RENATO ARAGÃO: 80 ANOS
Há
décadas que o ator continua dono de um carisma e um vigor criativo raros de se
ver por muito tempo entre os comediantes
POR: ALFREDO
STERNHEIM / 16/01/2015
/ Revista da Cultura
Se o cearense Antonio Renato Aragão tivesse feito carreira
fora do Brasil, o seu nome seria mais louvado, principalmente pela crítica. Mas
esta, entre nós, há anos que geralmente demonstra certa ojeriza com a comédia e
com os comediantes. Lembro que, ao reverenciar o talento de humorista e diretor
de Jerry Lewis em crítica no jornal O Estado de S.Paulo quando do lançamento de O
professor aloprado no
final de 1963, quase fui linchado por colegas e intelectuais. Depois, já
festejado pela consagrada revista francesa Cahiers Du Cinéma, o
tratamento ao gênio americano aqui passou a ser outro. Quanto à rejeição aos
nossos talentos na área do riso, ela existe e acho que já existia nos anos de
1930 em relação a Genésio Arruda, ator de alguns dos primeiros filmes sonoros
nacionais. Na época da Atlântida, por volta de 1950, às produções com Oscarito
e Grande Otelo também costumavam ser execradas sob o rótulo de chanchadas. Esse
desprezo prosseguiu com as realizações protagonizadas por Mazzaropi. Em todos
os casos, o Tempo acabou falando mais alto e a visão a respeito passou a ser
positiva. Em especial com aqueles que já estão mortos: agora são cult.
Não é o caso de Renato Aragão. Ele chegou aos 80
anos no último dia 13 de janeiro fazendo o que mais gosta: atuar. Os festejos
começaram no palco de um teatro onde trabalha ao lado da filha Livian. Já na
mídia, houve menos destaque para um aniversário que precisava ser realçado;
afinal, não é sempre que um comediante chega a essa idade oferecendo
inalterável o carisma que o torna ídolo há mais de quatro décadas. Até no
exterior, é difícil encontrar na comédia, atores como ele, com muita exposição
na TV e no cinema, que conseguem ser criativos e aplaudidos por muitos e muitos
anos seguidos. O desgaste chegou para gente como Jerry Lewis, Jacques
Tati e outros mestres do gênero.
Em vez de loas, nesta fase de questionamentos
sobre o que é politicamente incorreto no humor, Aragão se viu em polêmica após
certas afirmações suas sobre as piadas que fez, durante muito tempo, citando
gays e negros. Sempre com a companhia do negro Mussum e do delicado ou
desmunhecado Zacarias, seus companheiros junto com Dedé no grupo Os Trapalhões.
O quase linchamento do ator só não prosperou porque ocorreu a tragédia com a
revista Charlie Hebdo em Paris. Em defesa da liberdade de
expressão e contra o terrorismo, muitos vestiram a camiseta com os dizeres Je
Suis Charly. Não faria sentido insistir na condenação de Aragão
que, junto ou não com o seu grupo, apresentou um humor criado em cima de
protótipos, de características físicas. As situações em um contexto até
delicado jamais acirravam o preconceito, o desprezo. Caso se considere
ofensivas essas piadas, temos também que fazer barreiras contra aquelas que
utilizam os portugueses, as loiras, os judeus e os muçulmanos.
Independente de se gostar ou não de Aragão, ele
tem no cinema nacional uma grande importância. Mesmo com uma exposição contínua
na televisão, vários dos mais de 50 filmes que protagonizou desde 1966 se
incluem entre os vinte campeões de bilheteria da produção brasileira em todos
os tempos. Em uma lista publicada em 2011, lá estavam (pela ordem) O
trapalhão nas minas do rei Salomão (1978), Os
saltimbancos trapalhões (uma
obra prima lançada em 1981), o moderno Os trapalhões na guerra dos planetas (1978), Os
Trapalhões na Serra Pelada (1982), O
cinderelo trapalhão (1979),O casamento dos trapalhões (1988), Os
vagabundos trapalhões (1982), O
trapalhão no planeta dos macacos (1976)
eSimbad, o marujo trapalhão (1976).
Está certo, quase todos são com o quarteto dos
Trapalhões. Mas, mesmo depois que, gradativamente, o grupo foi se desfazendo
após as mortes de Zacarias e Mussum, os longas com Renato continuam atraentes
para o grande público. E o ator-produtor, na sua intenção de parodiar, seguiu
pegando carona nos êxitos internacionais e se preocupando com as encenações e
com a escolha dos diretores. É verdade que, nesse sentido, foi mais feliz nos
anos de 1970, quando se apoiou no talento de cineastas como J.B.Tanko e Adriano
Stuart, artesões criativos e nada afeitos ao brilho fácil. Porém, acumulando a
criação e outras tarefas, ele não deixou de respeitar o público no esmero das
encenações e continuou com a graça e a simpatia que o transformaram em um
legítimo ícone da nossa comédia, do nosso cinema. Por isso, parabéns pelos 80
anos. Mais do nunca, je suis Renato.