Antonio Leão é um abnegado pesquisador. Escreveu diversos livros sobre cinema que são referências no gênero, como o ‘Dicionário de Curtas e Médias’.
Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
Importância histórica e fundamental. No início das atividades cinematográficas no Brasil, em 1897, e durante dez anos, só produzimos curtas. O primeiro longa brasileiro foi produzido em 1908 (Os Estranguladores). Todos os grandes cineastas, com raríssimas exceções começaram no curta-metragem, que é a escola de todo principiante. É no curta que o cineasta vai aprender enquadramento, domínio do equipamento, luz, etc. Humberto Mauro dirigiu mais de 300 filmes, mas seus longas não chegam a 10 e todo mundo só fala dos longas, por isso, em meu dicionário de curtas, fiz questão de colocar sua filmografia completa, do primeiro ao último filme.
Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Justamente porque a mídia só se preocupa com os longas, que é o que dá retorno, sinto isso nos meus dicionários, o de longas foi super paparicado pela mídia, sucesso comercial, o de curtas, menos, e põe menos nisso. Os festivais de cinema, hoje em profusão no Brasil, estão ajudando muito a divulgar o curta-metragem. A história está mudando, mas muito a passos lentos. A Zita Carvalhosa faz um trabalho maravilhoso de divulgação do curta-metragem, através do Festival Internacional de Curtas Metragens de São Paulo e das Oficinas Kinoforum, um exemplo a seguir.
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
É duro dizer isso, mas não vejo outra saída a não ser a obrigatoriedade de exibição dos curtas novamente, como era nos anos 70/80 e não só nos cinemas mas na televisão também. Talvez com outras, regulamentos, algo que pudesse garantir um padrão mínimo de qualidade. Programas tipo 'Zoom' da TV Cultura são fundamentais. O Canal Brasil também exibe bastante curta, e para por aí. Então é muito pouco, o público em geral não conhece o curta-metragem brasileiro, a maioria nem sabe que existe isso. E o curta é uma delícia de ver, são histórias enxutas, que passam sua mensagem, etc..
Quais os cineastas brasileiros que contribuíram para a consolidação do curta-metragem?
Já citei o Humberto Mauro, nos anos 30/40, David Neves nos anos 60/70. No cinema recente podemos citar cineastas importantes do curta-metragem como Jorge Furtado do Sul, Francisco Cesar Filho, o Chiquinho de São Paulo, na UFF do Rio de Janeiro tem um pessoal maravilhoso fazendo curta também, enfim, poderia escrever dezenas de nomes aqui, de gabarito, cineastas inclusive que não querem sair do curta-metragem!
Na sua opinião, quais são os melhores curtas feitos no Brasil?
Sempre é difícil escalar os melhores, porque aí entra o gosto pessoal, cada um vê cinema de uma forma, mas posso citar alguns que eu gosto particularmente como 'Aruanda', 'Couro de Gato', 'Memória do Cangaço', 'Esta Rua Tão Augusta', 'Ilha das Flores', 'Rota de Colisão', etc, etc e etc..., tanto que coloquei alguns deles na capa do meu dicionário. Mas tem muita coisa boa já feita e sendo feita. A cada festival nos surpreendemos com a qualidade, de padrão internacional. Nosso cinema hoje está tecnicamente em igualdade com o cinema mundial, falta a grana, que lá tem de sobra, mas nossos técnicos não ficam devendo nada aos estrangeiros. Bota dinheiro na mão de um cineasta brasileiro e você vai ver o resultado.
Como teve início sua relação com o cinema e sua atividade de colecionador?
Comecei nos anos 60 nas cabinas de cinema, vendo os projetores funcionarem e colecionando fotogramas e pedaços de carvão dos projetores. Depois comecei a fazer projetores com caixa de sapato e lentes de óculos ‘roubado’ do avô. Meu primeiro projetor foi um Barlan, ou Barlanzinho como chamávamos. Era de plástico, com uma lâmpada de cozinha e projetava apenas dois quadros. Os filmes eram feitos em papel vegetal. Com 14 anos ganhei do meu pai um projetor alemão 16mm mudo e assim por diante. Hoje tenho acervo com mais de 500 cópias de filmes brasileiros.
Como se dá o desenvolvimento cotidiano desta atividade? Onde e como adquire os filmes? Há ocasiões de filmes mais difíceis ou fáceis de adquirir? Há casos excepcionais ou extraordinários de aquisição?
A atividade de colecionador de filmes é ‘marginal’, no bom sentido, pois não temos os direitos dos filmes que conseguimos, então a exibição tem que ser sempre gratuita, sem fins lucrativos. Sim, como toda peça de coleção, existem filmes fáceis e difíceis. Fico impossibilitado de citar títulos pelos motivos acima, mas me arrisco a comentar o caso do Carlão (Reichenbach) em que encontramos numa feira de antiguidades seu primeiro longa-metragem, ‘Corrida em Busca do Amor’, dado como perdido. O fato teve grande repercussão na mídia. Também fizemos uma exibição pública do filme no auditório da 2001 Vídeo, com a presença do diretor.
Que cuidados tem com a sua coleção? Tem o hábito de rever os filmes de sua coleção? Como se sente em revê-los? Você tem o hábito de exibi-los para outros?
Os cuidados são muitos, os filmes tem que estar em locais climatizados, longe de mofo e umidade, periodicamente tem que ser arejados e hidratados, etc. Sim sempre revejo filmes da coleção, principalmente aqueles que gosto mais. Nós dirigimos o Cineclube Ipiranga há 15 anos e tempos um espaço na Biblioteca Municipal Roberto Santos, também no Ipiranga, onde todos os sábados são exibidos filmes em 16mm fora de circulação, com ênfase aos que não foram lançados em vídeo ou DVD.
O que mais lhe motiva a colecionar filmes? Qual é o sentimento de adquirir um filme muito desejado?
Eu coleciono filmes desde 1969 quando tinha 12 anos. Isso é uma paixão. Hoje, com o advento do vhs e dvd, muitos colecionadores venderam seus acervos e migraram para as novas mídias. Eu sou um dos teimosos que teimo em continuar. Hoje me interesso mais por documentários brasileiros do que por longas de ficção. Hoje também está difícil conseguir títulos novos, mas quando acontece, é sempre uma alegria muito grande.
Há obras preferidas em sua coleção? Alguma da qual jamais se desfazeria? Você se desfaz de filmes em vendas, trocas ou doações? Há algum filme raro ou importante?
Como disse, fica complicado mencionar títulos. Prefiro declinar. Os filmes que gosto e que fazem parte do meu acervo são inegociáveis, mas é comum adquirir lotes e negociar, principalmente trocar o que não interessa por outros de meu interesse. Doações é difícil, pois que tenho foi comprado, nunca ninguém me deu nada.
Qual é a importância da figura do colecionador no Brasil? Em que ajuda o colecionador?
O colecionador de filmes 16mm sempre foi marginalizado, principalmente por produtores brasileiros, que nos viam como inimigos, ou algo assim. Tivemos muitos problemas em outras épocas. Mas hoje existe um entendimento que viemos para somar, tanto que somos reconhecimentos como entidade importante de preservação na própria Cinemateca Brasileira e do MAM. A prova disso é que fui convidado a representar os colecionadores no encontro dos acervos ocorrido em Ouro Preto em junho. O colecionador consegue filmes importantes e os conserva. Quando sei que um filme está perdido, eu deposito na cinemateca, mas nem todos fazem isso.
Qual você acredita ser a importância de preservar registros e imagens?
Existe um país sem memória? Essa é a questão. Só que preservar a memória custa dinheiro e não rende votos, então não existe interesse dos governos em investir nisso. Agora parece que as coisas estão mudando, mas, por causa dessa mentalidade mesquinha e retrógrada, 97% da produção da fase muda brasileira, até 1930, está perdida, mas os produtores também foram culpados, a maioria deles nunca se preocupou com isso, fazem o filme, lançam no cinema, ganham seu dinheiro e depois esquecem do filme e partem pra outro. E aquela matriz fica perdida. Quando os produtores começaram a depositar as matrizes na Cinemateca Brasileira, começamos a ter um controle maior. Eu acho que o fomento de cinema no Brasil deveria designar uma porcentagem do valor captado para preservação.
Você foi um dos fundadores da Associação Brasileira de Colecionadores de Filmes em 16 mm. Quais os interesses, desejos e motivações desta organização? Quantos membros tem, e quais os seus rituais e eventuais encontros?
Fundamos a ABCF em 1992, com o intuito de reunir colecionadores de todo o Brasil. Chegamos a ter mais de 100 membros e acervo de 5000 cópias, vale explicar que o acervo fica com o colecionador e não com a Associação, apenas catalogamos. Mas com o advento do dvd, nossa função se esvaziou. Hoje não chegamos a 20, mas continuamos perseverantes.
Você escreveu alguns livros sobre cinema, dentre eles “Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro”, “Dicionário de Filmes Brasileiros” e uma biografia sobre Ary Fernandes. O que lhe motivou a escrevê-los? O que pode contar sobre as ocasiões de feitura e lançamento destes livros?
Sempre gostei de Cinema Brasileiro. A falta de informações sobre o assunto me motivou a fazer um fichário, tipo Kardex (comum nos anos 70) com todas as fichas dos filmes e biografia dos atores. Depois de colecionar 3000 fichas, resolvi transformar isso num livro. Assim nasceu meu primeiro livro. Depois vieram os dicionários, tudo meio que na seqüência, um livro puxando o outro. A biografia do Ary foi uma coisa de paixão mesmo, porque eu tenho verdadeira adoração pela série ‘Vigilante Rodoviário’. E Ary é seu expoente máximo, como produtor e diretor da série. Então fazer o livro foi muito gratificante, algo difícil de mensurar. Dia 28/10 vai saiu meu quinto livro, a biografia do cineasta Miguel Borges também pela Aplauso e em 2009 devo reeditar meu dicionário de longas, parado em 2002.
Qual é o seu próximo projeto?
Acabei de lançar a biografia do cineasta Miguel Borges, que também dirigiu curtas importantes, para a coleção Aplauso. Em 2009 devo reeditar meu dicionário de longas.