Christian
Petermann
Crítico
de cinema
Por
que os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
É comum em
parte da crítica acadêmica, mas inadequado, se considerar obras voltadas
prioritariamente ao público infantil como que espelhadamente “menores”,
de menor alcance e ambição estéticas, em especial com o argumento de um suposto
discurso “acessível” para todas as idades. A filmografia da Pixar como
um todo, por exemplo, derruba totalmente esse preconceito de ordem cultural. Ao
mesmo tempo, Os Trapalhões estabeleceram carreiras sólidas
simultaneamente no cinema e na televisão. E há parcela crítica que se incomoda
também em valorar obras com conexão televisiva – incômodo presente até hoje,
digamos, com as comédias da Globo Filmes. Além disso, o quarteto e formações
posteriores sempre primaram pelo apelo popular, por um humor midiático e cheio
de referências pop de momento; mas acessível ao mais humilde dos
espectadores no canto mais distante do país – uma acessibilidade que gera, às
vezes, apelos não tão nobres de humor, provocando também certa reação. Por fim,
porque alguns dos longas realizados são de fato muito ruins, em especial no
período Renato Aragão solo.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Ele é o
mais bem-sucedido (o único?) projeto de longa permanência em criar um conjunto
de obra atento ao espectador infantil, sempre muito carente em nossa
cinematografia; e, depois, das comédias da Atlântida e da obra de Amácio
Mazzaropi, Os Trapalhões se revelam também (por ora) o último projeto
orgânico e numeroso voltado ao humor popular e popularesco no cinema. A
importância deles, por mais inconstante que tivesse sido o nível de qualidade
obra após obra, é de representar um ícone isolado na nossa Sétima Arte em
termos de entretenimento – e por cerca de três décadas, se cidadãos fora dos
eixos culturais iam uma única vez ao ano ao cinema, era para ver o novo filme
dos Trapalhões. Não há nenhuma relação semelhante no cinema de hoje.
Podemos
considerar Renato Aragão um dos maiores e melhores produtores de cinema do
país?
Goste-se
do que ele faz ou não, com certeza Renato Aragão é um dos pilares da produção
audiovisual brasileira. Sem medo de cometer heresias, cada um à sua maneira,
sua importância como produtor se equipara à de um Osvaldo Massaini ou um Luiz
Carlos Barreto, como um amante do cinema que emprega regularmente muitos
profissionais para “fazer arte”. Ele tem um estilo identificado, uma
marca registrada, ou seja, é digno de ser considerado um “autor” em
termos de conjunto de obra; e, mais do que os nomes citados, ele é um produtor
que ama o seu público... e realmente pensa nele, ao “fazer arte”.
Os
Trapalhões sempre “brincaram” em parodiar
filmes e clássicos estrangeiros de sucesso para o cinema. Que pensa a respeito
dessa linha que eles seguiram?
Essa é uma
tendência intrinsecamente brasileira, que tem heranças antropofágicas e
tropicalistas. Já foi feito na Atlântida (Matar ou Correr) e atingiu
nível de “produção em série” com Os Trapalhões: o de absorver
(quase) toda e qualquer forte referência, digerir e gerar uma nova obra
derivada, diferente, única. Acho essa uma das mais fortes características do
quarteto, um de seus pontos positivos... E, no fundo, é extensão (talvez mais
refinada) do que eles faziam semanalmente na tevê. E um triste sinal dos
tempos: ficaram nos anos 1970 as adaptações com fontes literárias... hoje pouco
se lê.
Ariano
Suassuna disse que o filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida era a
melhor adaptação já feita da sua obra. Esse filme Renato Aragão disse que fez para
os críticos o aplaudirem. Que acha?
Renato fez
o filme pensando também nos críticos. E o fez direito, recorrendo à veterana
direção e roteiro do mestre Roberto Farias (que começou carreira fazendo
comédias, como Rico Ri à Toa, No Mundo da Lua e dirigiu as aventuras de
Roberto Carlos), escolhendo um elenco com um número maior de bons atores (Raul
Cortez, José Dumont, Renato Consorte, Cláudia Jimenez em início de carreira) e
uma direção de arte mais bem cuidada e detalhada. É um bom filme, um dos mais ambiciosos
e bem realizados do quarteto. E se o próprio Suassuna afirma ser a melhor
adaptação, quem somos nós para discordar?
Quais
foram os melhores momentos dos Trapalhões no cinema? Os melhores
filmes...
Posso
dizer que gosto e tenho boas lembranças em especial de Os Saltimbancos
Trapalhões, Os Trapalhões no Auto da Compadecida e Os Trapalhões
nas Minas do Rei Salomão.
Quais
foram os piores momentos dos Trapalhões no cinema? Os piores filmes...
Lembro em
especial de ter achado lastimável A Princesa Xuxa e os Trapalhões. Mas
também acho lastimável tudo que a Xuxa faz. E fiquei decepcionado com o
resultado da promissora parceria com Mauricio de Sousa, em Os Trapalhões no
Rabo do Cometa (1986). Não assisti aos últimos trabalhos solo de Renato
Aragão.
Os
Trapalhões sempre se utilizaram de alguns
recursos para angariar plateia que ia além do carisma do grupo, como atores
famosos, grupos musicais famosos (Dominó, Trem da Alegria etc.) e artistas com
forte apelo popular (Xuxa, Gugu etc.). Que acha dessa estratégia?
Essa
estratégia tem toda a lógica de ser no tipo de produto que Os Trapalhões sempre
realizaram: uma comédia familiar de mercado, com apelo amplo e irrestrito; e,
em qualquer lugar do mundo, esse tipo de cinema traz para as telas os
nomes quentes do momento na mídia e na música. Nesse sentido e também em
termos de heróis e heroínas, a cada novo filme, a obra dos Trapalhões traz
um interessante histórico evolutivo dos fenômenos pop e dos galãs e
das estrelas de cada época. Isso não tem preço.