domingo, 1 de abril de 2018

Os Trapalhões: Ricardo Karam


Ricardo Karam
Assistente de produção


Você trabalhou com Os Trapalhões no filme Os Trapalhões e a Árvore da Juventude. Como e por quem recebeu o convite para trabalhar com eles? Como foi a experiência?
Recebi o convite do produtor Caíque Martins Ferreira.

Que representava, naquele período, trabalhar em um filme com Os Trapalhões, que eram certeza de sucesso de bilheteria?
Certamente, uma alegria e motivo de orgulho, já que foram meus “heróis” na juventude. Fiquei honrado e ansioso com o convite. Não via a hora de começar a trabalhar e, mais ainda, aprender.

No filme Os Trapalhões e a Árvore da Juventude, Os Trapalhões são guardas ambientais que tentam preservar a floresta amazônica da devastação. Em toda a filmografia de Renato há essa preocupação com o meio ambiente. Nesse filme, ela é ainda mais explícita. Ele mencionava essa preocupação para vocês?
Sim. Sempre foi um ser humano preocupado com questões ambientais e mais ainda as sociais, principalmente o futuro das crianças brasileiras.

Onde essa produção foi filmada?
Filmamos grande parte dela na Amazônia mesmo (nos rios, igarapés, floresta, barcos regionais e tal). E mais um tanto no Rio de Janeiro, em locações e também em estúdio.

Os filmes dos Trapalhões eram bem recebidos pelo público, mas poucos foram premiados. Nesse caso, em particular, vocês foram premiados no III Festival de Cine Infantil de Ciudad Guayana (Venezuela), em 1993. Qual foi a repercussão entre vocês dessa premiação?
Todos ficamos muito contentes e orgulhosos. Sempre que algum filme ganha um prêmio ou algum integrante da equipe é premiado, meio que nos sentimos igualmente premiados também.

Esse foi o último filme dos Trapalhões com o trio remanescente, após a morte de Zacarias. Foi também o último filme de Mussum, falecido em 1994. Gostaria de saber se havia, nas filmagens, uma tristeza entre os integrantes (Renato, Dedé e Mussum) com a ainda recente morte de Zacarias.
O Mussum era um ponto de convergência entre os quatro. Sempre feliz e zoando tudo e a todos. Elenco e equipe sempre se divertiam com as brincadeiras e armações dele. Certamente, nunca mais foi a mesma coisa. Todos sentiram muito a perda.

Que representou para você trabalhar no filme em que o termo “Trapalhões” foi usado pela última vez no título?
Até hoje, quando estamos numa roda de amigos de trabalho, quando comento que fiz Os Trapalhões e a Árvore da Juventude, os mais novos ficam loucos e me perguntam como era, como eles eram, como era o dia a dia da equipe e tal. Todos ficam siderados com o fato de eu ter trabalhado com os caras que foram os ídolos dessa galerinha quando eles eram crianças. E certamente são até hoje. Respeito total pelo que o Renato Aragão e Os Trapalhões criaram.

Renato Aragão, Dedé e Mussum tinham como característica a irreverência. Até nos bastidores das filmagens, eles brincavam muito. Isso procede? As filmagens eram descontraídas?
Sim, claro. Estavam sempre brincando. Levavam o trabalho no set muito a sério, mas com muita descontração. Era um ambiente ótimo de trabalho. Equipe e elenco sempre muito unidos. Lembro que uma vez o Zacarias estava meio que cochilando em sua cadeira, aguardando ser chamado para se vestir e maquiar e tal. O Mussum pegou um balde com água, subiu numa escada bem pertinho da cadeira do Zaca e pronto. Deu-lhe um balde de água fria no cara. O povo riu muito. O Zacarias tomou um puta susto, mas levou na brincadeira tudo.

Havia muita improvisação?
Sim. Totalmente. Todos eles improvisavam o tempo todo. Principalmente o Renato; e, daí, os outros três iam na cola dele.

Quais as recordações que possui do filme?
Essa que contei do Mussum e o balde de água no Zacarias. Outras situações aconteceram, como por exemplo, quando o nosso platô, Johnny Catrolli, precisou pegar uma voadeira (pequena lancha de motor ) e sair do set para ir buscar mais combustível para os outros barcos. Ele demorou muito pra voltar, e eu já estava ficando preocupado. Estávamos filmando nos igarapés no meio do Rio Negro. Peguei um dos jet ski que tínhamos na produção e fui atrás dele. Quando eu estava lá no meio do Rio Negro, o jet pifou; e fiquei à deriva e não conseguia ligar o motor de jeito nenhum. Caí na água, para tentar resolver o problema e verificar o que houve. Tudo estava silencioso, e só se ouvia o som das águas batendo no jet. Senti que não estava sozinho; e, quando olhei em volta, tinha um bando de botos me circundando. Cara, foi tenso pra caramba. Porque eu tentava descobrir se eram botos vermelhos (que são bem dóceis) ou botos tucuxi (que são muito bravos) e não conseguia. Ainda bem que eram os vermelhos, porque, se fossem os tucuxis, eu ia ter que negociar muito com eles pra não me partirem em dois.

Quais as lembranças da direção do cineasta José Alvarenga Júnior, nessa produção?
O Alvarenguinha, como nós o chamamos, era uma doce criatura, além de um profissional da melhor qualidade. Sempre conseguia harmonia entre equipe técnica, elenco e o pessoal de apoio. Era um cara muito educado e focado no trabalho.

Tião Macalé era considerado o quinto Trapalhão. Quais as lembranças dele?
Estive apenas uma vez perto dele. Pareceu-me uma pessoa séria, quando não entrava no personagem. Não tive muita convivência... para falar muita coisa.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Talvez porque nunca seriam capazes de criar algo tão simples e ao mesmo tempo tão verdadeiro, que fala de coisas simples para pessoas simples. Assim como a vida deveria ser. Acho que, como não conseguem explicar o sucesso disso, preferem rejeitar.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Filmes de entretenimento e muito educativos, sempre com temas sociais, ambientais e éticos levantados em suas histórias.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato que tenha presenciado como testemunha ocular.
Estávamos filmando num braço do Rio Negro, em uma diária que prometia ser cheia de agitação e perigos. Era uma cena em que um avião sobrevoava bem baixinho um grande iate que pertencia ao malvados da história. Toda a cena foi marcada pelo diretor e tudo pensado e conversado milhares de vezes. Era uma cena que teríamos que filmar apenas uma vez. Esse avião que é daqueles que pousam em rio deveria iniciar seu procedimento de decolagem ao comando da assistente de direção de “ação, avião”. E ele estava posicionado lá no final desse braço de rio e bem distante, pois precisava de grande espaço até conseguir pegar força e decolar. E, na outra ponta do braço desse mesmo rio, havia o tal iate com os atores e figurantes, todos armados de pistolas e metralhadoras, porque deveriam atirar em direção ao avião. Quando todos estavam prontos pra rodar, a assistente de direção deu pelo rádio o famoso “vamos rodar e ... ação”. Eu estava mais afastado um pouco, junto às câmeras em cima de um dos jet ski da produção (o jet ski nos era bem útil nas filmagens em rios e igarapés); e, de repente, vi a uns cem metros à minha direita uma família dentro de uma dessas canoas ribeirinhas. Ela saiu do nada... de um dos igarapés e ia em direção a outra margem, com intenção de cruzar o braço do rio. Era uma família inteira, pai, mãe e seus três filhos. Cara, eu gelei. Liguei o jet ski e sai voando em direção à família e estava desesperado, porque o avião já havia partido e estava a mil por hora para ganhar força e decolar. Ou seja, se eu não tirasse aquela família dali, o avião iria partir a todos ao meio, inclusive a mim. Ninguém entendeu nada porque eu saí à toda em direção ao avião que vinha no sentido oposto. Só depois é que repararam no que estava acontecendo. Consegui chegar até a canoa. Gritava pra eles voltarem. Mas não entendiam nada e ficaram assustados. Como vi que não iria adiantar, simplesmente tirei uma corda que ficava sempre numa espécie de “porta-malas” do jet, prendi a corda na canoa deles e saí puxando à toda com meu jet ski, voltando pra margem de onde vieram. O pai estava assustado. As crianças também; e a mãe não parava de gritar comigo, xingando-me com sotaque típico dos caboclos da região. mas eu nem ouvia. Só queria tirar a família de lá. E consegui, para alívio de todos. Foi aos quarenta e quatro e meio do segundo tempo, como dizem. Eu estava quase chegando à margem. O avião passou riscando a água, e todos ficaram com os olhos arregalados e bocas abertas de pavor. Daí, nessa hora, entenderam o que eu estava fazendo. Final feliz, como em todas as histórias dos Trapalhões.