“A inocência perguntou a crueldade: ‘porque me persegues?’ e a crueldade respondeu: ‘e você, porque não se opõe?”
Para Sady Baby: saúde no corpo e tranqüilidade no spirit
Na maioria das vezes, na verdade, os filmes de Sady nos remetem a uma atmosfera de estranho terror. Um terror em que a sensação que depois permanece é a de ter assistido realmente a um filme deste gênero. Um estado indefinível, atemporal, do qual não se guarda lembrança precisa, mas do qual se lembra no mais profundo de seu ser: um estado primordial de que usufruía antes do tempo, antes da História. E é difícil detectar ao certo de que forma, mas existe um lado documental intuitivo nesses filmes, apesar de serem ‘servidos’ encenados, dramatizados. Sensação ampliada mais ainda pela distância do tempo. Quase tudo da década de 80 hoje soa bizarro, quase sempre distorcido e brutal e vale como estudo e reflexão. Trata-se de uma situação cultural e existencial onde só a indiferença torna consciente esse estado de guerra, e comparar a cena de hoje a um pós-guerra, sem dúvida, é imediato. Desse encontro nasceu a glosa paródica pela qual o eco de antigos significantes lastreia a inversão dos significados atuais.
Ao cinéfilo avisado por certo não escaparão comparações com os mais radicais cineastas do underground americano, sobretudo o dos bons tempos (década de 60/70), com o cinema "extremo" vindo do Oriente, ou com os demais "marginais" nacionais, esses quando ainda empenhados na sua antiga missão de iconoclastas antiparnasianos.
A tentação metalinguística de pôr a palavra ao encalço de si mesma e inverter os sentidos será marca inequívoca dessa crítica e prática vigente em tempos saturados de memória e consciência céticas. A crítica cabe o papel de funcionar como uma espécie de memória coletiva: lembrar o que foi esquecido ou ignorado, fazer conexões, contextualizar e generalizar a partir do que aparece geralmente como ‘verdade‘ definitiva, o fragmento, a história isolada, e ligá-los aos processos mais amplos que podem ter produzido a situação de que estamos falando. Esse artigo se opõe ao consenso e não reprime sua pequena voz (que, ao final, nem será mais tão pequena assim). E se coloca a disposição para a reconstrução histórica e para o debate sobre esses autores através da proposta nuclear de análise das modalidades de representação, relacionando-as com a história e modernidade. A arquitetura desse labirinto sintetiza a concepção de que “a modernidade é uma tradição polêmica” A complexidade desses filmes e desse período é um desafio para quem busca decifrar seus significados e descrevê-los com características de um movimento estético. Que essa realidade, que é a única e verdadeira, caiba a revista, é isso que seu nome deveria significar.
Nilson Primitivo é cineasta e colunista do blog Os Curtos Filmes.