quarta-feira, 14 de maio de 2014

Natália Barros

Natália no T42, na TV Cronópios.
 
Você integrou, como cantora, do Grupo Luni. Conte-nos sobre o Grupo e a sua trajetória nele.
O Luni surgiu no começo dos anos 80, nessa época, eu morava com mais duas pessoas que também eram do grupo: Fernando Figueiredo e André Gordon, trabalhávamos e ensaiávamos em casa. Tudo era pensado junto, funcionava mesmo como um coletivo. Dividíamos a concepção toda, figurino, cenário, repertório, imagem, aliás, um dos prazeres que tínhamos era conceber a música junto com a cena.
 
Por que o Gupo Luni acabou?
Fizemos muita coisa juntos: shows, clipes, gravamos um disco pela WEA, especiais para a TV, música para novela. Aprendemos bastante juntos  e nos  divertíamos muito também. Durante todo esse processo, viajamos pelo brasil, nos apresentando em diversas condições e situações. Depois de um tempo, uns sete anos, foi natural que cada um quisesse experimentar outras parcerias e trabalhos.
 
O Grupo Luni era composto também pela Marisa Orth, Théo Wernek, André Gordon, Fernando Figueiredo, Kuki Stolarky, Lelena Anhaia, Gilles Eduak e Lloyd Bonnemaison. Era uma equipe de primeira linha. Como foi conviver com essas pessoas?
Tínhamos uns vinte e poucos anos, quando começamos, o principal não era atingir uma excelência como instrumentistas, mas inovar, compor e se expressar artisticamente. Gostávamos de juntar linguagens como: moda, cinema, circo, poesia, teatro, tudo era muito vivo, estávamos apaixonados, pela música principalmente, e as portas foram se abrindo naturalmente. Somos grandes amigos até hoje, cada um aprendeu muito com essa convivência. Depois disso, trabalhei com quase todos eles em outras formações, inclusive recentemente.
 
Luni e Marzipan
 
Chega uma hora em que não há mais espaço para trabalhos coletivos e o profissional busca alternativas para seguir em frente. Acredita que as pessoas ficam “maiores” que o próprio trabalho realizado?
Não acho que tenha uma hora certa para trabalhos coletivos, talvez tivesse uma questão da época... os anos 80 foram bem caracterizados por esse tipo de trabalho, mas trabalhar em grupo não é exatamente uma questão de idade. Continuo trabalhando bastante em grupo, como por exemplo, com o Portal Cronópios, onde desenvolvo o programa de entrevista Tea For Two. Ao mesmo tempo, estou completamente só, quando escrevo. Meu livro de poesias Caligrafias, lançado ano passado, nessa caso, foi um trabalho de total imersão individual.
 
Acredito que somos sempre menores que nosso próprio trabalho, muitas vezes realizamos coisas que nem somos capazes de dimensionar. Tem uma frase do Proust que acho que explica isso: a inteligência vem sempre depois.
 
Além de figurinos e canções ousados, vocês traziam para o palco companhias de dança, teatro e circo, fazendo de suas apresentações um espetáculo multimídia. Como era o processo criativo?
O processo era completamente intuitivo, como cada um vinha de formações diferentes, isso acrescentava muito na maneira de olharmos e priorizarmos as coisas. O prazer em fazer e descobrir, sempre foi o principal para indicar o caminho. Fizemos parcerias com pessoa e grupos que a gente admirava como: Os Mulheres Negras, Skowa e a Máfia, Marzipan (dança), XPTO (teatro), Intrépida Trupe (circo), etc. Também contávamos com a presença da Ruth Slinger, que além da iluminação, criava e captava, todas as imagens de vídeo, que eram em parte gravadas e em parte projetadas ao vivo nos shows. A Ruth foi uma integrante, fundamental, para a concepção do Luni.
 
XPTO - Buster Keaton
 
O que representa para um grupo ter a música executada em uma novela na TV Globo? Vocês conseguiram isso quando uma música ‘Rap do Rei’ constou na trilha de ‘Que Rei Sou Eu?’
Com uma música em uma novela, ficamos mais conhecidos sim, facilitou para vender shows e tocar nas rádios. Na época representava muito, pois como não tínhamos a internet, Youtube! e redes sociais, era muito mais difícil que uma música fosse veiculada, fora das grandes mídias. Hoje o cenário está completamente diferente e descentralizado, na minha opinião, muito melhor.
 
Como foi o seu ingresso no Grupo XPTO? Você, além de atriz foi co-fundadora?
O XPTO foi o primeiro trabalho que fiz em SP, estava acabando de mudar para cá, vindo de Santos. Morei inicialmente com o Osvaldo Gabrielli e o Beto Firmino, entre outras pessoas, numa casa em perdizes. Também foi um trabalho que surgiu dentro de casa. Era também um coletivo de criação. O Osvaldo tinha uma grande experiência com trabalho de bonecos e resolvemos criar um grupo onde o teatro se inspirasse na linguagem plástica e musical, inicialmente, nos 3 primeiros espetáculos, nem usávamos palavras. Nessa época o André Gordon também fazia parte do grupo. Com o XPTO, participei de vários festivais de teatro fora do Brasil.
 
No Brasil ainda há um certo preconceito em relação a profissionais que cantam e interpretam. Você sofreu com isso?
Você acha que existe esse preconceito? Acho que temos uma enorme tradição de cantores/intérpretes. Não sofro com isso.
 
Natália Barros em Caligrafias.
 
Por que as pessoas não acreditam em artistas multiplataformas?
Não acho que esse seja um juízo de valor, fazer muitas coisas misturadas, ou uma concentrada, não é o que realmente importa. No meu caso, penso tudo junto, essa é a minha maneira de expressão, mas não acho que isso seja melhor em si. O que importa é a obra, o resultado, onde se quer chegar. Um concerto com um único pianista, pode ter o mesmo vigor de uma ópera multimídia com dezenas de pessoas em cena.
 
Como atriz, você participou de shows com o grupo circense Intrépida Trupe, no Rio de Janeiro, como foi a experiência?
Fizemos uns espetáculos no circo voador, no Rio, onde a Intrépida Trupe, encenava nossas canções, e numas músicas, às vezes trocávamos de funções, e eles tocavam e cantavam e a gente fazia uns números teatrais e circenses.
 
Fale do espetáculo circense-musical ‘Navelouca’, que ficou em temporada no Centro Cultural Banco do Brasil.
Esse foi um dos trabalhos que mais gostei de fazer, éramos umas 25 pessoas no elenco e conseguimos juntar todas essas linguagens, numa narrativa que partia das canções, mas que funcionava como uma história onde o público embarcava junto, numa viagem de navio. Contamos com grandes atores no grupo como Ligia Veiga, Clarissa Malheiros, Lucia Serpa, Luiz Ramalho, entre outros.
 
Como foi a experiência em atuar em uma telenovela? Você atuou na clássica ‘Ana Raio e Zé Trovão’, na extinta TV Manchete.
Fui  convidada para fazer parte da trupe que era do núcleo de circo, da novela. Foi muito divertido pois não tínhamos um roteiro rígido, como nosso papel era de uma turma de circenses que se apresentava em pequenos lugares, havia muito improviso.
 
Capa do Luni (Lacaz).
 
Por que não trabalhou mais em telenovelas?
Prefiro um milhão de vezes, cantar, compor, escrever, dirigir. Não me considero uma atriz propriamente dita, no meu caso, o teatro é um apoio e uma  ampliação das outras linguagens.
 
Entre 1992 e 1994, você atuou como cantora no programa ‘Fanzine’ na TV Cultura, com Marcelo Rubens Paiva. Conte sobre esse período na sua vida.
Foi um grande desafio pois o Fanzine, ia ao ar de segunda à sexta, ao vivo. Tínhamos que preparar diariamente, as canções que abriam, comentavam e finalizavam o programa, de acordo com o tema . Os convidados do dia, às vezes mudavam em cima da hora, o que exigia muita habilidade para criar  e ensaiar com pouco tempo. Foi muito bom poder aumentar meu repertório, conhecer um bocado de músicas lindas, e cantar músicas “dos outros” pois com o Luni, minha experiência era totalmente autoral. Por sorte, contei com o apoio de uma banda, com músicos excelentes e com a parceria do Mauricio Pereira que dividia comigo os vocais.
 
Muitos artistas dizem que a TV Cultura é uma grande escola profissional. É isso mesmo?
No meu caso foi sim, pois foi aí que aprendi a lidar com TV, câmeras, entrevistas, pauta. O  trabalho na TV Cultura, resultou, no convite para fazer parte do Telecurso 2000, onde por três anos, atuei como repórter.
 
No seu currículo consta que você, além de cantora, escritora e atriz, é também paisagista. É isso mesmo? Por que decidiu trabalhar com paisagismo?
Moro a quinze anos numa chácara, perto de São Paulo, a convivência com o jardim passou a fazer parte essencial do meu cotidiano. Estava trabalhando de segunda à sexta na TV, e queria fazer alguma coisa que fosse numa outra direção. Comecei tirando mato do jardim, aprendendo do zero. Depois aos poucos, fui lendo, estudando e me profissionalizando. Queria ter uma outra opção de trabalho, algo que tivesse haver com arte, mas que fosse também, uma prestação de serviço. Até hoje trabalho nessa área, paralelamente, o que continua, inclusive, nutrindo e inspirando meus textos e canções.
 
O CD ‘Mix Music 97’ é um trabalho que você realizou com o mítico produtor Suba. Fale sobre essa parceria.
Conheci o Suba logo que ele chegou ao Brasil, foi uma amizade à primeira vista. Tivemos uma grande sintonia e quando ele montou seu primeiro trabalho em SP, com o percussionista João Parahyba, me convidou para colocar as letras, o grupo chamava-se Oharasca, gravamos várias músicas, mas não fizemos shows. A trajetória do Suba foi vertiginosa, acho que ele foi fundamental para o início da formação da música eletrônica brasileira.
 
Outra parceria constante na sua vida é com a cantora e atriz Marisa Orth. Além do Grupo Luni, você foi responsável pela direção musical do show ‘Romance Vol. II’. Fale sobre a sua relação de trabalho com Marisa.
A Marisa é uma das minhas grandes amigas, desde a época do Luni, logo que ela pensou em fazer um trabalho solo, como cantora, percebemos que tínhamos muito para fazer juntas. Um trabalho de criação e respeito que deu muitos frutos. Estar na direção também foi bastante estimulante, logo na sequencia, acabei montando um show meu, com composições inéditas.
 
Em 2009, você fez a direção cênica do espetáculo do Pequeno Cidadão, onde os músicos Arnaldo AntunesEdgard Scandurra, Taciana Barros e Antônio Pinto gravam com seus filhos. Como foi desenvolver um trabalho para o público infantil? Um dos grandes trunfos do Pequeno Cidadão é exatamente não ser para um público infantil, como reza a cartilha. As músicas são bastante psicodélicas com muito rock`ll roll. O meu trabalho foi de alinhavar cenário, figurino, cenas e iluminação.
 
Como enxerga o panorama de produção cultural voltado para as crianças?
Esse é o mercado cultural que mais cresce atualmente, as crianças entraram para o consumo de cultura como nunca. É muito bacana mas acho que precisamos refletir sobre isso. A arte não é consumo, deve gerar ideias e ampliar capacidades.
 
Em 2012, você lançou o show ‘Caligrafias’ com Alê Prade (piano, violão, teclado) e Tuco Freire (contrabaixo), com composições próprias e parcerias variadas. E em seguida você publicou seu primeiro livro de poesia, com o mesmo título ‘Caligrafias’. Fale sobre essas duas frentes: o show e a escrita.
Nesse momento essas duas frentes estão mais ligadas do que nunca. Tanto o show como o livro tem o mesmo nome, uma coisa é feita para vibrar em consonância com a outra. Nesse show, a cantora é uma personagem que escreve. Acho que isso trouxe mais liberdade a minha maneira de cantar e compor.
 
Atualmente você comanda o Tea for Two (ou T42), no Portal Cronópios. Como é comandar um talk show?
Estar a frente de um programa como o Cronópios é muito bom, somos, no total, apenas três pessoas. O T42  é formado pelo  Pipol, Paulo Sposati Ortiz e por mim. Não tempos compromissos com nenhuma grande emissora, temos espaço para pensar, pautar, editar (e errar) e temos um grande prazer em fazer um programa que tem um ritmo e uma atmosfera bastante particular. Procuro ouvir o que os entrevistados têm a dizer, sem ocupar muito o tempo com as minhas opiniões, mas, me incluindo na conversa.
 
E o cinema, te interessa como atriz?
O cinema me interessa de qualquer maneira, sou cine-dependente.
 
O que te faz aceitar participar de um curta-metragem?
Uma boa história, boas parcerias de trabalho e a sensação de que sou adequada para o papel. Isso, por acaso, é um convite?
 
Sua carreira é tão repleta de facetas, não pensa um dia dirigir um filme, talvez um curta-metragem?
No momento quero fazer o roteiro de um clipe que parte de um conto, mas essa ideia está apenas no inicio. Nunca pensei em trabalhar como diretora de filmes, mas tenho feito muitas coisas que nunca pensei, durante toda a minha vida. Espero não perder o frescor.