quinta-feira, 28 de junho de 2012

Enciclopédia Ilustrada do Mossy

GEORGIA QUENTAL
(EM DUAS SINGELAS PARTES)

Avenida Nossa Senhora de Copacabana, em desvairado e assimétrico clima outonal carioca, um pouco antes do canibalesco almoço que me aguarda impassível e gastronomicamente belicoso, tudo acontecendo nesse mágico espaço territorial do Rio. Rio de janeiro, relíquia pecaminosamente geográfica, donde a natureza se incorpora à natureza humana femeal, gloriosamente visceralizada às universais práticas prazerosas. Copacabana, donde estranhamente as ideias as mais concupiscentes se tornam sublimes e românticas. Mar poluído, areia açucarada, corpos malhados de rapazes e moçoilas semidespidos com aparente e enganador ar blasé, de pé ou deitados, sempre em primeiro plano vocacional de quem os observa ao longe, do calçadão da Avenida Atlântica, olhos e espíritos fascinados pelo carnal. Ao fundo, um horizonte azul desfocado nos convida à descoberta oceânica. Copacabana, local encantatório que frequento duas ou três vezes por semana. Ao adentrar na inefável região do agrião agridoce, um misto de exótico com pecaminoso, perambulo tal um zumbi consciente dos meus devaneios moleques de sessentão, qual um saudoso babaca, eletrizado por esse mítico bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro e pelas suas vulcânicas fêmeas, sejam. Jovens, adultas, avós, todas com um significado divinal por quem as admira inconteste.

Que me desculpem os paulistas e demais populações intercontinentais das cores da Ordem e Progresso, mas se torna impossível não afirmar que o nevrálgico Rio de Janeiro não continua sendo uma Cidade -milagrosamente- Maravilhosa.

Estaciono meu carro nas vagas rotativas da rua. Pago três reais (valor oficial são dois reais), e com uma puta fome que me persegue intransigente desde a manhã quando ainda me encontro no bairro da Ilha do Governador, Zona Norte do mesmo Rio, onde habito, me dirijo a passos largos até o portuga do galeto, restaurante famoso da periferia de Copacabana, local gastronômico que costumo frequentar assiduamente, em especial, às quintas-feiras, quando tem bacalhoada espanhola à deriva. Paradoxo histórico: restaurante português servindo bacalhoada espanhola. A democracia da gula existe. E, ao atravessar obedientemente no sinal, quem encontro do outro lado da calçada comprando óculos escuros num –suspicaz- camelô de rua?


GEÓRGIA DE LUCCA QUENTAL, ex-Miss Rio Grande do Norte, (apesar de ter nascido em Porto Alegre em 1939) uma das manequins mais belas e famosas do país e que ficou apenas em sétimo lugar, quando todos juravam que ela ficaria entre as três primeiras colocadas, durante o Concurso de Miss Brasil de 1962. 

Em entrevista exclusiva à revista FATOS & FOTOS, de 30/06/1962, Geórgia Quental declarou:  

“Disseram, no meio da semana, que o júri não me colocaria entre as três primeiras por motivos que nada tinham a ver com minha plástica. Diziam que os juízes estavam com medo que eu fosse me portar mal nos Estados Unidos ou na Inglaterra. Vivem dizendo que sou maluca, que não tenho responsabilidade. De certo, acharam que eu não ia aparecer nos programas marcados para a Miss Brasil. Mas isso é absolutamente injusto. Não estou revoltada. Fiquei triste só porque me classifiquei atrás de Miss Estado do Rio, Miss Espírito Santo e Miss Rio Grande do Sul”.

A revista FATOS & FOTOS fez a seguinte observação à questão:


"Ao contrário do que se esperava, porém, Geórgia não criou nenhum caso. Soube perder como muitas não sabem ganhar. Chorou um pouquinho, sim. Mas logo disfarçou, discretamente”.

Pois é, minha gente, eu estava novamente ao lado de minha ex-funcionária artística e celulóidica, Geórgia Quental, quarenta anos depois, e além de belíssima miss, magnífica atriz que participou em dois filmes meus: OH QUE DELÍCIA DE PATRÃO -1973 e COM AS CALÇAS NA MÃO -1974.

Sempre elegante, de trejeitos finos qual uma rainha, todavia reinante, cabelos mi curtos num corte Chanel selvagem, vestindo uma calça jeans básica, ah, impossível não me hipnotizar diante uma mulher de olhares e maneirismos superativos, todavia bela e jovial, aos inexoráveis 73 anos.

- E aí, princesa, vamos almoçar?

- Ai, que susto! Quanto tempo, Mossy!

- Quanto tempo Geórgia!

- Eu já almocei, mas uma sobremesa e um cafezinho eu topo.

Carlo Mossy é diretor, ator, produtor, roteirista de cinema e colunista do blog Os Curtos Filmes.