ALÍPIO
RANGEL
Produtor
Nos
filmes dos Trapalhões você
integrou a equipe de produção em diversos longas-metragens. Como surgiu a
oportunidade de trabalhar com eles?
Minha
primeira chance no cinema foi dada pelo Renato Aragão, quando ele foi produzir
o filme O Trapalhão na Arca de Nóe.
Eu tinha vindo ao Rio para passar um fim de semana e depois ir a Campinas fazer
pós-graduação. Tudo deu errado; e, ele vendo minha decepção, perguntou se eu
queria fazer produção de cinema. Na época, meu irmão Del Rangel foi o diretor
do filme e também me bancou. Comecei minha vida cinematográfica no único filme
que não teve a participação do quarteto.
Realmente
você chega no momento mais conturbado da história dos Trapalhões. Causou-lhe
estranhamento trabalhar numa produção sem os outros três icônicos Trapalhões?
Sim,
foi complicado fazer o filme sem eles. Até o próprio Aragão sentiu-se órfão, pois
foram anos e anos trabalhando juntos. Eles todos sentiram isso, tanto é que só
chegaram a fazer um filme. Não havia como ficarem separados.
Dedé
Santana, Mussum e Zacarias fizeram, concomitantemente a O Trapalhão na Arca de Noé,
o filme Atrapalhando a Suate.
Além da competição nas salas de
cinema, houve também nos bastidores?
Sinceramente,
não sei quanto aos quatro; mas havia entre as equipes uma disputa para ver quem
produzia o melhor filme. Ficávamos um acompanhado as filmagens do outro, uma
curiosidade normal, absolutamente normal. Mas nos falávamos sempre, e teve até
momentos em que uma equipe ajudou a outra. No decorrer das filmagens,
emprestamos negativos para eles, já que a encomenda da DeMuZa ainda não havia
chegado e não podiam parar as filmagens.
É
verídica a história de que Renato Aragão queria fazer de O Trapalhão na Arca de Noé o
grande filme da sua carreira para provar aos três integrantes recém-separados que ele teria
condições de seguir sem eles?
Desconheço
esse assunto. Os quatro não estavam felizes, e não havia como fazer um grande
filme sem todos juntos. A separação deles foi apenas no cinema, eles continuavam
a ser Os Trapalhões na
TV Globo. Não houve problemas na amizade deles. Apenas não filmaram juntos uma
única vez.
Você
é sobrinho do Renato Aragão. Isso, de certa forma, facilitou seu ingresso no
mercado cinematográfico?
Na
verdade, na época o mercado de cinema era muito pequeno; e eu passei a fazer
parte da equipe fixa da Renato Aragão Produções, que era a empresa que produzia
os filmes dos Trapalhões.
Depois que saí da Renato Aragão Produções, fiz mais uns quatro ou cinco filmes;
e, então, segui minha carreira de administrador de empresas.
Além
de você, outros integrantes da família do Renato Aragão chegaram a trabalhar com
ele no cinema. Para citar alguns: Evelise Aragão, Caxa Aragão, Paulo Aragão,
Del Rangel, entre outros. O fato de empregar muitos parentes não causava ciumeira
no restante da equipe?
Não,
isso nunca aconteceu. O cinema sempre foi uma “indústria familiar”, e o fato
de ele ter pessoas da família nunca causou problemas para ninguém. O Renato Aragão
sempre foi uma pessoa extremamente profissional, sempre deu chances a muitas
pessoas, independente de ser do mesmo sangue ou não. A Renato Aragão Produções
foi uma escola de cinema para muitos profissionais; e todos os que tiveram a
sorte de trabalhar para Os Trapalhões,
trazem, com certeza, dentro de si lembranças maravilhosas e orgulho de terem
feito parte desse grupo inesquecível.
A
R. A. Produções era uma produtora gigantesca, com estúdios e infraestrutura de primeiríssimo
nível. Fale mais a respeito da R. A. Produções.
Sim,
era uma grande produtora. Mas a verdade é que, já naquela época, a maior parte
dos equipamentos eram terceirizados; e acho que ainda hoje é assim. Tínhamos câmeras,
moviolas etc.; entretanto, a grande maioria dos equipamentos era alugado na época
dos filmes.
O
tratamento era igual? Tinha espaço para desconfiança?
Posso
te afirmar que o fato de ser da família trazia exigências ainda maiores, só fazia
o filme seguinte quem realmente demonstrasse um grande profissionalismo. O
Renato Aragão dava a chance, e quem a tivesse que tratasse de trabalhar sério para
seguir com o grupo. Eu sou prova disso. Ele me deu a chance; e, mesmo sendo da
família e um cara com formação superior completa, tive que começar como estagiário
do assistente de produção. Lembro que, dentre outras funções, servia cafezinho e
refrigerante no set.
Interessante
essa informação. Todos vocês começavam em cargos mais baixos e iam progredindo
à medida que iam evoluindo no trabalho?
Isso
aconteceu mais especificamente comigo, pois não tinha experiência nenhuma
de cinema. As pessoas da família que
trabalhavam nos filmes já eram profissionais da
área.
Dedé
Santana conseguiu emplacar o Dino Santana em algumas produções
cinematográficas. Não me recordo se tinha mais algum familiar ligado ao
trabalho dele em Os Trapalhões.
Mussum e Zacarias tinham?
O
Dino era outra pessoa bastante séria e profissional. Teve a chance dele, fez
alguns filmes; mas, ao mesmo tempo, ele tinha outros trabalhos como ator e
produtor. O Zacarias e o Mussum nunca indicaram nenhum familiar para trabalhar nos
filmes.
Os Trapalhões no Rabo do Cometa,
Os Trapalhões e o Mágico de Oróz e
Os Três Mosquiteiros Trapalhões foram
produções em que você trabalhou. Gostaria que falasse
como era trabalhar na equipe de produção destes filmes.
Era
um trabalho árduo. Tínhamos muitos contratos com empresas como Embrafilme, exibidores
e distribuidores que estipulavam datas para que o filme estivesse pronto. Não
havia chance para erros. Os filmes dos Trapalhões
não podiam se dar ao luxo de ficar dois
ou três meses para serem produzidos. Eram filmes produzidos em quatro semanas,
não mais que isso. A palavra atraso não fazia parte do nosso vocabulário.
Conte
mais a respeito do seu dia a dia na produção dos filmes. Que faz exatamente a
equipe de produção de um filme?
Falando
resumidamente, esse cara viabiliza a produção do filme num todo. Transforma em
realidade o que o roteiro pede, é quem obtém os meios materiais necessários
para a realização das filmagens. É o elo entre toda a equipe do filme.
Você
disse que os filmes eram rodados, normalmente, em quatro semanas. Em que meses
do ano eram filmados?
Geralmente,
as pré-produções começavam em março ou abril; e o filme se estendia até no
máximo o início de junho para então estrear nas férias do meio de ano. O
segundo filme do ano começava em agosto ou setembro para ficar pronto em
dezembro e ser exibido já no início das férias de fim de ano. Eram dois filmes por
ano.
Como
era o ambiente de filmagem?
Melhor
impossível. Conheço Os Trapalhões há
pelo menos quarenta e cinco anos e nunca vi nenhum deles alterar o tom de voz.
Nunca ouve qualquer estresse em função de qualquer um dos quatro. Eu costumo
dizer que o set de
filmagem era mais engraçado e prazeroso do que os próprios filmes. Você está me
fazendo ficar emocionado e saudoso. Esses quatro caras deviam ser proibidos de
morrer. Não existe hoje ninguém como o Didi, Dedé, Mussum e Zacarias.
Pena
não haver making of dos
filmes. Esse material de bastidores poderia nos revelar muito mais dos Trapalhões, não é?
Alguma
coisa existe, sim. Principalmente dos filmes mais recentes. Antes não existia
muito essa mentalidade de se produzir essa peça; mas, com certeza, é uma mídia
fantástica e os bastidores dos filmes dos Trapalhões
daria um outro filme. Era pura alegria.
Quais
as maiores dificuldades em produzir um filme dos Trapalhões?
Não
concordo quando você usa a palavra “dificuldades”,
prefiro usar “desafios”
porque, sinceramente, não havia dificuldades. Os desafios eram muitos; pois, como
coloquei na resposta anterior, não havia chance de errarmos, já que era sempre
esperado em todo o Brasil que nas férias de junho e de fim de ano tivesse um
novo filme dos Trapalhões.
Veja só que belo desafio. As pessoas esperavam ansiosas por essas datas e
sempre com a expectativa de ser um filme melhor que o anterior. Era muito bom
fazer parte desse ambiente.
Você
trabalhou em outras produções cinematográficas sem os Trapalhões. Que tinha
de diferente? Que tornava uma produção fílmica dos Trapalhões diferente
das demais?
Não
podemos ser hipócritas, e é certo que os filmes dos Trapalhões tinham
sempre dinheiro. Não havia a incerteza se ficaria pronto ou não. Sabíamos que
semanalmente seu cachê estaria depositado na sua conta bancária. Não quero
dizer com isso que se esbanjava dinheiro. Não faltava, mas não havia espaço
para gastos excessivos. O orçamento tinha que ser honrado fielmente. A maior
diferença que senti quando trabalhei em outros filmes foi, sem sombra de
dúvidas, o ambiente. Com Os Trapalhões era
puro prazer.
Mas
eles pagam melhor ou era tudo tabelado?
Existe
uma tabela salarial mínima exigida pelo sindicato, e a Renato Aragão Produções pagava
sempre acima desses valores. Era uma produtora reconhecida no mercado como a
que melhor pagava.
Você
é um dos profissionais que mais tempo trabalhou com Os Trapalhões. Como
e por que conseguiu ficar tanto tempo com eles?
Sou
administrador de empresas; e isso também foi um fator decisivo, pois passei também
a trabalhar em outras áreas da Renato Aragão Produções. Com certeza, fui um dos
que mais tempo trabalhou com eles.
Chegou
a fazer trabalhos administrativos dentro da R. A. Produções? Se sim, qual?
Eu,
como administrador de empresas, tive a chance de passar nas áreas
administrativa, financeira e até na comercial. Foi uma experiência riquíssima.
Renato
Aragão, além de artista, também gostava da burocracia da empresa?
O
Renato Aragão não deixava de ir à produtora. Não sei como ele arranjava tempo
para ainda dar expediente na empresa. Ele acompanhava tudo. Sabia também do que
se passava com cada funcionário, que, aliás, eram pessoas que frequentavam inclusive
a casa dele. Iam às festas, desde o jardineiro, faxineiro, a moça do cafezinho
até os diretores. Nunca houve qualquer discriminação, os mais humildes também
mantinham uma relação de amizade e tinham o mais absoluto acesso à ele.
Podemos
considerar Renato Aragão um dos maiores e melhores produtores de cinema do
país?
Posso
te dizer que ele foi, sim; mas acho que uma das maiores contribuições do Renato
Aragão para o cinema também foi o fato de ele ter formado muitos e muitos
profissionais, ainda mais numa época em que não havia faculdades de Cinema ou
de Audiovisual. A Renato Aragão Produções foi, sem sombra de dúvidas, uma
grande escola de cinema.
Renato
Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Sim,
ele é um cara que gosta de qualidade. É exigente, mas extremamente cordato. É
uma pessoa que sabe dividir, sabe ouvir, sabe voltar atrás. Mesmo sendo o dono
da bola, sempre respeitou cada profissional que fazia parte de sua equipe, nunca
impôs nada a ninguém.
Quem
era o maior comediante do grupo?
Cada
um tinha/tem seu estilo. O Mussum era fantástico, com sua simplicidade, seu
humor fácil e gostoso. O Zacarias, com aquela ternura dele, fazia um humor jamais
visto. O Dedé é o maior “escada”
que conheço, não existe ninguém como ele. O Renato Aragão é um cara engraçado por
natureza, ele nasceu para fazer rir.
Quem,
na sua opinião, é o maior vilão de todos os tempos nos filmes dos Trapalhões: Eduardo
Conde, Carlos Kurt ou Roberto Guilherme?
Que
saudades dessas feras. Como já falei, você está me emocionando e fazendo-me ficar
nostálgico. Tive pouquíssimo contato com o Eduardo Conde; o Guilherme para mim
não era um vilão, e sim mais um Trapalhão. Para mim, o Carlos Kurt é
insubstituível.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Filmes
inocentes, sem a pretensão de serem acadêmicos. Filmes produzidos com amor.
Filmes pensados para as crianças e adultos que trazem dentro de si a criança
que já foram um dia. Os Trapalhões queriam
fazer as pessoas felizes, isso é o que interessava para aquele quarteto fantástico.
Eles conseguiram, com seus fimes, alegrar mais de cem milhões de pessoas numa época
em que o Brasil estava chegando aos cem milhões de habitantes. Isso não existe
no mundo.
Por
que os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Sou
um cara muito franco e direto... é melhor que eu me exima de dar essa resposta!
Você,
além de ter trabalhado com os Trapalhões,
conviveu com eles por mais de 45
anos. Fora do cinema e da televisão eles eram humildes? Como eram sem as “máscaras”?
Eles
eram Os Trapalhões,
sempre alegres, bem-humorados, sacanas, piadistas. Ajudavam muito a quem
precisava deles. Os Trapalhões que
eu conheci e com quem convivi não tinham máscaras e eram humildes, sim. Fico
muito chateado, na verdade puto mesmo, quando vejo algumas matérias na mídia ou
em redes sociais falando mal deles ou do Renato Aragão, que sempre foi o mais
visado por ser o líder, o pai dos Trapalhões.
Esse Renato Aragão de que a imprensa fala ou falava é desconhecido para mim.
Gostaria
que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha
presenciado como testemunha ocular dessa sua convivência com eles.
É
impossível falar de um fato ou curiosidade apenas. Uma coisa que as pessoas não
sabem ou talvez não acreditem e que era algo que chamava a atenção de quem
convivia com aqueles quatro Trapalhões é
que eram muito amigos realmente. Posso te garantir que se amavam. Eram como
irmãos que estavam sempre se sacaneando. Eram extremamente unidos. Um morava no
coração do outro, um sabia identificar o olhar do outro. Eles se olhavam e já
estavam se comunicando. Eram uma verdadeira família. Só quem conviveu
intimamente com eles pode entender o que representavam um para o outro. Eu sou
um cara extremamente feliz por ter tido a dádiva de viver na família Os Trapalhões. Aproveito
para te agradecer por esses momentos. Como já disse mais de uma vez: fiquei profundamente
emocionado, voltei num tempo de pura felicidade e alegria, tempo que
infelizmente não volta mais. Se você me perguntasse: “Você faria tudo de novo?” Eu te diria que faria
com ainda mais vontade, iria me entregar ainda mais, daria ainda mais o meu
sangue, meu amor, minhas horas de vida profissional dedicando-me a eles. Viva
os eternos Trapalhões!