sábado, 4 de novembro de 2017

Os Trapalhões: Gustavo Machado


Gustavo Machado
Quadrinhista


Você desenhou os quadrinhos dos Trapalhões, quando eles foram para a Editora Abril. Como surgiu o convite para trabalhar com Os Trapalhões?
Dois amigos meus, também desenhistas, estavam colaborando para o gibi dos Trapalhões, logo no início de sua publicação, em 1988. Eu estava afastado dos quadrinhos há uns cinco anos, período em que me dediquei aos desenhos animados. O setor de quadrinhos nacionais da Editora Abril Jovem estava procurando novos colaboradores. E foi uma boa oportunidade de voltar aos quadrinhos na linha infanto-juvenil. E eu já tinha experiência em quadrinhos infanto-juvenis. Alguns meses após desenhar como freelance, fui efetivado na empresa. Trabalhei na editora de 1988 a 1997, desenhando também outros títulos, como Gugu em Quadrinhos, Sérgio Mallandro, Zé Carioca e outros personagens da Disney, como o Corcunda de Notre Dame, Hércules, Mulan e Tarzan.

Você acompanhava o quarteto, seja no cinema e/ou na televisão, antes de trabalhar nas histórias em quadrinhos?
Quem viveu nos anos 1970 não pôde ficar imune a esse quarteto, principalmente a partir da contratação deles pela Rede Globo, em 1977. Eu era adolescente e assistia aos programas nos domingos na TV Globo, antes do Fantástico, mas não assiduamente; e não acompanhava seus filmes no cinema.

Quais as suas principais recordações dos bastidores de trabalho com Os Trapalhões neste período?
A revista em quadrinhos dos Trapalhões reuniu uma equipe de profissionais de primeira linha. Roteiristas, desenhistas, arte-finalistas, enfim, um pessoal que já era veterano na própria Editora Abril, como até alguns egressos dos estúdios de Mauricio de Souza e Ely Barbosa. Além de uma nova geração talentosa que surgia naquele final dos anos 1980. O ambiente de trabalho era muito bom, e a troca de experiências com os demais amigos quadrinhistas influenciou muito na minha carreira.

Renato Aragão, Dedé, Mussum e Zacarias o deixavam à vontade para desenhálos ou havia algum tipo de acompanhamento ou pedido especial para “caprichar” nas imagens?
Quem tinha os direitos de uso de imagem dos Trapalhões para os quadrinhos nessa época era o César Sandoval, artista e produtor que, inclusive, começou sua carreira dentro da Editora Abril, no setor de quadrinhos. Cheguei a trabalhar muito com o César antes, fazendo desenhos animados para o seu estúdio de animação, a Sketch Filmes. César criou as figuras mirins dos Trapalhões – assim como as de Sérgio Mallandro e Turma do Arrepio – e cedeu os direitos de produção e publicação de quadrinhos para a Abril Jovem. Nem ele, ou mesmo Os Trapalhões, jamais interferiram em nosso trabalho.

Os gibis dos Trapalhões eram um sucesso de vendas. Como isso afetou sua carreira?
As revistas dos Trapalhões da Abril Jovem no seu auge vendiam mais de cem mil exemplares por edição. Um sucesso absoluto. Considero que um dos fatores mais importantes para nós, os profissionais que produzíamos os gibis, foi a oportunidade – naquela época uma coisa rara – de termos nossos nomes estampados nos créditos de todas as histórias em quadrinhos. Isso foi uma imposição do nosso chefe, Primaggio Mantovi, atendendo a uma antiga reivindicação dos profissionais da área, que, na maioria das publicações da Abril e de outras editoras, trabalhavam anonimamente, com seus nomes constando apenas nos expedientes de praxe. Com isso, não só começamos a ser reconhecidos na nossa área, como pelos próprios leitores, que nos escreviam muitas cartas com elogios e sugestões... e até eventuais críticas. Isso fez com que, pela primeira vez, nós, profissionais de quadrinhos de estúdio começássemos, inclusive, a disputar e ganhar prêmios e troféus, antes conferidos apenas para trabalhos autorais em quadrinhos.

Por que, após alguns anos, os quadrinhos pararam de ser produzidos?
Os quadrinhos, de um modo geral, tiveram um grande declínio a partir dos anos 1990. Alguns culpam os games, os computadores domésticos e a própria internet, todos em crescimento de vendas a partir daquele período. Sobraram apenas os títulos mais antigos (da Disney e do Mauricio de Sousa) e com público cativo.

Acredita que, se produzissem hoje, as histórias fariam sucesso?
Acredito que não. Não apenas porque os quadrinhos de banca “saíram de moda”, vendendo muito menos do que décadas atrás (no seu auge, o gibi do Tio Patinhas vendia mais de quinhentos mil exemplares por edição), como pelo fato dos Trapalhões já não estarem atuando na mídia.

Como era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Não conheci nenhum dos quatro pessoalmente. Apenas o César Sandoval devia ter contato com eles, já que negociava a marca, não apenas para os gibis como para muitos outros produtos, como brinquedos, vestuário infantil, produtos alimentícios etc.

Em sua opinião, quem era o maior comediante do grupo?
Além do Didi, incontestavelmente um dos grandes comediantes do Brasil, tinha um apreço especial pelo Zacarias, com seu humor ingênuo e leve.

Os Trapalhões no Rabo do Cometa, parceria do quarteto com o Mauricio de Sousa, marcou uma ruptura no cinema popular dos Trapalhões. Essa parceria aconteceu nos anos 1980 e foi a primeira a apresentar os quatro em formato de desenho animado, numa época em que a animação nacional ainda engatinhava. Você assistiu a esse filme? Se sim, que achou?
Infelizmente, não assisti ao filme, apenas alguns trechos. Mas sei que foi produzido em 1986, ainda seguindo o estilo dos Trapalhões do gibi editado pela Bloch, em que eles são adultos. Diferente da versão que desenhei e que foi lançada em 1988.

Não existiu a possibilidade de você e Os Trapalhões realizarem outro filme de Animação à época do seu trabalho nos quadrinhos?
Quando desenhava Os Trapalhões na Editora Abril Jovem, não tínhamos qualquer vínculo com a área de Animação. Mas o César Sandoval produziu várias animações deles na versão mirim, tanto para comerciais quanto para a abertura dos filmes de cinema.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Penso que, principalmente, pelo apelo popular próprio do quarteto, assim como o era anteriormente o humor de Oscarito e de Mazzaropi no cinema, e tantos outros na televisão. Pessoalmente, no humor brasileiro sempre fui fã de Jô Soares, José Vasconcellos e Ronald Golias. Quanto aos estrangeiros, sou fã do Charles Chaplin, Jerry Lewis, Woody Allen e Monty Python.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Como disse anteriormente, um humor de apelo popular, pastelão e circense.

Qual o legado histórico que o cinema Os Trapalhões deixou para o país?
A regularidade na produção e lançamento dos longas-metragens durante muitos anos foi uma grande contribuição e incentivo para o cinema nacional, tanto pelos recordes sucessivos de bilheteria como pelo mercado de trabalho para os profissionais da área.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Produzimos o gibi dos Trapalhões na Editora Abril Jovem durante seis anos e nunca tínhamos tido um aval do quarteto, sequer algum comentário. Em 1992, houve uma exposição na Gibiteca de Curitiba, onde apresentamos os originais de um álbum de luxo feito um ano antes e ganhador de sete prêmios em várias categorias, inclusive de melhor desenho. Era a “grafic TrapaDidi Volta para o Futuro, uma sátira em quadrinhos da trilogia do cinema De Volta para o Futuro. Para nossa surpresa, Os Trapalhões enviaram sua produtora (cujo nome, infelizmente, não lembro) para prestigiar o evento. E, numa conversa particular, ela nos contou que Os Trapalhões adoravam ler nossos gibis, mesmo nos intervalos das gravações. Enfim, o aval esperado!