Paulo trabalhou por muitos anos na revista ‘Istoé’, onde assinava a charge da semana com o título Avenida Brasil, que tratava principalmente de aspectos da política brasileira.
O cartunista tem um grande poder de síntese porque ele tem que passar um recado, uma mensagem em poucas linhas, em um desenho, e cineastas, especialmente os que trabalham com curta-metragem também. Então há uma analogia, você acha que é parecida a linguagem de um curta para um desenho, um cartum?
A história em quadrinhos na verdade é um cinema que se passa na cabeça do leitor, quando você vê, eu vi até uma tirinha do Laerte agora, que é exemplar, que é uma galinha lendo um livro com um óculos, um livro de idéias, de repente ela tem um sobressalto, aquele óculos pula da cara dela, quando ela sai do ninho, ela deu a luz a uma lâmpada. Então essa animação em três quadros você, quando lê, você realiza toda historia e a montagem na sua cabeça. Então a isso se explica um pouco o sucesso de alguns desenhos e tiras publicadas e não das animações, porque o leitor é capaz de realizar todo o processo industrial do cinema na sua cabeça, enquanto que para você realizar um desenho animado com a mesma versatilidade, expressão, entonação, dinâmica que o leitor tem é preciso um puta de um cineasta, então é uma analogia, mas é também uma diferença que as duas linguagens.
Recentemente vimos o Angeli, que teve o ‘Woood & Stock’, entrevistei recentemente o Laerte, o filho dele também fez um curta sobre as tirinhas dele, tem o Mutarelli. Você pensa em transferir esses desenhos, animar esses desenhos, dar vida a esses desenhos, talvez um curta-metragem?
Eu não penso não, inclusive porque primeiro eu não tenho um personagem, eu acho que o personagem facilita muito você criar o desenho animado, eu já criei algumas personagens, por exemplo, eu fiz uma história uma vez do Capitão Bandeira que foi uma das primeiras histórias em quadrinhos de um personagem brasileiro, só que uma gráfica nova do que a gente consegue hoje, e junto com a roteirista, o argumentista, e eu senti muito isso, quer dizer, tanto ele como eu, a medida que nós criamos o personagem, que ele adquire vida, ele tem vida própria e ai você começa a ser escravo dele, ele começa a te exigir coisas e você não consegue imputar nele coisas que não sejam da personalidade dele. Essa eu acho que é uma diferença que meu trabalho como chargista político não me permite, são todos personagens de vida pública, para você fazer uma animação disso é uma coisa complicadíssima porque ele vai exigir muito de um diretor de animação para fazer. Agora quando você cria o boneco, que ai é fácil concebê-lo e movimentá-lo que aí é maior.
Eu acho sim que esses trabalhos que estão acontecendo hoje em dia, do Laerte, são trabalhos evidentemente conseqüência da penetração que os personagens deles tiveram. Eu tenho alguns roteiros aqui de alguns estudantes que me propuseram fazer animações dos meus desenhos, quando eu fazia historia em quadrinhos também, “Mil e uma Noites” que vai sair agora uma coletânea, são muito pertinentes, mas é outro trabalho, eu não tenho essa pretensão de fazer animação do meu trabalho, meu trabalho para mim, enquanto o cara tiver mesmo aquele cinema que passa na cabeça do leitor, eu acho que estou bem assim não precisa entrar em conflito com o roteirista, iluminador, desenhista que é sempre uma coisa que me auto-satisfaça.
Você é um espectador de curtas?
Eu sou indiretamente, meu filho fez FAAP e se formou em cinema e tem dois ou três curtas aí e está participando de festivais, então em função disso eu tenho aprendido alguma coisa, por exemplo, eu vi agora uma seqüência que foi feita com animação, uns caras andando de skate nos EUA e sem o skate, o cara sem o skate faz uma coisa em cromaqui e o skate tem uma cor tal que você permite pelo fotoshop eliminá-lo, pelo computador eliminá-lo. Então é um trabalho de animação revolucionário que esta acontecendo, então eu estou um pouco por dentro disso, muito em função da evolução da espécie, meu filho que é cineasta vai me trazendo as informações. Outra coisa que eu vi recentemente, o ‘Borat’, que é aquele cara politicamente incorreto, chega a ser patético, uma coisa que na minha geração seria inconcebível porque a gente tem essa origem política ideológica em função dos anos que nós vivemos, da ditadura, da repressão inclusive. Então brincar com algumas coisas para gente é inadmissível, no entanto essa juventude tem essa liberdade, então eu estou informado mais ou menos, mas através muito da informação que os jovens me trazem.
Qual você acha que é o grande barato de um curta- metragem?
Eu me lembro de um trabalho de um cartunista também que era o Redi, que foi fantástico isso, porque é inimaginável. O Redi teve um infarto, morreu, foi descoberto aqui no Rio de Janeiro dias depois, e foi uma comoção muito grande, o cara na faixa dos 50 anos por ai, e ele tinha participado de um filme dos anos 60, na época do Pasquim, em que ele como personagem, era um estressado jogador da bolsa, inclusive morria no meio da rua e ninguém socorria, e as pessoas passam por cima dele. Tem uma hora que ele se toca e vai embora, eu tenho que fazer alguma coisa, então vai no orelhão, bota as fixas no orelhão e liga para os amigos, os amigos no Rio de Janeiro são todos ocupados em se divertir, ninguém tinha tempo para ele enquanto cadáver, morto no meio da rua e coisa do tipo e tal, e fala: Pô meu, mais que drama, pô meu, então faz assim, me liga na segunda-feira a gente vê isso aí. Então tá, então vou resolver sozinho, ele pega vai numa funerária, compra o caixão, escolhe o caixão dele inclusive, e o cara fala assim você financia, pode fazer em três vezes, é para o seu pai? Não é pra mim mesmo, então tem que ser a vista. Então ele vai, sai com o caixão e fica pensando primeiro em pegar um táxi, ai você vê a dificuldade do cara em pegar o táxi com o caixão de defunto assim como hoje alguns paraplégicos, falando sobre inclusão dos deficientes, vai pegar o táxi de cadeira de rodas, ninguém pára, ninguém socorre, o cara cai no meio da rua você passa por cima dele, você está ocupado par outras coisas, a desumanidade que a gente esta vivendo é uma coisa inerente a nossa condição. Aí ele pega e não consegue, ai ele passa o caixão por baixo, desolado, de repente as pessoas batucando, chama ele para tomar um chope ai ele vai se animando, começa a batucar em cima do caixão e vira para o garçom: Garçom mais uma aqui hoje, que eu quero beber até viver. Aí eu vi esse curta na frente da mãe dele, viúva, a mãe do filho morto, ela com 90 anos de idade, vendo o filme, o filho vivo, então essa capacidade que o curta tem primeiro prender o leitor, segundo, ser significante, terceiro, tornar o cara eterno, porque quem participa do curta é eterno, é eternizado.