domingo, 1 de abril de 2018

Os Trapalhões: Pedro Blank


Pedro Blank
Biógrafo do Zacarias


Como surgiu o interesse em escrever a biografia do Zacarias?
Desde os tempos em que trabalhava em jornal diário, sempre gostei da grande reportagem, um gênero que, em função do momento particular dos grandes veículos de comunicação, está cada vez mais raro na grande mídia. Quando passei a trabalhar com comunicação corporativa, consegui ter tempo para desenvolver projetos de livro-reportagem. Ano passado, lançamos a biografia do Dirceu Lopes, intitulada O Príncipe, que conta a trajetória de um craque do Cruzeiro e da seleção brasileira nos anos1960 e 1970. Com o lançamento do livro aqui, na L5 Comunicação, começamos a pensar em um personagem que tivesse história para contar. Juntamente com os jornalistas Fred Wanderley e Jomar Nicácio, chegamos ao Zacarias, nome que marcou o humor brasileiro de maneira incontestável.

Você já acompanhava a trajetória dos Trapalhões. É fã do quarteto?
Sim. Trago da minha infância a lembrança muito forte dos Trapalhões. Era praticamente “obrigatório” terminar o domingo vendo, nos anos 1980, o programa deles antes do Fantástico . Além disso, nas férias do meio e do final do ano, ir ao cinema assistir aos filmes também era sagrado. Também tinha contato com Os Trapalhões por meio de brinquedos licenciados do grupo, roupa de cama, os copos da Pepsi e vários outros produtos. E acredito que tal relação aconteceu com a maior parte das crianças que viveram os anos 1980. Os Trapalhões, sem dúvida, continuam a trazer ótimas lembranças para os adultos que estão na faixa dos trinta-quarenta anos.

Zacarias é um comediante que teve toda a sua trajetória registrada pela imprensa. Isso irá facilitar seu trabalho?
A referência em material de época é muito importante para a reconstrução da vida do biografado da maneira mais fidedigna possível. Afinal, a memória afetiva pode estar um pouco distante da realidade. Isso é normal. O desafio de uma biografia, na minha opinião, é costurar tantas falas e lembranças em história. Costumo falar que as biografias benfeitas têm 95% de verdade e 5% de mentira.

Há algo a ser descoberto, se tudo já foi mostrado, contado? Qual é o desafio de escrever uma biografia de um personagem tão conhecido?
Acredito que há muita coisa a ser descoberta. A trajetória do Zacarias é amplamente conhecida e pode ser conferida em sites fantásticos, mantidos por pessoas como o Diego Munhoz e o Lozandres Braga, pessoas que fazem um trabalho fantástico para preservar a memória dos Trapalhões. Um desafio que eu vejo para a biografia do Zacarias é desvendar Mauro Faccio Gonçalves. Como era o homem que estava atrás do personagem? É nessa linha que queremos trabalhar.

Renato Aragão, Dedé e Mussum tinham como característica a irreverência. Zacarias, segundo dizem, era o mais introspectivo do grupo. Isso procede?
Eu entendo que o Zacarias levou durante toda sua vida a marca da mineiridade. As raízes de Sete Lagoas sempre estiveram presentes. Como diria o Guimarães Rosa, ser mineiro é não dizer o que faz, nem o que vai fazer. É falar pouco e escutar muito, é passar por bobo e ser inteligente. Ser mineiro é ser diferente, é ter marca registrada, é viver nas montanhas, é ter vida interior, é ser gente. Eu vejo que o Zacarias comprovava a tese de Guimarães Rosa. Sem a peruca e os dentes pintados, ele passava despercebido. Esse jeitão introspectivo, sem dúvida, era a mineiridade do Zacarias que ele nunca escondeu e carregou por toda a vida.

Zacarias trabalhou muito tempo em rádio. Dizem até que o magnífico trabalho que realizou como radialista foi eclipsado justamente pela fama dele na televisão. O que tem a falar do comediante nesse período na rádio?
O Zacarias deu os primeiros passos como artista na Rádio Cultura, de Sete Lagoas, e na Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte. Ambas existem até hoje. Na capital mineira, por exemplo, ele foi premiado, ainda conhecido apenas como Mauro Gonçalves, por sua atuação como rádio-ator, encarnando personagens fortemente marcados pelas características do interior de Minas Gerais. Esse trabalho abriu as portas para que entrasse na TV Itacolomi, também de Belo Horizonte e já extinta. O rádio, sem dúvida, forneceu a base para que o talento de Mauro Gonçalves fosse lapidado. O Zacarias – embora seja disparado o de maior notoriedade – era apenas um dos diversos personagens criados pelo sete-lagoano.

Na sua opinião, quem era o maior comediante do grupo?
Entendo que não podemos estabelecer um ranking dos quatro. Na minha opinião, cada um deles possuía um estilo diferente e que completava o outro. O próprio Dedé já declarou que era o “escada”, nome que se dá para o artista que prepara a piada para o outro comediante. Tal atuação era fundamental para Os Trapalhões. Vejo que a fórmula dos Trapalhões deu certo porque a química entre Didi, Dedé, Mussum e Zacarias funcionou perfeitamente, algo raríssimo hoje em dia, principalmente levando em conta que o humor nacional está cada vez mais voltado para o stand-up.

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Acabei de ler, recentemente, a tese de doutorado do André Carrico sobre Os Trapalhões, feita na Unicamp. Na pesquisa dele, confirmamos que o grupo é incompatível com o humor “politicamente correto”, ou seja, faziam piadas de negros, homossexuais e nordestinos. Há um esforço (correto esforço, sublinhe-se) da Academia brasileira em desconstruir o discurso preconceituoso que existe na nossa sociedade. Esse conflito entre os valores da Academia e o conteúdo das piadas dos Trapalhões, a meu ver, é a origem desse pouco reconhecimento da Academia. Mesmo assim, alguns dos filmes do quarteto permanecem, até hoje, como recordistas de bilheteria.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Os filmes dos Trapalhões aconteciam num momento de profunda crise do cinema nacional. Vejo a filmografia dos Trapalhões em dois momentos. No primeiro, os quatro (com destaque para Didi) eram protagonistas das histórias, fazendo grandes obras, como Os Saltimbancos Trapalhões e Os Trapalhões e o Mágico de Oróz. No final dos anos 1980, o quarteto praticamente vira figurante de seus próprios filmes, com destaque para outros participantes, como Angélica, grupo Dominó, Supla etc.

Zacarias era um bom ator no cinema?
O Mauro Gonçalves era um ator completo, capaz de incorporar diversos personagens. Embora seu destaque seja com Os Trapalhões, indiscutivelmente, ele atuou em filmes solo: Tô na Tua, Ô Bicho, O Fraco do Sexo Forte e Deu a Louca nas Mulheres.

Qual o legado histórico que o cinema dos Trapalhões deixou para o país?
Volto a citar, aqui, o trabalho do Carrico. Os Trapalhões levaram a figura dos palhaços para as salas de cinema. À exceção de Zacarias, os demais atuavam de cara limpa, levando para o cinema e também para a tevê aqueles quadros típicos do circo.