domingo, 1 de abril de 2018

Os Trapalhões: Roberto Farias


Roberto Farias
Cineasta


O filme Os Trapalhões no Auto da Compadecida é o mais elogiado, dentro da filmografia do quarteto. Renato Aragão afirmou que fez esse filme para agradar a crítica especializada, que sempre batia muito forte nele. Foi realmente com essa intenção que vocês produziram esse filme?
Só ouvi falar disso depois que o filme foi exibido. Como a bilheteria foi de “apenas” 2.600.317 espectadores, menos do que a maioria dos filmes dele costumava fazer e devido à qualidade do filme, acho que ele decidiu falar isso como se fosse necessário desculpar-se.

Certa vez, Ariano Suassuna afirmou que esse filme foi o melhor trabalho que fizeram em relação à adaptação da sua obra. Recorda-se disso?
Não. Não me recordo. Sei que ele gosta. Mas em São Paulo vi Ariano Suassuna dizer que prefere a versão do Guel Arraes, apesar de gostar muito também da minha.

Como surgiu o convite para trabalhar com Os Trapalhões?
Ele e o Paulo Aragão me convidaram. Viram o sucesso dos filmes do Roberto Carlos, as correrias, a agilidade da câmera, exatamente como o Renato espera que sejam feitos os seus filmes.

Antes de iniciar essa parceria profissional com Os Trapalhões, você já acompanhava os seus filmes?
A primeira vez que Renato e Dedé filmaram foi comigo. Um curta-metragem chamado A Pedra do Tesouro. Eles ainda não haviam formado o grupo dos Trapalhões, eram uma dupla, que trabalhava na TV Tupi.

Fale mais desse curta.
Ele foi feito para enfatizar a força do trabalho, quando todos colaboram. Naquele tempo, o Consulado Americano contratava alguns cineastas para fazerem curtas-metragens e, em troca, dava latas de filme 35mm. Fiz Toda Donzela Tem um Pai Que É uma Fera com latas de filme que ganhei por esse documentário. O patrocinador era a Aliança Para o Progresso. O contato era um diplomata chamado Hart Spraeger, de descendência russa. Dizem que foi preso como espião, anos depois, quando já estava fora do Brasil. Mas não tenho comprovação.

Os Trapalhões no Auto da Compadecida foi filmado onde?
Uma das restrições do Renato era não filmar mais de cem quilômetros distantes de seu estúdio. Construímos uma cidade cenográfica num terreno da minha produtora, a R. F. Farias, na Estrada dos Bandeirantes; e fizemos o filme lá.

Quais as suas recordações dos bastidores desse filme?
Foi agradável, convivemos em harmonia. Somos amigos. O elenco era ótimo.

O elenco contava com atores de primeiro nível, entre os quais Raul Cortez, José Dumont, Renato Consorte. A escalação do elenco partiu de você ou dos Trapalhões?
A escalação foi minha.

Esse filme teve um público total de 2.610.371 espectadores, além de ter sido um dos raros filmes dos Trapalhões que chegou a ser comercializado no exterior, no caso, para Portugal. Apesar do sucesso, foi o seu único filme com eles. Quais as razões disso?
Não falamos em um segundo filme. Mas acho que, daí em diante, o Renato passou a me ver como diretor de “filme de arte”.

Como era o seu contato com o quarteto (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias)?
Maravilhoso. Todos muito legais. Profissionais, pontuais, sérios.

Que representava, naquele período, trabalhar num filme dos Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
Modéstia à parte, nunca tive problema com a bilheteria. Sempre estive acostumado a fazer milhões de espectadores e nem me passava pela cabeça que poderia ser diferente.

Quem era o maior comediante do grupo?
Era páreo duro. Mas o maior carisma sempre foi do Renato.

Renato Aragão tem fama de ser perfeccionista. Isso procede? Ele acompanha tudo?
Também sou perfeccionista. No meu caso, quem se preocupou fui eu. Ele só viu o filme pronto.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Essa postura é conhecida. Depois de alguns anos, os filmes dele serão “cults”. Mas a Academia que eu presido não pensa como você está afirmando. Ao contrário, Renato recebeu uma grande homenagem numa das nossas festas.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
É um cinema importante para o Brasil Quando se exibe um filme dos Trapalhões, estamos ocupando o mercado e cuidando da nossa cultura, em vez de ver um filme estrangeiro.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato que tenha presenciado como testemunha ocular.
A curiosidade maior foi o tempo que eu levei para convencer Ariano Suassuna a me deixar filmar sua peça. As tratativas começaram em 1960. Mil novecentos e sessenta. Depois que pedi autorização para filmar, ele ainda cedeu os direitos a George Jonas, que fez a primeira versão. Mais ou menos vinte anos depois, consegui que ele me desse autorização para filmar.