segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Murilo Hauser



Diretor de cinema. Já dirigiu mais de sete curtas, entre eles "Outubro", "Entre Cão e Lobo" e "Montanhas não são Elefantes".

Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
Eu não saberia dizer a importância histórica do curta-metragem no Brasil, não sou a pessoa certa pra responder isso. Mas acho que o papel dele é muito parecido em países em que a produção de cinema é inconstante e em que a formação de profissionais não é acadêmica. Isto quer dizer que, no Brasil, especificamente, na época em que o cinema passou por sua fase mais difícil, antes das leis de incentivo, praticamente a única forma de produzir era fazendo curtas-metragens. O exemplo mais conhecido disto é o famoso ‘Ilha das Flores’ de Jorge Furtado, que conseguiu injetar vitalidade em toda uma geração de cineastas e consolidar uma linguagem de cinema, tanto que é um filme exibido e copiado até hoje. No meu caso, que não estudei cinema na faculdade, o curta-metragem serviu e serve como aprendizado e formação profissional mesmo, além de ser um campo vasto para experimentação de linguagens. Na produção de curtas metragens também é mais fácil transitar por funções diferentes, oferecendo uma visão mais completa do processo de produção de cinema, o que é absolutamente fundamental para quem quer dirigir filmes. Imagino que o meu processo de aprendizado seja muito parecido com o de muita gente que faz cinema no Brasil hoje em dia.

Por que os curtas não tem espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
A grande questão é o fato dos curtas metragens não moverem dinheiro, não gerarem nenhum tipo de lucro. Então eles não tem espaço na mídia ou nos jornais, evidentemente. O espaço de mídia é movimentado por interesses econômicos, e os curtas-metragens não se inserem neste contexto. Enquanto não houver uma maneira de distribuição consistente de curtas metragens eles nunca estarão neste circuito de jornais e revistas comerciais.Mas, pensado de outra maneira, os curtas tem cobertura sim, mas por meios alternativos. E o curta metragem sempre foi alternativo, nunca se tornou mainstream. Existem uma série de sites, blogs, revistas online e impressas que cobrem os festivais de cinema de curta metragem, que fazem entrevistas com realizadores e que discutem a produção e seu conteúdo. Afinal, você entrou em contato comigo pra fazer esta entrevista, não?

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Existem alguns programas de distribuição de curtas metragens que poderiam dar certo, como o que existiu no Brasil algum tempo atrás de exibição de curtas antes dos longas metragens, por exemplo. A Petrobrás também tem sessões de curtas nos cinemas comercias, apesar de elas não terem uma grande procura são importantes. Outra opção seria exibir filmes curtos em aviões, apesar de eu achar que este meio restringe muito o tipo de filme e as condições nas quais a pessoa pode absorver o conteúdo do filme.Ainda acho que a saída, hoje em dia, é distribuir os filme online. É possível ver um filme com qualidade de som e imagem na internet, o que falta é descobrir uma maneira disso gerar algum lucro para o realizador.

Existem alternativas legais também como o www.shortfilm.com, um site alemão no qual você pode baixar o arquivo de DVD pra gravar e ver os filmes na sua televisão, com uma qualidade melhor.

São iniciativas diferentes que movimentam os filmes, eles precisam de pessoas capazes de criar e produzir estas outras alternativas, sabe? Por exemplo, meu último curta metragem,o Silêncio e Sombras, foi visto por mais de 50.000 pessoas já - isto é muita gente! tem uma porrada de longas metragens que não chegam a 5.000 espectadores. E isso foi possível por causa de um trabalho intenso de distribuição que eu fiz, mandando pra festivais, pra mostras, cineclubes...Ele passou agora em outubro no Dia Internacional da Animação, e foi exibido, no mesmo dia, em mais de 400 cidades no Brasil - teve uma resposta incrível, muita gente entrando no site, mandando emails. Acho que sempre tem um jeito de encontrar o público certo, sabe? É só uma questão de trabalho mesmo.

É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Claro que é possível, assim como existem autores que só escrevem contos ou poesias. Não é obrigatório escrever um romance, por exemplo, para se tornar um escritor. É claro que, no cinema, por movimentar muito dinheiro e muita gente, isto se torna um pouco mais difícil - quero dizer que um contista pode lançar um livro de contos, mas um diretor dificilmente lançaria um filme para ser exibido em circuito comercial composto de vários curtas (se bem que a idéia é ótima - como o Paris Je T'aime ou agora o New York, I Love , por exemplo). A linguagem do curta é única, própria - não necessariamente uma derivação do longa metragem não. Em um curta há muito mais liberdade narrativa, por exemplo, e muito menos compromisso comercial, é claro. Isto faz com que ele seja um campo aberto para tentativas e erros, para iniciativas descentralizadoras e, muitas vezes, absolutamente originais.Eu tento sempre experimentar pelo menos em um departamento de produção de cada curta que eu produzi até hoje. Ou é na fotografia, ou na interpretação dos atores, ou no roteiro, na edição...as vezes em todos juntos, porque não?

O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Não acredito que seja marginalizado não. Acho que ele tem um formato difícil de circular, fica muito restrito aos festivais de cinema. E, como nos festivais de cinema a maioria da platéia é formada por gente que trabalha com cinema, os filmes sofrem um pouco por essa falta de contato com o público mesmo, com as pessoas que vão ao cinema pra experimentar um filme por completo, sabe?

Outra coisa é que o curta-metragem, por ser uma forma mais fácil de produzir, muitas vezes até sem dinheiro algum, em digital, com um celular, editando em casa, acabou baixando a qualidade de produção (estou falando da qualidade das idéias, não da qualidade técnica). Não estou dizendo que sou contra democratizar a produção não, muito pelo contrário - acho isso ótimo e, confesso que uns dos filmes mais interessantes que eu vi nos últimos festivais nos quais fui eram os mais simples. Mas isso pode, muitas vezes, fazer com que algumas pessoas que não tem nada pra dizer pra ninguém acabem fazendo um filme só porque estão ali, com uma câmera e um computador. E isso sim me afasta do cinema, sabe? Ver um filme que não interessa pra ninguém fora o cara que fez, repetindo fórmulas, sendo óbvio, fazendo coisas que a televisão já faz o tempo todo, entende? O cinema tem que ser vivo, tem que ser pulsante, tem que te fazer pensar, te fazer ver as coisas de um jeito diferente, não? Caso contrário, bem, daí tanto faz...

Mas, como eu respondi acima, sempre tem um jeito de valorizar e divulgar o seu trabalho, e sempre tem gente pensando e produzindo com muita qualidade, com vitalidade.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Estou sempre pensando em dirigir um curta, isso passa pela minha cabeça quase que diariamente. Acho que o tempo que passei até hoje trabalhando com curtas me dá um certo fôlego pra começar um projeto e saber me orientar dentro dele com mais calma, com mais objetivo. No começo era tudo uma grande aventura na qual eu não conseguia visualizar com clareza para onde estava indo, era uma fome imensa de me comunicar, de realizar; agora eu consigo ser um pouco mais racional quando isto é importante, e, no cinema, isto é importante quase que 50% do tempo. Então tenho muita vontade de produzir porque tenho esta ambição de fazer um processo que seja 'perfeito', entende? Que a idéia esteja alinhada com a equipe e com o elenco, em que eu consiga alcançar os objetivos criativos com menos esforço, de maneira mais clara. Um projeto em que todos estejam envolvidos positivamente com o processo e com o resultado, em que a comunicação com o público aconteça, um filme que importe para as pessoas que o vejam tanto quanto importou para as pessoas que o fizeram.No momento estou finalizando um curta-metragem de animação no qual estou trabalhando há 2 anos e que é um projeto muito importante pra mim. É minha segunda parceria com o Henrique Martins e com o Frederido Machuca, e sinto que aprendemos muito desde que começamos a trabalhar juntos, há quase 7 anos. O filme se chama "meu medo" e estou muito envolvido no processo de finalização, que é, em animação, aonde você entende muito do que foi feito neste tempo todo de trabalho. Quando as peças todas se encaixam e você vê o resultado de muita pesquisa e dedicação é mesmo emocionante. A previsão é lançá-lo em março do ano que vem e começar o circuito de festivais.

Fora este filme tenho dois outros projetos de curta metragem em desenvolvimento: "olhos mortos de sono", que é mais uma parceria com o Henrique e o Frederico, mas que ainda está em fase de captação e sem previsão para começar, e outro curta metragem com uma nova parceria, este ainda em fase de criação e pesquisa, mas que é um projeto que tem me interessado muito e ocupado boa parte do meu tempo de trabalho criativo.

E, finalmente, tenho um longa metragem em fase de roteirização que já está em negociação para produção. Esperamos começar a produzir o filme ainda no ano que vem, mas isto depende muito de como vai ser o ano para captação de verbas. De qualquer maneira é o meu foco principal agora, me dedicar a escrever o primeiro tratamento do roteiro. É absolutamente excitante o processo de escrita, algo que sempre me interessou muito e que requer muita dedicação e energia. Mas é muito importante pra mim, este tempo que eu preciso pra colocar todas as idéias que eu vou acumulando ao longo do tempo no papel, de forma organizada e coerente. Pensar em linguagem, em referências, no que eu acredito no cinema (e na vida). Estou realmente feliz com estes projetos - lembro que quando comecei a fazer cinema as pessoas sempre me perguntavam se eu esperava viver disso, e hoje eu trabalho unicamente com arte, e isto é um grande motivo de orgulho pra mim.