terça-feira, 1 de agosto de 2017

Os Trapalhões: Denise Del Cueto


Denise Del Cueto
Produtora de elenco


Como e em que circunstância surgiu a oportunidade de trabalhar com Os Trapalhões?
Estava terminando uma produção estrangeira, quando Marcia Bourg, assistente de direção, me convidou para produzir o elenco. Carlos Manga, eu sabia, era mega-exigente, o que me assustou um pouco. Mas nos demos muito bem no trabalho e ficamos amigos para sempre.

Que você fazia, antes de iniciar essa parceria profissional com eles?
Basicamente, publicidade. Foi o segundo longa-metragem que fiz, sendo um seguido do outro.

Seu primeiro trabalho no cinema com Os Trapalhões foi em Os Trapalhões e o Rei do Futebol, com direção do Carlos Manga. Nessa produção você trabalhou como produtora de elenco. Quais as recordações desse filme?
Não caberia aqui. Foi um trabalho “mágico”. Ralávamos muito, mas nos divertíamos muito também. Uma das locações era o Floresta Country Clube; e, ao chegarmos às 5:30 da manhã, percebi que havia duas araras lindas em duas gaiolas enormes. Ao passar por elas, eu dizia “arara!!!”, imitando o som que elas fazem. Foram três ou quatro vezes, e nada delas responderem. Set pronto, Manga dá o “Vai o som!” Foi! “Câmera rodando! Ação!!” Então, ouvisse aquele: “arara!!!!” As aves tinham resolvido responder justamente quando ouviram o “ação!!!” E o Manga: “Quem foi que botou essas araras para gritar desse jeito????” E eu, quietinha... Nesse mesmo dia, a cena era de um treino do time do Galinheiro. Tudo ia bem, até que, sob o comando do diretor, todos os jogadores se penduraram na trave do gol que se partiu e... foram todos ao chão. O problema desse filme é que, a cada situação engraçada – e eram muitas, – até as pessoas pararem de rir levava um bom tempo. Lembro que, no meio de um terreno em Guaratiba, íamos rodar uma sequência em que quatro ou cinco pessoas esperavam pelo ônibus em uma parada. O time do Galinheiro usava um veículo muito louco que, ao passar pelo ponto, deixava todos sem roupas. Foi quando uma moradora resolveu fazer escândalo por causa da nudez total – bem disfarçada, é claro – de um dos figurantes. Ela gritava enlouquecida. Para acalmá-la, foi um sufoco.

Recorda-se onde Os Trapalhões e o Rei do Futebol foi filmado?
Em várias locações, todas no Rio: cidade cenográfica da TV Globo, em Guaratiba; Maracanã, Floresta Country Clube, Clube Marapendi... e todas as cenas de interior no Estúdio da R. A., na Barra da Tijuca.

Você era a responsável por selecionar não só os principais atores, mas também os figurantes?
Ambos. Os principais já estavam praticamente todos definidos. O filme ficou parado durante um mês, enquanto Luiz Carlos Góes reescrevia o roteiro, por conta da saída de uma das atrizes. Na filmagem da última cena, tive que procurar uma dublê para a outra atriz, que havia viajado pra Nova York. O maior desafio mesmo foi levar três mil e quinhentos figurantes para as cenas de torcida no Maracanã em uma partida entre Vasco e Flamengo. Tive que negociar com chefes de torcida do Vasco para acomodar aquele povo todo nas arquibancadas...

Os Trapalhões e o Rei do Futebol tinha um elenco grande, principalmente porque se tratava de um tema, futebol, em que era preciso selecionar muitas pessoas. Gostaria que falasse, em especial, das primeiras cenas do filme (disputa de uma partida na qual sai uma briga e Os Trapalhões fogem) e a final (ela mostra Os Trapalhões disputando uma partida em pleno Maracanã). Como foi trabalhar nessas cenas?
Como entrei na segunda semana, não estava na filmagem da cena da abertura. Quando precisei montar o time que jogaria no Maracanã, recorri a Marcos Palmeira, um “fominha de bola”, para que me indicasse alguns companheiros seus de pelada. Ele respondeu, perguntando: “Eu posso participar?” Respondi que não, que era uma figuração e que ele já era, àquela época, um ator conhecido. Ele, então, me disse: “Eu jogo porque eu gosto, e jogar no Maracanã não tem preço.” Foi e levou com ele ninguém menos que Roberto Bomtempo, Roney Vilela e André Barros. Manga ficou tão lisonjeado com a participação deles que criou uma fala pro Marquinhos, na cena do vestiário.

Gostaria que falasse do Pelé. Como foi trabalhar com ele nesse filme? E que achou do desempenho dele?
Um gentleman, profissional correto e disciplinado. Embora fosse um dos produtores ou talvez mesmo por isso, sempre chegava ao set na hora marcada e obedecia a todas as exigências do trabalho. Manga não permitia comida no set, nem mesmo um biscoito. Acontece que o responsável pela alimentação preparava uns pastéis de banana simplesmente divinos e mandava pelo boy, com cuidado para o diretor não ver, uma bandeja daquelas delícias. A cena final disso tudo era: Pelé, eu e o boy nos empanturrando de pastéis atrás de uma árvore, longe da vista do Manga.

O elenco desse filme tinha um time de primeiríssimo nível: Maurício do Valle, José Lewgoy, Milton Moraes, entre outros. Conte a respeito da sua convivência com eles.
Já éramos amigos mesmo antes d’O Rei do Futebol. Pessoa adorável, profissional “na dele”, companheirão, sempre pronto para entrar em cena. Lewgoy – Em uma filmagem no Floresta Country Clube, ela havia sido marcada super cedo e, como sempre fazia, José Lewgoy chegou no horário e com aquele “humor peculiar” que terminou por virar lenda. O diretor chegava quando estava tudo pronto, como de costume. Quando ficou pronto e o Manga ainda não havia chegado, Lewgoy disparou, já bufando: “Há cinquenta anos eu faço cinema e há cinquenta anos é a mesma coisa...!!!” Eu, sem saber bem o que dizer, saquei da mochila uma cuia de chimarrão e um saco de erva e disse a ele em tom divertido: “É. Mas, nesses cinquenta anos, duvido que algum produtor tenha lhe oferecido um ‘mate’ no set.” “Desmontei” o Zé Lewgoy e ganhei um amigo, que confiava em mim e de quem guardo muitas histórias e muitas saudades. Milton Moraes – era sensacional. Mas dava trabalho; e, quase sempre, eu tinha que ir buscá-lo em casa ou no bookmaker em baixo do prédio dele, ali no Bar 20. Não podemos esquecer de mencionar o Older Cazarré, craque das dublagens, que interpretou o pipoqueiro do clube... Figura admirável!

Entretanto, uma atuação que destoa é a da Luiza Brunet, reconhecidamente uma não-atriz. Isso não pode prejudicar um filme? A atuação dela não ficou aquém do restante do elenco?
Ficou, sim. No entanto, uma das características principais de Luiza Brunet é reconhecer seus limites. Ela nunca teve a pretensão de ser uma grande atriz. Ela é boa sendo ela mesma. Pessoa agradabilíssima no convívio.

Logo em seguida você volta a trabalhar com o quarteto em Os Trapalhões na Terra dos Monstros, com direção de Flávio Migliaccio. Nesse filme você fez a produção de finalização. Como surgiu esse convite?
Marcia Bourg – sempre ela – me convidou para esse trabalho; e, novamente por acaso, eu estava entre um comercial e outro e, assim pude aceitar. Ali, conheci Migliaccio.

Que faz necessariamente um produtor de finalização?
Hoje, não é mais assim; mas levava o material filmado e banda de som para o laboratório em São Paulo e trazia de volta à Lider (que virou Labocine e, agora, não sei mais). Ia a São Paulo como quem sai de Copacabana e vai ao Méier.

Como foi trabalhar com o Flávio Migliaccio nesse filme?
Um diretor elegante, gentil. Migliaccio fala baixo, e eu gosto disso. Nosso contato foi, na maioria das vezes, na Rob Digital, estúdio de Roberto Carvalho, em Botafogo (RJ), onde eram feitas as dublagens.

Gostaria que comentasse a respeito de toda a produção envolvendo os monstros. Como foi trabalhar com eles no filme?
Como entrei na fase da finalização, pouco sei da filmagem. Na finalização, foi pura parceria.

Seu último trabalho com Os Trapalhões em sua formação original foi em Uma Escola Atrapalhada, com direção de Del Rangel. Era nítido, até pela aparência física do Zacarias, que aquele seria o último filme do quarteto?
Pois é... Mauro Gonçalves, o Zacarias, era um ser especial demais para continuar por aqui. Quando chegava, tudo à volta era alegria, luz.

Nesse filme, você volta a trabalhar como produtora de elenco. Era um elenco vastíssimo, que contou com a presença de Angélica, Supla, Gugu, grupo Polegar, entre outros. Quais as recordações desse trabalho?
As melhores lembranças são tantas... Filmamos tudo no Colégio São José, na Usina. Teve um dia em que o homem que forneceria as cobras para a cena do laboratório chegou com um saco repleto delas. O Renato Aragão fez questão de estar presente; mas, assim que a primeira saiu do saco, foi um auê! Imagine o quanto ele nos fez rir... Os meninos do Polegar eram todos uns amores; mas minha proximidade maior era com Rafael Ilha, o mais extrovertido de todos e que cativava a todos que o cercavam. Sempre me lembro dele, tão franzino, tão animado...

Esse filme acabou revelando grandes atores que se consagrariam no futuro, especialmente o Selton Mello, que fez ali sua estreia no cinema. Fale a respeito dele.
Se começar a falar do Selton, não irá caber aqui. Nos conhecemos ali. Ele, aos dezesseis anos, chegava acompanhado de sua mãe. Muito disciplinado e sempre pronto para rodar, como faz até hoje, tanto na função de ator, quanto na de diretor. De lá para cá, nunca mais nos perdemos de vista. Tinha também o Leonardo Bricio e a Maria Mariana.

Nesse filme, Os Trapalhões não eram os protagonistas. Eles apareceram pouco, não tinham o filme centrado em suas figuras. Por quê?
Acredito que tenha sido essa a proposta desde o início do projeto.

Nos três filmes que você trabalhou com eles, recebeu orientação para selecionar determinado ator ou atriz? De quem partia a escolha na formação do elenco?
Elenco foi e continua sendo uma “criação participativa”. Todos, das respectivas equipes, têm total liberdade para sugerir alguém para um determinado personagem.

A ideia de usar artistas em evidência, como o grupo Polegar e Angélica, era uma estratégia para atrair ainda mais público nos filmes?
Sim. O grupo Polegar e Angélica eram muito populares junto ao público-alvo do filme.

Gugu trabalhava no SBT, quando atuou em filmes dos Trapalhões. Os Trapalhões eram vinculados à TV Globo. A ideia de levar Gugu a atuar no cinema era parte da estratégia da TV Globo em “seduzir” Gugu a trabalhar na emissora?
Isso eu não sei. Mas, naquela época, a “briga por audiência” e consequente rivalidade não eram tão intensas como hoje. Gugu fez um bom trabalho.

Acha que hoje seria possível um artista de uma emissora concorrente atuar em um filme de um elenco de outra emissora?
Sim. Televisão é televisão e cinema é cinema. São janelas distintas e não seria justo discriminar um ator ou atriz, pelo simples fato de trabalhar na emissora A ou B.

Quem era o maior comediante dos Trapalhões?
Eram dois: Mussum e Zacarias. Com eles, Renato e Dedé faziam a festa!

Por que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados pelos Trapalhões?
Penso que é porque sempre foram filmes para levar a garotada aos cinemas, nas férias de julho e de dezembro. Renato Aragão nunca teve a pretensão de fazer uma superprodução para concorrer em festivais. O negócio dele era formar plateia. Ele conseguiu; e a Academia reconheceu a importância desse trabalho, ao homenagear Os Trapalhões na pessoa de Renato Aragão, na primeira edição do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, realizada no Quitandinha, em Petrópolis.

Como classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Leve.

Gostaria que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha presenciado como testemunha ocular.
Marcamos filmagem no estádio do Vasco, para “cobrir” os planos gerais do Maracanã; e a diretoria do clube, convocou quinhentas crianças com quinhentos balões de gás para a ocasião. Afinal, estariam lá Renato Aragão e Pelé. Montamos tudo; mas, por algum motivo técnico que não lembro qual, rodamos em chapa 13”, termo que no jargão cinematográfico significa filmar sem negativo na câmera, de mentirinha. Pelé e Renato Aragão foram para o meio do campo e começou a sair criança com balão de gás de todos os lados. Imaginem quinhentas crianças enlouquecidas com a presença de dois grandes ídolos... Renato Aragão ficou tão assustado, mas tão assustado que, ao vê-las vindo em sua direção, saiu em desabalada carreira e atirou-se por cima da mureta que dividia o campo dos bancos de reservas e dos vestiários. Enquanto isso, Pelé permaneceu lá, completamente à vontade no meio daquela garotada, fazendo a festa.