o Zacarias, o Mussum e o Dedé...

Vocês mantiveram contato?
Não, não, mas eu fazia sempre o programa deles cantando. E, aí, cada vez que eu ia cantar, o Renato montava um esquete. Ele fazia mil malabarismos, mil coisas engraçadas durante a música. Outro dia, eu vi no YouTube um vídeo em que aparecem o Renato e o Zacarias vestidos de mulher e fazendo mil palhaçadas. Então, surge o carteiro e entrega uma carta. Enquanto isso, eu estou cantando: “Quando o carteiro...” Dei muita risada, ao ver isso. Eu nem me lembrava mais dessa cena. Porque foram inúmeros esquetes. Eu amava aquilo. Tenho o maior carinho pelo Renato Aragão, pelo Wanderley Cardoso. Ele foi o meu namorado, meu primeiro namorado. Conheci o Ivon. Para mim, foi uma grande oportunidade na carreira, foi também uma grande oportunidade de conhecer pessoas fantásticas como o Renato Aragão. Depois, quando o vi fazendo sucesso de novo com outro formato na Globo... Sempre que podia, eu assistia ao programa, porque sou a maior fã do Renato. Adoro! Fiquei muito triste, com a partida do Mussum. Você vê que, até hoje, as pessoas falam “cacildis”. Ele marcou muito, porque ele era muito engraçado. O Zacarias também. Então, eu curtia muito. Quando eu ia fazer o programa, era uma festa. Eu chegava lá, eles faziam a maior festa, a maior festa. Era muito legal! Eu sinto muita falta deles.

E por que músico tem tanta facilidade assim para interpretar, trabalhar em televisão e cinema?
Eu não sei. Nem sei se eu sabia disso na época, sabe? Eu não sabia que eu podia ser engraçada. Eu não sabia que eu podia interpretar. Mas o Wilton era um tremendo diretor e ia dando as dicas para mim. Porque eu estava muito crua, né? Eu estreei muito crua. Mas o impacto foi uma mulher loira parecida... quer dizer, com um cabelo parecido com o do Ted Boy Marino. E ela entrava no lugar dele, num programa em que ele batia em todo mundo. Bem, Os Trapalhões não batiam em ninguém, só faziam trapalhadas. E eu não tinha a menor ideia de como isso ia caminhar, mas foi um grande destaque na minha carreira.

Uma coisa que eu queria entender é o seguinte: por que você não fez cinema com Os Trapalhões?
Porque eu nunca recebi o convite. Talvez até porque, quando eles começaram a engrenar um filme atrás do outro, eu estava trabalhando muito. Foi quando deu o boom na minha carreira; e, aí, eu viajava muito. Bem, a produção nunca me procurou. Se me procurasse... Eu lembro que uma vez a Globo passou um filme do Renato. Eu assisti e achei o máximo. Eu falei: “Poxa! Por que que ele nunca me chamou?” Eu não sei a razão, mas penso tenha sido isso. Eu tinha minha agenda, e eles tinham... Você sabe que filme demanda muito tempo, né? Então, eu acho que foi isso. Lembro que, sempre que começavam um filme, chamavam algum famoso do momento para participar. E eu nunca fui chamada, e não sei a razão.

Eles tinham essa característica de chamar a celebridade do momento, tanto músico quanto artistas: Sérgio Mallandro, Angélica, Monique Lafond, Sílvia Salgado... Você construiu uma carreira fantástica com a música. Foram milhões de discos vendidos, uma reputação consolidada, mas vendo no que Os Trapalhões se transformaram e no que você se transformou, você optou pelo caminho correto da música? Você também poderia ter sido uma “trapalhona” e ficar com eles até o fim?
Por mim, eu ficaria sempre. Só saí, porque o programa acabou simplesmente; e, como eu tinha lançado o meu primeiro compacto, fui trabalhar o meu lado cantora. Fui trabalhar a música. E, quando eles ressurgiram na Globo, já era outro esquema, outra fórmula. E não caberia uma cantora. Mas eu tenho que ser eternamente grata ao Wilton Franco, ao Renato, a todo mundo que participou, ao Wanderley e ao Ivon Curi. Porque foi uma experiência maravilhosa. É um orgulho para mim dizer que eu fiz parte desse quarteto.