terça-feira, 1 de maio de 2018

Os Trapalhões: Roberto Strada


Roberto Strada
Compositor


O senhor trabalhou com os Trapalhões em três longas-metragens: Os Trapalhões na Guerra dos Planetas, O Cinderelo Trapalhão e O Rei e Os Trapalhões. Como e por quem recebeu o convite para desenvolver as trilhas desses filmes? Como foi a experiência?
Fui chamado pelo finado Adriano Stuart, que era o diretor desses filmes. Durante muitos anos, já vinha criando trilhas para o Adriano. Daí, quando chegou Os Trapalhões para ele, logo fui avisado. A experiência foi muito agradável, porque em Os Trapalhões na Guerra dos Planetas, tive o prazer de escrever para a antiga orquestra da TV Globo. Eram pelo menos uma dezena de grandes músicos, entre os quais o Hélio Delmiro, grande guitarrista. Em O Cinderelo, trabalhei uma country music com muito banjo e guitarras. Em O Rei e Os Trapalhões, trabalhei muito na música estilo heroica com algumas pitadas da música oriental, isso porque o filme foi rodado em Marrocos.

Que representou para a sua carreira trabalhar em produções estreladas pelos Trapalhões, que eram fenômenos de bilheteria?
Realmente, devo dizer que foi muito bom como divulgação. Mas, como trabalho de música de cinema como sei fazer, ficou muito aquém do que se poderia esperar. Acho realmente que Os Trapalhões na Guerra dos Planetas é um dos filmes de que menos gosto. A experiência foi frustrante. Não sei se você sabe, mas esse filme foi rodado em VT para depois ser passado para a película. Desastre total. Os efeitos especiais são ruins demais. Mesmo assim, a trilha é apontada por quem gosta do quarteto como sensacional. Costumo dizer que não adianta fazer uma grande trilha para um filme ruim. Isso não me deixa feliz. Os outros filmes já acho que tiveram uma melhor produção.

Você menciona que Os Trapalhões na Guerra dos Planetas é um filme ruim com uma trilha boa. Nesse caso eles “prejudicaram” seu trabalho?
Meu trabalho não. O que acontece é que a trilha ficou perdida no filme. O Adriano queria que eu fizesse uma trilha grandiosa. Daí, eu acho que fiz. Mas o filme é risível. Não num bom riso, mas jocosamente ridículo.

Num primeiro momento, parece conflitante um músico com formação erudita se aliar a artistas populares. Como foi esse processo na sua cabeça?
A minha formação erudita nunca impediu que eu criasse música que comentasse de forma jocosa os filmes que musiquei na Boca do Lixo. Com o Adriano, fizemos O Bacalhau, que reputo como o melhor trabalho do diretor. Fiz também Kung Fu Contra as Bonecas, que me fez rir muito. O detalhe é que o Adriano me pedia que a música fosse sempre séria. As comédias rolavam soltas, e a música fazia o contraponto.

O melhor em um filme de Comédia não é ter uma trilha engraçada?
Dizia o Chaplin que a melhor música de Comédia é quando ela faz o contraponto do que aparece de engraçado. Você viu o filme O Garoto? A música é dramática. Aliás, ela foi composta pelo próprio genial Chaplin!

Quais as suas lembranças dessas produções? O senhor teve algum contato com Os Trapalhões?
Meu contato com Os Trapalhões foi muito pequeno. Tive algumas conversas com o Mussum, que era o mais engraçado de todos. E também com o Renato, quando o procurei para saber porque meu nome não aparecia nos créditos iniciais do filme. Pois pasme: ele me respondeu que tinha esquecido. Coisas de ser menor.

Sente mágoa do Renato Aragão?
Eu não sinto nada pelo Renato. Ele é um comerciante. Desses filmes que musiquei nada ganhei de direitos.

Como é a elaboração de uma trilha para um filme?
Estou musicando meu quadragésimo terceiro filme lá para uns meninos de Brasília. O sistema é sempre o mesmo. Lê-se o roteiro várias vezes; e, depois de uma conversa com o diretor, criamos aquele que será o tema principal do filme. A seguir, passamos para as variações e por aí vai. Amo fazer esse trabalho. Ele lhe dá uma grande oportunidade de criar livre, desde que a música caia bem nas sequências. Hoje, além de continuar a fazer trilhas, sou professor de som para cinema. Criei uma oficina que venho ministrando, com muito sucesso. E vejo o quanto os estudantes brasileiros nada sabem de som. Infelizmente, o grande interesse ainda é pelo visual, como se fizéssemos ainda filmes mudos.

O que era pedido e o que era para ser evitado nestas trilhas?
Nada. O Adriano confiava muito no meu trabalho, tanto que para ele musiquei quinze longas.

O fato de Mussum ser músico, facilitou seu trabalho? Vocês conversaram a respeito das trilhas?
Não tive nenhuma conversa com Mussum sobre música. Mesmo porque ele entendia muito de Samba, música de cinema é outra técnica.

Alguns filmes dos Trapalhões renderam discos. Você teve participação nisso?
Os filmes que musiquei dos Trapalhões não viraram discos, mas viraram coletâneas em DVDs das produções do Renato Aragão. E quem só ganha é ele..

Você não tem direito das trilhas? A venda de DVDs dos Trapalhões não rendeu nada a você?
Posso lhe dizer que na primeira semana de exibição de Guerra dos Planetas foram arrecadados dois milhões daquele dinheiro da época. Sabe quanto recebi de direitos? Zero! O maestro Remo Usai, meu amigo e que aliás já se foi, moveu um processo para receber pelos sessenta e quatro longas musicados. Nunca recebeu e parece que só os tataranetos poderão receber por algo. Quando vi uma caixa de DVD com os três filmes que musiquei, fui procurar esse cidadão, o Renato Aragão e perguntar sobre meus direitos. Ele, então, respondeu que eu assinei um contrato cedendo todos os direitos para ele. Procurei outros compositores; e, como sempre, ninguém vai à luta. Aconteceu algo igual com Xandu Quaresma, do meu grande amigo Chico de Assis. Musiquei a peça inteira para o Antônio Fagundes. Ele não me pagou e ainda disse que deveria ser para mim uma honra ter musicado a peça dele. Claro que tenho de direitos 0,5% de cada um que entra no cinema de direitos. E o que contei aqui é para o quanto ganharam e eu não.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Em toda a minha história com o quarteto, nunca vi Renato em absolutamente nada. Além do mais, meu assunto era só com o Adriano.

Por que uma parceria tão vitoriosa como a sua, com Os Trapalhões, não perdurou mais?
Não fui chamado para musicar nada para o Renato Aragão, porque nunca tive mesmo nenhuma ambição em continuar. Quando o Adriano parou, parei também.

No que uma trilha pode enriquecer um filme de comédia para as crianças?
A trilha de cinema foi criada para comentar o que acontece nas sequências. Se a cena é engraçada, a música poderá ou não acompanhar na graça. É um complemento da ação, como toda música. Ela só emoldura a cena, criando, com isso, emoções no espectador.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Porque, na maioria, é tudo muito ruim, mesmo. O Renato não queria saber de muitos gastos. Imagino que esse seja o problema.

Acredita que Renato Aragão estava sempre mais preocupado com o lucro do que com a qualidade dos seus filmes?
Acho que sim. O que mais curti nessa vida de fazer música para o cinema foi a vivência na Boca do Lixo. Esse é um tempo de que sinto uma profunda saudade. Sinto saudade de Antonino Santana, Adriano Stuart, Jean Garrett, Alfredo Palácios... enfim, do grande Galante. Apesar de pequena estatura, aquilo era bacana. E devo muito a Adriano Stuart. Ele me ajudou muito e dizia que só me ajudava porque me achava um bom compositor.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular, durante essa produção em que você trabalhou com Os Trapalhões.
Eu diria que ter gravado com a orquestra da TV Globo, que contava com umas oitenta figuras. Foi, sem dúvida, o melhor momento desse trabalho.