segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Maurice Capovilla



Maurice trabalhou na Cinemateca Brasileira, participando da organização de festivais de cinema. Representante da linha mais engajada do Cinema Novo dirigiu seu primeiro curta em 1962, ‘União’ e em 1963 fez ‘Meninos do Tietê’.

Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
O curta-metragem foi um exercício de formação para os cineastas da década de 60 que começaram a fazer cinema. O ponto de partida foi uma série de curtas que surgiram nesse período, entre os quais, "Aruanda", de Linduarte Noronha, "Arraial do Cabo" de Paulo César Saraceni e Mário Carneiro, "Couro de Gato" de Joaquim Pedro de Andrade e que culmina com "Cinco Vezes Favela", uma reunião de cinco curtas que se transforma num longa metragem. A partir daí, sempre o documentário está na origem dos currículos da maioria dos cineastas desse período.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
O Curta não é visto como um produto comercial, portanto não se exibe nas salas tradicionais e por isso não é reconhecido pela crítica. O Curta, seja documentário ou ficção, abre espaço para a experimentação e a pesquisa de linguagem, por isso, no Brasil, é identificado como um produto cultural sem valor comercial. Fora do Brasil no entanto o Curta Metragem tem o seu espaço, em mostras, festivais e na televisão.

O senhor foi representante da linha mais engajada do Cinema Novo, dirigiu o curta ‘União’. Conte como foi filmar ‘União’ seu processo de criação, produção, direção.
União foi resultado da minha militância no CPC de São Paulo. Os Centros Populares de Cultura do Rio e de São Paulo eram diferentes. No Rio era comandado pela UNE, em São Paulo pela UEE, na época dirigida pelo José Dirceu. Em São Paulo o CPC, que se reunia na Livraria Brasiliense, era constituído de três núcleos: o de teatro, artes plásticas e o de cinema. No caso do teatro era o Arena em peso com Guarnieri, Boal, Juca de Oliveira, Flávio Império e outros. O Núcleo de cinema era composto por Rudá de Andrade e eu, ambos funcionários da Cinemateca Brasileira. Nossa atuação era no Sindicato de Construção Civil onde montamos um cine-clube. A partir das reuniões do cine-clube surgiu a idéia de fazemos um filme para difundir, entre os operários, a função de um sindicato de trabalhadores. O ‘União’ na verdade é um filme didático que mostra, diante de um acidente de trabalho, a falta que faz ser sindicalizado. Utilizamos como atores um grupo de trabalhadores, filmamos em 16 mm. num prédio em construção na Avenida Paulista, cedido durante os fins de semana, pelo arquiteto da obra, Pedro Paulo de Mello Saraiva. ‘União’ era um filme amador feito por amadores. Foi exibido apenas uma vez e em seguida apreendido, apos uma greve, pelas forças de segurança que invadiram o sindicato.

Em 1963 o senhor fez ‘Meninos do Tietê’. Conte como foi filmar este curta, seu processo de criação, produção e direção.
"Meninos do Tietê" foi minha segunda experiência de realização. Fui financiado por um amigo, Victor da Cunha Rego, jornalista do Estado de São Paulo, que me proporcionou a oportunidade de filmar em 35 mm. O filme capta a vida dos meninos das favelas das margens do Rio Tietê e os confrontos que eles tinham com os soldados da PM que faziam o policiamento no local. Não considero um projeto feliz, pois a tanto câmara pesada quanto a falta do som direto, resultaram num filme um tanto forçado, sem a espontaneidade que se espera de um documentário.

Com produção de Thomas Farkas, o senhor dirigiu, em 1964, o documentário ‘Subterrâneos do futebol’. Ele pode ser considerado um curta? Se sim, como foi trabalhar neste filme?
"Subterrâneos dos Futebol" já é um média-metragem, com 30 minutos, filmado em 16mm e já em som direto. Esse filme foi realizado juntamente com outros três produzidos pelo Thomas Farkas e que são: ‘Viramundo’, de Geraldo Sarno, ‘Nossa Escola de Samba’, de Manoel Horárcio Gimenez e ‘Memõria do Cangaço’, de Paulo Gil Soares. O ‘Subterrâneos’ já era uma idéia antiga de documentar os bastidores do esporte mais popular do Brasil. Minha idéia era tentar revelar o que está por trás daquele jogo de 90 minutos, penetrar pelos bastidores daquele palco e daquela platéia para mostrar quem lucra com aquele espetáculo. O filme chega numa meia verdade. Peregrinamos com a câmera durante todo o campeonato paulista de 64 e mostramos muita coisa que nunca tinha sido objeto de um olhar documentarista fundo do poço não deu para chegar. Mas a estrutura de exploração continua funcionando cada vez melhor.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Hoje está difícil ser um cineasta de longa, no sentido da sobrevivência, quanto mais de curta. O curta sobrevive hoje, em grande quantidade de produção, graças à simplificação dos equipamentos técnicos da era digital, os editais de apoio ao curta e as escolas de cinema espalhadas por algumas capitais que estimulam a produção de curtas pelos alunos. 

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Não se pode dizer marginalizado, melhor ignorado pelos cineastas "maiores de idade". Podemos dizer que o curta está na infância do cineasta... no sentido da pureza... quando ele chega à idade madura ele pensa que o curta ficou no primeiro ano do primário. Não é bem assim. Cineastas importantes como Joris Ivens, desde a década de 20 até os anos 70, depois de ser considerado um dos mais importantes documentaristas da época, nunca deixou de realizar curtas sem prejuízo.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Quem sabe? Porque não?