segunda-feira, 30 de junho de 2014

Vera Hamburger

 
Vera Hamburger é formada em arquitetura e urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em 1989. Atua, desde 1985, nas áreas da direção de arte e cenografia para teatro, dança, ópera, cinema e exposições, além de dedicar-se á pesquisa ensino sobre o mesmo tema.
 
Você é formada em arquitetura e urbanismo pela USP em 1989. Essa formação acadêmica foi fundamental para a sua profissão de diretora de arte e cenógrafa?
Sem dúvida o curso de arquitetura e urbanismo foi fundamental para a minha atuação profissional. A FAU USP dos anos 80 era muito especial. Era um curso que reconhecia e se baseava na importância da experiência multidisciplinar como geradora de conhecimento. Tive professores interessantíssimos como os arquitetos Joaquim Guedes e Paulo Mendes da Rocha (recém chegado do exílio), a artista plástica Renina Katz e a historiadora e crítica de arte Ana Maria Belluzzo.  A convivência com essa geração foi essencial.
 
A FAU me proporcionou a prática diária do pensamento de projeto, a atenção sobre as relações que se podem construir entre a forma e a ação, o exercício contínuo com a linguagem das linhas, volumes, cores, texturas, brilhos e sua história começou ali, com um nível de discussão elevado. Esse tipo de experiência você leva para a vida inteira.
 
Assim que você se forma já começa a desenvolver trabalhos no cinema, teatro ou em filmes publicitários. Como fez para as pessoas acreditarem em uma recém formada, justo em áreas tão acirradas em sua disputa de espaço?
Na verdade comecei por ação do acaso, levada por amigos em comum, a fazer teatro com o José Celso Martinez Correa, também recém chegado do exílio. Tratou-se da leitura dramática de Roda Viva e O Homem e o cavalo, de Chico Buarque e Oswald de Andrade. Uma série de leituras dramáticas que o produtor Marcelo França encampou e atores como Paulo César Pereio, Célia Helena, Lélia Abramo e Elke Maravilha participaram.
 
Depois dessa experiência me apaixonei por essa profissão que já fazia parte de minha vida desde criança através da convivência com meu tio Flávio Império. Meu irmão, Cao Hamburger começava a fazer cinema como diretor de curta metragem de animação em massinha (Frankenstein Punk) e efeitista especial. Pedi a ele uma indicação como estagiária de cenografia. E assim fiz meu primeiro filme longa metragem como estagiária e depois assistente do cenógrafo Beto Mainieri, numa produção da resistente Vila Madalena dos anos 1980. O filme chamava-se O beijo 2348/75, dirigido por Walter Luís Rogério.
 
Segui fazendo cinema, ópera, teatro e exposições. Primeiro como assistente de cenografia, depois cenógrafa, depois diretora de arte. Fiz muito poucos filmes publicitários e praticamente nada de arquitetura de edificações.
 
Poucos conhecem outra faceta da sua biografia: você atuou em espetáculos de dança e óperas. Como foi a experiência?
É ótimo experimentar diversas linguagens. A multidisciplinaridade me encanta. É muito bom você trabalhar o espaço e a criação de atmosferas, para cenas tão diversas. O corpo ágil do bailarino contracena com a plasticidade que o envolve de maneira absolutamente diferente do cantor operístico, do ator teatral ou cinematográfico. O visitante de uma exposição, outra área a que me dedico, também ocupa e contracena com o ambiente a seu redor. Todos eles criam narrativas absolutamente próprias a partir da experiência de seu corpo no espaço, das qualidades visuais e táteis que o compõem.
 
Para mim o prazer da criação da visualidade desse corpo no espaço é o mesmo em todos os suportes.
 
Pensa em atuar novamente?
Sem dúvida, havendo oportunidade será ótimo!
 
Em 1993, você assinou a cenografia de ‘Lamarca’, de Sérgio Rezende. Como foi o desafio de protagonista nesta área?
Antes de Lamarca,um coração em chamas, de Sérgio Rezende eu já tinha uma experiência razoável em cenografia. Era arquiteta formada. Tinha trabalhado como assistente de cenógrafo Felippe Cerscentti em projetos de cenografia para cinema, ópera e teatro, além do projeto de arquitetura da 21ª Bienal Internacional de São Paulo. Já havia assinado minha primeira cenografia teatral no espetáculo Parzifal, de Jorge Takla, e já havia participado da produção internacional Brincando nos Campos do Senhor, de Hector Babenco, duas produções grandes.
 
Lamarca foi meu primeiro filme como cenógrafa. Uma das primeiras produções do ciclo pós Plano Collor, conhecido como o “Cinema da Retomada”. Um filme de desafio duplo: baixíssimo orçamento e realizado inteiramente em locação. Filmamos em Vitória, no Espírito Santo, e numa cidade muito pequena e de condições precárias chamada . Uma vila onde não havia energia elétrica, luz, televisão. Uma bela experiência.
 
O diretor de arte era Clóvis Bueno com quem trabalhei em mais de 10 filmes e por mais de 10 anos, e ao lado de quem assinei minha primeira direção de arte, anos depois. Um presença essencial.
 
Em 1999, você faz seu primeiro trabalho como diretora de arte, em ‘Castelo Rá-tim-bum’. Esse trabalho é considerado um marco nas produções do gênero infanto-juvenil. Quais são as suas principais recordações desse trabalho?
O Castelo Ra tim bum, o filme foi uma oportunidade maravilhosa de desenvolvimento de projeto. Tínhamos em mãos personagens incríveis, um universo fantástico – no duplo sentido da palavra –, um roteiro estruturado, equipe extraordinária e ótimas condições de produção.
 
Construímos uma verdadeira fábrica de cenografia com os melhores profissionais do momento e pudemos experimentar inúmeras soluções cenográficas, de figurino, maquiagem e efeitos especiais. Foi uma escola.
 
O sucesso da cenografia e direção de arte desse filme foi tão grande que virou uma grande exposição (com filas quilométricas) no Sesc Belenzinho. Esperava essa resposta do público?
É sempre muito recompensador quando a gente consegue entrar em sintonia com o público e essa exposição foi um exemplo muito forte nesse sentido. Foi muito interessante proporcionar ao espectador do filme a vivência dos cenários em sua completude. A força motriz do projeto dessa exposição foi criar atmosferas dramáticas para a experiência direta do público a partir dos cenários, inteiramente reconstituídos e “vivificados” pela luz e o som, e atividades interativas.
 
Em 2002 você volta a repetir a parceria com o cineasta Hector Babenco, desta vez no filme ‘Carandiru’. Como foi criar um presidio? Esse foi um dos trabalhos mais complexos que desenvolveu?
Sem dúvida. O Carandiru foi um filme difícil de encarar. Eu havia acabado de fazer o road movie tragi-cômico de Cacá Diegues, Deus é brasileiro. Caí do paraíso das mais lindas paisagens do país – filmamos na foz do Rio São Francisco, no sertão do  Pernambuco, nas praias de Alagoas - no inferno do maior presídio da América Latina, para contar a história de um dos piores massacres nacionais.
 
No princípio foi um choque, porém a experiência com o universo contido, vigiado e esquizofrênico do Carandirú foi incrível. A direção de arte desse filme é assinada por Clóvis Bueno e eu me encarreguei da cenografia.
 
Parte das filmagens foram nos antigos estúdios da Vera Cruz (em São Bernardo do Campo, São Paulo). Bateu um clima de nostalgia ao entrar lá?
A volta dos que não foram … Os estúdios da Vera Cruz são uma referência muito forte prá gente. Um estúdio com recursos inauditos no Brasil. Foi uma experiência importante utilizar seus espaços.
 
Com Helvécio Ratton você trabalhou em ‘O menino maluquinho’ (1994); ‘Amor e cia’ (1997) e; Uma onda no ar (2001). Você acredita que essas parcerias são importantes para o desenvolvimento de um trabalho?
Todas as parcerias são importantes para o desenvolvimento de um trabalho.
 
Em ‘Hoje’ (2011), de Tata Amaral você conquista o prêmio de melhor direção de arte no Festival de Brasília de 2011.  O que os prêmios representam para você?
Os prêmios são bons de ganhar.

Você se considera uma profissional consagrada?
Não penso sobre esses termos. Me sinto uma profissional que adora trabalhar e buscar a cada projeto sua cara.

Qual é a sua relação com o curta-metragem?
Fiz poucos curtas em minha vida. Acho que não passam de cinco. Foram experiências ótimas.

Muitos profissionais que hoje iniciam no cinema podem se sentir inibidos com um convite para você ingressar na produção deles. O que tem a dizer para estas pessoas?
Não fiquem inibidos! Conversando a gente se entende.

Para finalizar, gostaria de saber se chegará o dia em que você irá dirigir um filme.
Será? É uma pergunta que também me faço.