ÚNICO E INTRANSFERÍVEL
A gente se esquece com bastante freqüência da importância que os curtas-metragens podem ter sido durante nossa agitada vida emotivamente fílmica, curtas que permitiram a vários jovens realizadores de constituir um esteio, um currículo, e não raramente uma égide contra os obstáculos e as eventuais desilusões de uma “sinistra” profissão. A nossa.
Muitas vezes alguns curtas-metragens se tornam peças cinematográficas altamente representativas pelo seu ilustrativo conteúdo e, sobretudo, pela estética exercida à atemporalidade de alguns anos antes. Como exemplo, tentem encontrar o curta-metragem The Big Shave, uma crônica ácida contra a Guerra do Vietnam, que Scorsese realizou, acreditem, aos 25 anos.
À preocupação arquitetural dos engenheiros de milhares significativos fotogramas, se fará contemplar, numa linguagem que lhes é correlata subjetivamente, uma marca (grife) que se estenderá ao longo de sua trajetória cinematográfica, correndo o risco de se tornarem, apesar das inevitáveis conturbações afetas ao cinema (politicamente falando), qualitativos longa-metragistas de construções experimentais, ficcionais e, claro, documentais.
Mais do que um exercício profissional, uma vivência exclusiva e criativa a cores, mesmo que em p/b. Usando o emblemático simbolismo às conjunturas cognitivamente criativas, cujo recado é: cada um é cada um, permitam-se jovens talentosos, exporem através do vosso (i)limitado curta, sem medos e sem responsabilidades maiores que não seja a honestidade à sua criação contextual e à forma estética que lhe convêm administrar audiovisualmente, um desenho único e intransferível, assim como são as digitais: únicas e intransferíveis.
Quem vos escreve se iniciou no cinema em 1965 aos 20 anos de idade através de dois curtas na Suíça e outros dois em 1966 no Brasil: “Sim Mamãe”, comédia histriônica de 12 minutos e outro “Esperando Godoy” uma paródia hilária becketiana de 11 minutos de duração. Os quatro filmes, lamentavelmente perdidos, foram confeccionados em super-oito milímetros celulóidicos.
Em 1975 minha produtora, a Vidya, antecessora da Mossy Filmes, produziu, dentre os 22 longas e 12 curtas de seu currículo, o curta-metragem super premiado em vários festivais, na bitola de 35 mm, “Pé Direito”, (Impressões da infância, da juventude, eternizadas na memória. Detalhes do interior de uma casa: a mesa de jantar, o relógio de parede, a penteadeira, o velho rádio, as cortinas rendadas, o jardim), maravilhoso filme assinado pela Nazaré Ohana, excepcional montadora e roteirista, morta num trágico acidente em seu jipe. Nazaré é mãe da atriz Cláudia Ohana.
Então, vamos nessa, garotada, o cinema nacional precisa de vossa crença e religiosidade fílmica, irreverente que seja, neomoderna na sua abundância, abstrata o suficiente para ser figurativa, e não importa qual a câmera de captação que for usada, ousem e abusem, indignem-se mostrando suas variantes artísticas, pois o curta-metragem é a ponte entre o sonho e a - mágica- realidade celulóidica.
Carlo Mossy é diretor, ator, produtor, roteirista de cinema e colunista do blog Os Curtos Filmes.