Denise
Del Cueto
Produtora de elenco
Como
e em que circunstância surgiu a oportunidade de trabalhar com Os Trapalhões?
Estava
terminando uma produção estrangeira, quando Marcia Bourg, assistente de
direção, me convidou para produzir o elenco. Carlos Manga, eu sabia, era mega-exigente,
o que me assustou um pouco. Mas nos demos muito bem no trabalho e ficamos
amigos para sempre.
Que
você fazia, antes de iniciar essa parceria profissional com eles?
Basicamente,
publicidade. Foi o segundo longa-metragem que fiz, sendo um seguido do outro.
Seu
primeiro trabalho no cinema com Os
Trapalhões foi em Os Trapalhões e o Rei do Futebol,
com direção do Carlos Manga. Nessa produção você trabalhou como
produtora de elenco. Quais as recordações desse filme?
Não
caberia aqui. Foi um trabalho “mágico”.
Ralávamos muito, mas nos divertíamos muito também. Uma das locações era o
Floresta Country Clube; e, ao chegarmos às 5:30 da manhã, percebi que havia duas
araras lindas em duas gaiolas enormes. Ao passar por elas, eu dizia “arara!!!”, imitando o som que
elas fazem. Foram três ou quatro vezes, e nada delas responderem. Set pronto, Manga dá o “Vai o som!” Foi! “Câmera rodando! Ação!!”
Então, ouvisse aquele: “arara!!!!”
As aves tinham resolvido responder justamente quando ouviram o “ação!!!” E o Manga: “Quem foi que botou essas araras para gritar desse jeito????”
E eu, quietinha... Nesse mesmo dia, a cena era de um treino do time do
Galinheiro. Tudo ia bem, até que, sob o comando do diretor, todos os jogadores
se penduraram na trave do gol que se partiu e... foram todos ao chão. O
problema desse filme é que, a cada situação engraçada – e eram muitas, – até as
pessoas pararem de rir levava um bom tempo. Lembro que, no meio de um terreno
em Guaratiba, íamos rodar uma sequência em que quatro ou cinco pessoas
esperavam pelo ônibus em uma parada. O time do Galinheiro usava um veículo
muito louco que, ao passar pelo ponto, deixava todos sem roupas. Foi quando uma
moradora resolveu fazer escândalo por causa da nudez total – bem disfarçada, é
claro – de um dos figurantes. Ela gritava enlouquecida. Para acalmá-la, foi um
sufoco.
Recorda-se
onde Os Trapalhões e o Rei do Futebol foi
filmado?
Em
várias locações, todas no Rio: cidade cenográfica da TV Globo, em Guaratiba; Maracanã,
Floresta Country Clube, Clube Marapendi... e todas as cenas de interior no
Estúdio da R. A., na Barra da Tijuca.
Você
era a responsável por selecionar não só os principais atores, mas também os
figurantes?
Ambos.
Os principais já estavam praticamente todos definidos. O filme ficou parado durante
um mês, enquanto Luiz Carlos Góes reescrevia o roteiro, por conta da saída de
uma das atrizes. Na filmagem da última cena, tive que procurar uma dublê para a
outra atriz, que havia viajado pra Nova York. O maior desafio mesmo foi levar
três mil e quinhentos figurantes para as cenas de torcida no Maracanã em uma
partida entre Vasco e Flamengo. Tive que negociar com chefes de torcida do
Vasco para acomodar aquele povo todo nas arquibancadas...
Os Trapalhões e o Rei do Futebol tinha
um elenco grande, principalmente porque se tratava de um tema, futebol, em que
era preciso selecionar muitas pessoas. Gostaria que falasse, em especial, das
primeiras cenas do filme (disputa de uma partida na qual sai uma briga e Os Trapalhões fogem)
e a final (ela mostra Os
Trapalhões disputando uma partida em pleno
Maracanã). Como foi trabalhar nessas cenas?
Como
entrei na segunda semana, não estava na filmagem da cena da abertura. Quando
precisei montar o time que jogaria no Maracanã, recorri a Marcos Palmeira, um “fominha de bola”, para que
me indicasse alguns companheiros seus de pelada. Ele respondeu, perguntando: “Eu posso participar?” Respondi
que não, que era uma figuração e que ele já era, àquela época, um ator
conhecido. Ele, então, me disse: “Eu jogo
porque eu gosto, e jogar no Maracanã não tem preço.” Foi e levou com ele ninguém
menos que Roberto Bomtempo, Roney Vilela e André Barros. Manga ficou tão
lisonjeado com a participação deles que criou uma fala pro Marquinhos, na cena
do vestiário.
Gostaria
que falasse do Pelé. Como foi trabalhar com ele nesse filme? E que achou do
desempenho dele?
Um gentleman,
profissional correto e disciplinado. Embora fosse um dos produtores ou talvez
mesmo por isso, sempre chegava ao set na
hora marcada e obedecia a todas as exigências do trabalho. Manga não permitia
comida no set, nem
mesmo um biscoito. Acontece que o responsável pela alimentação preparava uns
pastéis de banana simplesmente divinos e mandava pelo boy, com cuidado para o
diretor não ver, uma bandeja daquelas delícias. A cena final disso tudo era:
Pelé, eu e o boy nos
empanturrando de pastéis atrás de uma árvore, longe da vista do Manga.
O
elenco desse filme tinha um time de primeiríssimo nível: Maurício do Valle, José
Lewgoy, Milton Moraes, entre outros. Conte a respeito da sua convivência com
eles.
Já
éramos amigos mesmo antes d’O Rei do Futebol.
Pessoa adorável, profissional “na dele”,
companheirão, sempre pronto para entrar em cena. Lewgoy – Em uma filmagem no
Floresta Country Clube, ela havia sido marcada super cedo e, como sempre fazia,
José Lewgoy chegou no horário e com aquele “humor
peculiar” que terminou por virar lenda. O
diretor chegava quando estava tudo pronto, como de costume. Quando ficou pronto
e o Manga ainda não havia chegado, Lewgoy disparou, já bufando: “Há cinquenta anos eu faço cinema
e há cinquenta anos é a mesma
coisa...!!!” Eu, sem saber bem o que dizer, saquei
da mochila uma cuia de chimarrão e um saco de erva e disse a ele em tom divertido:
“É. Mas, nesses cinquenta anos, duvido
que algum produtor tenha lhe oferecido um ‘mate’ no set.” “Desmontei”
o Zé Lewgoy e ganhei um amigo, que confiava em mim e de quem guardo muitas
histórias e muitas saudades. Milton
Moraes – era sensacional. Mas dava trabalho; e, quase sempre, eu tinha que ir
buscá-lo em casa ou no bookmaker em
baixo do prédio dele, ali no Bar
20. Não podemos esquecer de mencionar o Older Cazarré, craque das dublagens, que
interpretou o pipoqueiro do clube... Figura admirável!
Entretanto,
uma atuação que destoa é a da Luiza Brunet, reconhecidamente uma não-atriz.
Isso não pode prejudicar um filme? A atuação dela não ficou aquém do restante
do elenco?
Ficou,
sim. No entanto, uma das características principais de Luiza Brunet é
reconhecer seus limites. Ela nunca teve a pretensão de ser uma grande atriz.
Ela é boa sendo ela mesma. Pessoa agradabilíssima no convívio.
Logo
em seguida você volta a trabalhar com o quarteto em Os Trapalhões na Terra dos Monstros,
com direção de Flávio Migliaccio. Nesse filme você fez a produção de
finalização. Como surgiu esse convite?
Marcia
Bourg – sempre ela – me convidou para esse trabalho; e, novamente por acaso, eu
estava entre um comercial e outro e, assim pude aceitar. Ali, conheci Migliaccio.
Que
faz necessariamente um produtor de finalização?
Hoje,
não é mais assim; mas levava o material filmado e banda de som para o laboratório
em São Paulo e trazia de volta à Lider (que virou Labocine e, agora, não sei
mais). Ia a São Paulo como quem sai de Copacabana e vai ao Méier.
Como
foi trabalhar com o Flávio Migliaccio nesse filme?
Um
diretor elegante, gentil. Migliaccio fala baixo, e eu gosto disso. Nosso
contato foi, na maioria das vezes, na Rob Digital, estúdio de Roberto Carvalho,
em Botafogo (RJ), onde eram feitas as dublagens.
Gostaria
que comentasse a respeito de toda a produção envolvendo os monstros. Como foi
trabalhar com eles no filme?
Como
entrei na fase da finalização, pouco sei da filmagem. Na finalização, foi pura
parceria.
Seu
último trabalho com Os Trapalhões
em sua formação original foi em Uma Escola Atrapalhada,
com direção de Del Rangel. Era nítido, até pela aparência física do
Zacarias, que aquele seria o último filme do quarteto?
Pois
é... Mauro Gonçalves, o Zacarias, era um ser especial demais para continuar por
aqui. Quando chegava, tudo à volta era alegria, luz.
Nesse
filme, você volta a trabalhar como produtora de elenco. Era um elenco vastíssimo,
que contou com a presença de Angélica, Supla, Gugu, grupo Polegar, entre
outros. Quais as recordações desse trabalho?
As
melhores lembranças são tantas... Filmamos tudo no Colégio São José, na Usina.
Teve um dia em que o homem que forneceria as cobras para a cena do laboratório
chegou com um saco repleto delas. O Renato Aragão fez questão de estar presente;
mas, assim que a primeira saiu do saco, foi um auê! Imagine o quanto ele nos fez
rir... Os meninos do Polegar eram todos uns amores; mas minha proximidade maior
era com Rafael Ilha, o mais extrovertido de todos e que cativava a todos que o
cercavam. Sempre me lembro dele, tão franzino, tão animado...
Esse
filme acabou revelando grandes atores que se consagrariam no futuro,
especialmente o Selton Mello, que fez ali sua estreia no cinema. Fale a
respeito dele.
Se
começar a falar do Selton, não irá caber aqui. Nos conhecemos ali. Ele, aos dezesseis
anos, chegava acompanhado de sua mãe. Muito disciplinado e sempre pronto para
rodar, como faz até hoje, tanto na função de ator, quanto na de diretor. De lá
para cá, nunca mais nos perdemos de vista. Tinha também o Leonardo Bricio e a
Maria Mariana.
Nesse
filme, Os Trapalhões não
eram os protagonistas. Eles apareceram pouco, não tinham o filme centrado em
suas figuras. Por quê?
Acredito
que tenha sido essa a proposta desde o início do projeto.
Nos
três filmes que você trabalhou com eles, recebeu orientação para selecionar determinado
ator ou atriz? De quem partia a escolha na formação do elenco?
Elenco
foi e continua sendo uma “criação participativa”.
Todos, das respectivas equipes, têm total liberdade para sugerir alguém para um
determinado personagem.
A
ideia de usar artistas em evidência, como o grupo Polegar e Angélica, era uma estratégia
para atrair ainda mais público nos filmes?
Sim.
O grupo Polegar e Angélica eram muito populares junto ao público-alvo do filme.
Gugu
trabalhava no SBT, quando atuou em filmes dos Trapalhões. Os Trapalhões eram
vinculados à TV Globo. A ideia de levar Gugu a atuar no cinema era parte da
estratégia da TV Globo em “seduzir”
Gugu a trabalhar na emissora?
Isso
eu não sei. Mas, naquela época, a “briga por
audiência” e consequente rivalidade não eram tão
intensas como hoje. Gugu fez um bom trabalho.
Acha
que hoje seria possível um artista de uma emissora concorrente atuar em um
filme de um elenco de outra emissora?
Sim.
Televisão é televisão e cinema é cinema. São janelas distintas e não seria
justo discriminar um ator ou atriz, pelo simples fato de trabalhar na emissora
A ou B.
Quem
era o maior comediante dos Trapalhões?
Eram
dois: Mussum e Zacarias. Com eles, Renato e Dedé faziam a festa!
Por
que, na sua visão, os críticos e a Academia rejeitam os filmes produzidos e estrelados
pelos Trapalhões?
Penso
que é porque sempre foram filmes para levar a garotada aos cinemas, nas férias
de julho e de dezembro. Renato Aragão nunca teve a pretensão de fazer uma
superprodução para concorrer em festivais. O negócio dele era formar plateia. Ele
conseguiu; e a Academia reconheceu a importância desse trabalho, ao homenagear Os Trapalhões na pessoa
de Renato Aragão, na primeira edição do Grande
Prêmio do Cinema Brasileiro, realizada no
Quitandinha, em Petrópolis.
Como
classifica o cinema feito pelos Trapalhões?
Leve.
Gostaria
que contasse alguma curiosidade ou fato desconhecido do público que tenha
presenciado como testemunha ocular.
Marcamos
filmagem no estádio do Vasco, para “cobrir”
os planos gerais do Maracanã; e a diretoria do clube, convocou quinhentas
crianças com quinhentos balões de gás para a ocasião. Afinal, estariam lá
Renato Aragão e Pelé. Montamos tudo; mas, por algum motivo técnico que não lembro
qual, rodamos em “chapa 13”, termo que no jargão
cinematográfico significa filmar sem negativo na câmera, de mentirinha. Pelé e
Renato Aragão foram para o meio do campo e começou a sair criança com balão de
gás de todos os lados. Imaginem quinhentas crianças enlouquecidas com a
presença de dois grandes ídolos... Renato Aragão ficou tão assustado, mas tão
assustado que, ao vê-las vindo em sua direção, saiu em desabalada carreira e
atirou-se por cima da mureta que dividia o campo dos bancos de reservas e dos
vestiários. Enquanto isso, Pelé permaneceu lá, completamente à vontade no meio
daquela garotada, fazendo a festa.