domingo, 2 de julho de 2017

Os Trapalhões: Christian Petermann


Christian Petermann
Crítico de cinema


Por que os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
É comum em parte da crítica acadêmica, mas inadequado, se considerar obras voltadas prioritariamente ao público infantil como que espelhadamente “menores”, de menor alcance e ambição estéticas, em especial com o argumento de um suposto discurso “acessível” para todas as idades. A filmografia da Pixar como um todo, por exemplo, derruba totalmente esse preconceito de ordem cultural. Ao mesmo tempo, Os Trapalhões estabeleceram carreiras sólidas simultaneamente no cinema e na televisão. E há parcela crítica que se incomoda também em valorar obras com conexão televisiva – incômodo presente até hoje, digamos, com as comédias da Globo Filmes. Além disso, o quarteto e formações posteriores sempre primaram pelo apelo popular, por um humor midiático e cheio de referências pop de momento; mas acessível ao mais humilde dos espectadores no canto mais distante do país – uma acessibilidade que gera, às vezes, apelos não tão nobres de humor, provocando também certa reação. Por fim, porque alguns dos longas realizados são de fato muito ruins, em especial no período Renato Aragão solo.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Ele é o mais bem-sucedido (o único?) projeto de longa permanência em criar um conjunto de obra atento ao espectador infantil, sempre muito carente em nossa cinematografia; e, depois, das comédias da Atlântida e da obra de Amácio Mazzaropi, Os Trapalhões se revelam também (por ora) o último projeto orgânico e numeroso voltado ao humor popular e popularesco no cinema. A importância deles, por mais inconstante que tivesse sido o nível de qualidade obra após obra, é de representar um ícone isolado na nossa Sétima Arte em termos de entretenimento – e por cerca de três décadas, se cidadãos fora dos eixos culturais iam uma única vez ao ano ao cinema, era para ver o novo filme dos Trapalhões. Não há nenhuma relação semelhante no cinema de hoje.

Podemos considerar Renato Aragão um dos maiores e melhores produtores de cinema do país?
Goste-se do que ele faz ou não, com certeza Renato Aragão é um dos pilares da produção audiovisual brasileira. Sem medo de cometer heresias, cada um à sua maneira, sua importância como produtor se equipara à de um Osvaldo Massaini ou um Luiz Carlos Barreto, como um amante do cinema que emprega regularmente muitos profissionais para “fazer arte”. Ele tem um estilo identificado, uma marca registrada, ou seja, é digno de ser considerado um “autor” em termos de conjunto de obra; e, mais do que os nomes citados, ele é um produtor que ama o seu público... e realmente pensa nele, ao “fazer arte”.

Os Trapalhões sempre “brincaram” em parodiar filmes e clássicos estrangeiros de sucesso para o cinema. Que pensa a respeito dessa linha que eles seguiram?
Essa é uma tendência intrinsecamente brasileira, que tem heranças antropofágicas e tropicalistas. Já foi feito na Atlântida (Matar ou Correr) e atingiu nível de “produção em série” com Os Trapalhões: o de absorver (quase) toda e qualquer forte referência, digerir e gerar uma nova obra derivada, diferente, única. Acho essa uma das mais fortes características do quarteto, um de seus pontos positivos... E, no fundo, é extensão (talvez mais refinada) do que eles faziam semanalmente na tevê. E um triste sinal dos tempos: ficaram nos anos 1970 as adaptações com fontes literárias... hoje pouco se lê.

Ariano Suassuna disse que o filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida era a melhor adaptação já feita da sua obra. Esse filme Renato Aragão disse que fez para os críticos o aplaudirem. Que acha?
Renato fez o filme pensando também nos críticos. E o fez direito, recorrendo à veterana direção e roteiro do mestre Roberto Farias (que começou carreira fazendo comédias, como Rico Ri à Toa, No Mundo da Lua e dirigiu as aventuras de Roberto Carlos), escolhendo um elenco com um número maior de bons atores (Raul Cortez, José Dumont, Renato Consorte, Cláudia Jimenez em início de carreira) e uma direção de arte mais bem cuidada e detalhada. É um bom filme, um dos mais ambiciosos e bem realizados do quarteto. E se o próprio Suassuna afirma ser a melhor adaptação, quem somos nós para discordar?

Quais foram os melhores momentos dos Trapalhões no cinema? Os melhores filmes...
Posso dizer que gosto e tenho boas lembranças em especial de Os Saltimbancos Trapalhões, Os Trapalhões no Auto da Compadecida e Os Trapalhões nas Minas do Rei Salomão.

Quais foram os piores momentos dos Trapalhões no cinema? Os piores filmes...
Lembro em especial de ter achado lastimável A Princesa Xuxa e os Trapalhões. Mas também acho lastimável tudo que a Xuxa faz. E fiquei decepcionado com o resultado da promissora parceria com Mauricio de Sousa, em Os Trapalhões no Rabo do Cometa (1986). Não assisti aos últimos trabalhos solo de Renato Aragão.

Os Trapalhões sempre se utilizaram de alguns recursos para angariar plateia que ia além do carisma do grupo, como atores famosos, grupos musicais famosos (Dominó, Trem da Alegria etc.) e artistas com forte apelo popular (Xuxa, Gugu etc.). Que acha dessa estratégia?
Essa estratégia tem toda a lógica de ser no tipo de produto que Os Trapalhões sempre realizaram: uma comédia familiar de mercado, com apelo amplo e irrestrito; e, em qualquer lugar do mundo, esse tipo de cinema traz para as telas os nomes quentes do momento na mídia e na música. Nesse sentido e também em termos de heróis e heroínas, a cada novo filme, a obra dos Trapalhões traz um interessante histórico evolutivo dos fenômenos pop e dos galãs e das estrelas de cada época. Isso não tem preço.