Sabrina é uma cineasta carioca, residente em Munique, Alemanha. Ela realizou o curta documentário Sónar 2006 - Special Report junto com o portal inglês de musica eletrônica Clubbity.
Qual é a importância histórica que o curta-metragem tem no cinema brasileiro?
Acho que o curta-metragem, não só no cinema brasileiro como no panorama do cinema mundial, tem essa missão de formação de talentos. É através dos curtas que jovens diretores são formados. Foi assim com a maioria dos cineastas brasileiros e estrangeiros. Isso sem falar da oportunidade de jovens talentos exercitarem a criatividade e talento. Além, é claro, na enorme possibilidade de experimentação e é graças à essa liberdade proporcionada pelos curtas que surgiram estilos indefectíveis de grandes diretores.
Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Por pura convenção. Em algum momento da história estabeleceu-se que curta metragem é "coisa menor" e ponto, empacou-se aí. Por outro lado essa negligência ocorre em muito pela falta de uma estratégia de mercado. Existe uma indústria do cinema que vai desde o pipoqueiro do lado de fora da sala de exibição até os investidores de grandes produções. Daí convencionou-se que os curtas não são comercializáveis e não geram lucro porque "ninguém pagaria ingresso" para ver um filme de 5, 10, 15 minutos, o que não é verdade. Há de se saber vender tudo, inclusive curtas, que são produtos comerciáveis. E só os festivais de cinema não cumprem com a função dos curtas enquanto “produtos”.Claro que o público pagante não vai desembolsar R$ 16 para ver "um" curta, mas ele desembolsaria R$16 para ver uma série de bons curtas. Nos anos 60 e 70 era comum ver o nome de vários diretores renomados em projetos de curtas, como "Boccacio70" onde cineastas do porte de Fellini, DeSica, Monicelli e Visconti dirigiram curtas inspirados no clássico "Decameron", entre outras produções do gênero. Porém diretores contemporâneos como o Jim Jarmusch em "Um Noite Sobre A Terra" e Quentin Tarantino com um curta fantástico no filme "Grande Hotel" reeditaram, cada um à sua maneira, os filmes de episódios. O prórpio Almodóvar, que é o meu diretor favorito, fez aquele curta maravilhoso, "La Consejala Antropófoga", ao terminar as filmagens de "Abraços Partidos" e, na minha opinião, aquele curta é muito mais divertido e interessante que o longa em sí. Mas existem projetos recentes como "Paris, je t'aime" , "New York, I love you" e agora vai ter "Rio de Janeiro, I love you", todos filmes de episódios, envolvendo vários diretores dirigindo curtas. Esse é um caminho altamente viável para a sobrevivência dos curtas no mercado "off" festivais e, acredito eu, isso traria de volta o interesse do público, dos críticos e da mídia em relação aos curtas. E sou totalmente a favor da volta da produção de filmes de episódios. De qualquer forma acho que no final é uma questão de estabelecer definitivamente o curta como produto audiovisual de qualidade e altamente comercializável. Uma vez que que isso seja estabelecido virão os criticos, as resenhas e toda a atenção que os curtas merecem ter.
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Como falei, acho que uma das possibilidades seria voltar a produzir mais filmes de episódios, que além de serem altamente instigantes são, em muitos casos, economicamente mais viáveis. Mas há outra possibilidades também, exibindo uma série de curtas em um determinado horário das salas de cinema e até mesmo reimplantando com o maravilhoso hábito de se exibir um curta antes do longa. O que falta é um incentivo maior para a ampliação de um circuito popular de distribuição desses filmes. Possibilidades existem faltam só iniciativas.
É possível ser um cineasta só de curta-metragem? Vemos que o curta é sempre um trampolim para fazer um longa...
Acredito que sim. É uma questão de estilo também. O curta tem uma linguagem própria bem diferente dos longas até mesmo pela própria limitação de tempo, que te obriga a ser muito mais conciso e criativo na forma de se contar uma história. O poder de concisão está atrelado à criatividade e, ao meu ver, essa é uma tarefa muito mais difícil. Não é nada fácil contar uma história empolgante em 5, 10 minutos...é preciso muito empenho no roteiro e na direção para saber administrar o tempo e o ritmo de forma criativa e cativante. Todavia o curta, pela sua própria posição no mercado, também te dá mais liberdade de expressão. Você não depende de retorno de bilheteria. Você acaba tendo um comprometimento muito maior com a sua própria ideologia e visão artística. Mas acredito que os curtas também sejam um trampolim para se fazer um longa. Só se aprende a fazer filmes dirigindo mesmo, colocando a mão na massa, seja em curtas experimentais, ficcionais ou documentais....Então os curtas são também uma excelente forma de se desenvolver o potencial até o momento de maturação.
O curta-metragem é marginalizado entre os próprios cineastas?
Eu acredito que não. Como pode marginalizar um produto de formação e experimentação da própria profissão? Acho que não se trata de cineastas marginalizarem o curta-metragem em sí e sim do formato do curta-metragem não ser tratado como produto comercial rentável e, conseqüentemente, não ter uma janela, um circuito comercial abrangente onde possa ser devidamente exibido, divulgado e resenhado. Os curtas tem um formato de comercialização mais difícil que os longas, o que não diminui sua importância. Mas em parte é verdade sim que a maioria dos cineasta querem contar grandes histórias , de 90 minutos em diante. E tem também a questão da visibilidade, pois com um longa o cineasta será certamente muito mais reconhecido e assistido. Isso sem contar na possibilidade maior e real de se ter um filme de longa-metragem distribuido nos cinemas, por mais complicado que isso possa ser. E esse é, inegavelmente, o grande sonho de todos os cineastas. O mercado dos curtas é mais vanguardista, além dos festivais, das exibições em circuitos ditos "undergrounds" e alguns poucos canais de TVs abertas e fechadas que dedicam algum espaço para eles, é muito difícil para o grande público ter acesso aos curtas. Mas agora, com esse "boom" de todas as mídias digitais, câmeras, internet, celulares, etc, isso está aos poucos mudando, pois os curtas são modelos perfeitos para essas mídias. O curta está saindo da margem, está ficando cada vez mais acessível, está achando o seu nicho.
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Sim, com certeza! Nesse exato momento estou escrevendo o roteiro de um novo curta e vamos rodá-lo nos próximos meses aqui no Rio. O curta será protagonizado pela Thais Botelho, uma menina linda e super talentosa. Ela acabou de fazer uma personagem muçulmana na novela Malhação e certamente tem tudo para ser a Sônia Braga do século XXI em um futuro próximo. Mas na verdade não penso em deixar de dirigir curtas nunca. Adoro realizar curtas. Ainda estou começando e quero sempre estar começando mesmo daqui a 20,30 anos. Com os curtas posso exercitar meu ofício de foma mais livre, além de exercer sempre a humildade e o pé no chão, que são essenciais na nossa profissão. Outra coisa que me encanta na realização de curtas é a independência, porque sei que não vou necessariamente precisar de forças maiores (leis de incentivos, patrocínios) para poder realizá-los. Com exceção do meu primeiro curta, o "Sónar 2006 - Special Report", que foi um projeto em parceria com o finado website inglês "Clubitty", os meus curtas anteriores (o alemão "Das Gestezs des Stärkeren" e a co-produção Brasil/Alemanha "Black Berlim") foram totalmente independentes e nenhum deles teve patrocínio, rodávamos no coletivismo voluntário e sempre exerci, no mínimo, a tripla função de direção-roteiro-produção e muitas vezes até maquiadora, cabeleireira, responsável pelo "catering", etc (risos). Eu amo todas as etapas de produção e no fundo é muito prazeroso poder desempenhá-las. O curta-metragem é e sempre será uma grande escola para mim.
Qual é o seu próximo projeto?
Meu próximo projeto, além desse curta que mencionei, é o longa documentário "Cidade do Funk", uma co-podução da minha produtora "Fidalgo Produções" e da "Diler & Associados" do produtor de cinema Diler Trindade. O doc vai contar a história da Black Rio, dos bailes e do funk até os dias atuais. Na verdade esse é um projeto antigo que venho desenvolvendo desde 2006 e que já passou por varias mudanças e reformulações antes de estabelecermos o roteiro atual. Já modificamos tanto o conceito quanto parte da equipe algum par de vezes, mas agora, felizmente, chegamos ao desenho ideal. É complicado falar de projetos, nunca podemos estabelecer prazos e datas, porque as coisas não dependem só da gente. A produção de um filme é uma coisa muito complexa, que depende muito de forças externas, principalmente no caso de um projeto do porte razoavelmente grande como esse, que tem recursos advindos de leis de incentivo e patrocínios envolvidos. Nesse momento estamos em fase de desenvolvimento. E tem também o projeto do meu primeiro longa de ficção, que já existe e está só aguardando a hora certa para que possa tocado.