Além de escritor reconhecido, autor de obras como 'A infância acabou' e 'Em câmara lenta', Renato Tapajós dedica-se ao cinema. Paraense radicado em São Paulo, Tapajós lutou contra a repressão e a ditadura militar e, por isso, ficou preso durante cinco anos.
Qual é a sua relação com o curta-metragem?
Durante minha carreira fiz muitos curtas-metragens, talvez metade dos filmes que fiz foram curtas, principalmente em meus primeiros anos de trabalho. Depois, fiz muitos médias-metragens e alguns longas. Como sou documentarista, há uma determinação de mercado, em tempos mais recentes: a TV, de um modo geral trabalha com médias (por volta de 52 minutos) e os cinemas, com longas. O curta, que fica mais restrito ao circuito independente, perde espaço para as outras metragens no cinema profissional. Além disso, quando o cineasta, e isso é uma das coisas que aconteceu comigo, busca aprofundar seu discurso, vai acabar precisando de mais tempo cinematográfico.
Você acha que dá para contar uma história em tão pouco tempo de metragem?
Claro que dá. É a mesma coisa na literatura, onde historias podem ser contadas em contos, às vezes em contos curtíssimos. Eu sempre digo que cada tema, cada assunto pede a forma (e o tempo) que precisam. Na verdade, não é o cineasta que define o tempo, e sim seu tema. Quando o cineasta não obedece ao tempo do filme, ele faz um filme ruim. Portanto, há muitos curtas ruins porque não deveriam ser curtas: são aqueles que chamamos de "longuinhas", ou seja, filmes que precisavam de um tempo maior para darem conta de seu tema, mas que são espremidos num tempo mínimo. A mesma coisa acontece quando o cineasta tenta fazer um longa de um tema de curta: fica um filme arrastado e chato. O bom curta é aquele que foi pensado, desde a definição de seu conteúdo, como curta. Que tem uma narrativa que leva para um desfecho rápido em pouco tempo. Geralmente tem algo de anedótico: uma historia que se fecha com um fim surpreendente, ou que desvenda a trama, ou que dá uma visão nova do assunto.
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Não creio que um cineasta profissional possa viver apenas de curtas. Não existe mercado, não existe produção significativa (editais são sempre baratos demais e captar para um curta é quase impossível) Por outro lado, o amadurecimento de um cineasta passa, necessariamente, por metragens maiores: os problemas são outros, novas questões são colocadas, é necessário desenvolver o domínio da linguagem. Pode até vir a fazer curtas depois - mas ficar só no curta é limitador.
Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
Tem grande importância histórica. Primeiro, como sobrevivência de um cinema brasileiro de qualidade nas décadas de 30 a 50, quando a produção de longa estava dominada pela chanchada. Segundo, como instrumento de pesquisa, principalmente nos anos 60, para o que viria a ser o Cinema Novo. O filme fundador do Cinema Novo (Aruanda, de Jurandir Noronha) é um curta metragem. Terceiro, como laboratório para os cineastas mais importantes do nosso cinema. De Glauber Rocha a Fernando Meirelles, todos fizeram curtas. Ainda hoje, quando a produção do curta cresce, mesmo sem dispor de um circuito decente para circular, ele é um laboratório de experimentação de linguagem.
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Não acredito nisso. Como já disse acima, o curta não tem mercado. Mas os cineastas, de um modo geral, respeitam curta por causa de todos os motivos que expus na resposta anterior. Além disso, atenção: pode ser que se abra um mercado para o curta com a expansão dos sistemas integrados de telecomunicações. Por exemplo, curtas para serem baixados em celular. Essa é uma possibilidade real para um futuro não muito distante.
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Não tenho pensado nisso. Em minha produtora há vários curtas já realizados ou em realização, mas todos dirigidos por pessoas que trabalham aqui, não por mim. Meus projetos, na verdade, não cabem em curtas. Mas, dependendo do desenvolvimento do mercado, quem sabe.