José Adalto teve passagem importante na Boca do Lixo, lá produziu diversos filmes que marcaram a cinematografia do período. Hoje empenha-se em construir o Museu do Cinema Brasileiro, em Altinópolis.
Qual é a importância histórica do curta-metragem no cinema nacional?
Historicamente, lá no início, o cinema era elaborado como curta. Mais que isso, documentários. Os famosos filmes “naturais”. O curta possibilita ao realizador, primeiro, ter uma percepção de mercado, preparar-se para “pegar” o longa. Depois, e acho o mais importante, é que o curta é uma forja de cineastas. Especificamente o de ficção, tem uma vantagem extra: põe à prova a capacidade de compilação para se contar uma história.
Qual é a avaliação que vocês faz dos curtas produzidos na região da Boca do Lixo?
A Boca praticamente não produziu curtas. Houve um “boom” entre 78 e 80, ocasião em que vigorou a famosa Lei do Curta. Foi aí que entrei no mercado profissional como produtor e diretor. No período produzi e/ou dirigi 10 curtas, cheguei a ganhar algum dinheiro com isso, e fui alavancado para o longa. Aliás Rafael, acho que seria legal alguém (que pode ser você!) mexer nesta ferida. A Lei do Curta existe, mas simplesmente não é cumprida. Com alguns reparos, correções de rumo ou coisa assim, pode voltar a funcionar e colocar muita gente boa no mercado do longa. Voltando à vaca-fria: os curtas feitos pela Boca tinham caráter comercial, e fugiam, da pureza, da quebra de linguagem, da inovação do curta puro.
Como é trabalhar com a síntese no curta-metragem?
Como disse, a síntese, o poder de compilação, é a grande sacada do curta. Se você consegue contar uma história com começo, meio e fim em até 15 minutos, está dando um grande passo para fazer longas melhor elaborados no que diz respeito à ritmo, a balanço, a movimento.
Acha que é possível um cineasta trabalhar só com curta-metragem?
Definitivamente, não. No Brasil não é segredo para ninguém que até o longa não funciona como meio de vida para a maioria dos profissionais, que só se movimentam pelo amor à arte. Não existe mercado de curta-metragem no Brasil, a não ser uma Mostra aqui, um Festival ali, um evento, uma tevê educativa. Na verdade, um curta pode dar mais visibilidade – ainda assim só no meio – do que dinheiro.
Acredita que, atualmente, o curta-metragem rompe com os cânones do cinema? Só através dos curtas dá para experimentar, inovar e romper barreiras?
Uma vez que o realizador (diretor, produtor, roteirista, fotógrafo) não tem compromisso com o mercado, pode se dar ao luxo – e faz isso – de dar asas à imaginação. Um curta é um desafio sempre. Um tentador desafio. Por definição chamam de “amador” o cara que faz curta e de “profissional” o que faz longa. Dentro desta ótica, o fato de ser “amador” é o grande barato. Como não foi feito, a princípio, para ser visto por grande público, mas sim para grupos mais fechados, não existe o mercado do “será que vai dar grana?”, “o que o público vai pensar de mim?”, “será que produtor vai gostar e continuar investindo em mim?”.
A ousadia do realizador é proporcional a seu não compromisso com a platéia. E esta situação permite que idéias inovadoras, novas experimentações venham à tona. Claro que nem todas dão certo, mas o que dá, esta aí para a gente ver aplaudir.
Pensa em filmar um curta futuramente?
Comecei no curta, Rafael. Lá pelos idos de 1970, ainda molecote, participei de Festival de Cinema em Chicago com uma proposta mais desafiadora ainda: na minha categoria só se aceitava curtíssima metragem (filme de menos de 3 minutos). E havia tema: A Condição do Homem. O filme tinha 1 minuto e meio, se chamava For Ever And Ever (Por todos os Séculos e Séculos) e tinha o ator Nery Victor como personagem principal. Com a Lei do Curta, final da década de 70, fiz 10 (8 dirigidos e produzidos por mim e 2 dirigidos por Edward Freund). Até hoje faço curtas experimentais, geralmente em vídeo. E posso te citar um dos grandes orgulhos que tenho da minha vida profissional: não fosse o curta-metragem e eu não teria em meu currículo o filme de 8 minutos, captado em 35mm Portinari, Cândido Torquatto (1903-1962). São caminhos que os curtas nos levam.
E viva o curta!!!