sábado, 27 de junho de 2015

Dafne Michellepis


Professora. É integrante do “Balangandança Cia.”,  companhia de dança contemporânea para crianças.

O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Depende de alguns fatores. Primeiramente preciso estar disponível nas datas previstas e curtir a proposta. Confesso que gosto de produções que apontem alguma causa, mas sem ser “chatonildo” no tom. Assuntos relacionados às questões ambientais, sociais e culturais me interessam. Um humor cai bem, mas não sou cômica nem dramática. Geralmente quem me chama é porque me conhece e imagina como vou pontuar as ações.

Se sentir algum elo que me dê a faísca interna, uma espécie de empatia por alguma característica da personagem e/ou da história, já é meio caminho andado. Isto porque minha formação profissional acadêmica provém das artes corporais e não das artes cênicas, logo se a princípio eu não me identificar e precisar dedicar tempo extra em laboratórios para construir a cena, tendo a recuar. Meu embasamento para trabalhar atuando é mais intuitivo do que técnico, logo uso o bom senso para decidir se realmente sou eu quem devo me apropriar do papel.

A confiança nos profissionais envolvidos também é fator determinante, principalmente no que diz respeito aos “cabeça de chave”: Roteirista, Diretor e Fotógrafo. O cachê nunca foi um fator determinante, pois os orçamentos são sempre pequenos e encaro minha participação em jobs assim como um aprendizado. Não é minha fonte de renda.

Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Pensando em quantidade, tenho pouca experiência, mas os anos que trabalhei em produtoras de publicidade, ampliaram meu entendimento em produções deste tipo. Faz-se necessário citar a TVC, dirigida pelo Dodi (Dorian Taterka) que foi uma verdadeira escola para gerações. O primeiro trabalho que “apareci na tela” foi na campanha do Mc Donald’s na Russia, intitulado “Bandeira Vermelha” quando teve a histórica queda do muro de Berlim em 1989. Em 1993, quando me formei na Unicamp, queria morar com meu namorado (com quem estou até hoje) e precisava de um salário fixo. Recebi um convite para trabalhar no casting desta produtora. Não gostei pois parecia que tinha que julgar pessoas como material. Purismos de adolescência. Passei rapidamente pela produção e acabei me estabelecendo no departamento de finalização até 1996. Tive a oportunidade de acompanhar peças publicitárias que se tornaram clássicas desde a sua concepção até as tiragens de cópias. Na pré-produção, pesquisava e editava em U-Matic, referências para luz, cenário, figurino e casting, enfim, cenas que tinham haver com o briefing. Nas filmagens fui boom-men, operadora de vídeo assist, “4º” assistente de direção. Na pós, acompanhava o Wilson e o Tamis no telecine e depois, Lucio Matos na moviola. Apesar da minha hipermetropia e astigmatismo, era ótima em detectar drop frame. Toda esta vivência, faz parte da minha experiência com filmes.

Porém percebi que quando estava envolvida com a produção, não conseguia atuar bem. Fazia os testes de VT, mas não era aprovada. O olhar muito crítico, me fazia perder o foco e a credibilidade na interpretação. Quando decidi voltar a dançar, consegui voltar a interpretar.

Acredito, no entanto, que quanto mais situado o ator está no set, sua contribuição agiliza as filmagens, onde, por mais que os diretores se esforcem para assegurar um ambiente leve e tranquilo, há sempre uma tensão no ar. É como um aeroporto: maquiagens e aquela sensação de clareza no ar camuflam o monitoramento militar e um estado de constante alerta eminente. No set isto pode se dar pelo tempo da locação, pela instabilidade de luz em externas, pela equipe dos maquinistas que acorda muito cedo e deve estar bem afinada durante toda diária, pela quantidade de material disponível para rodar (houve um tempo que se filmava em película e negativo não tinha back up nem era barato) e questões decorrentes de problemas de comunicação ou entendimento de alguma consignia, enfim, uma série de pequenos detalhes que podem vir a comprometer a fluência deste tipo de trabalho em equipe.

Agora, falando especificamente da minha experiência com curtas, tive o prazer de trabalhar em roteiros escritos por José Roberto Torero e dirigidos pela Dainara Toffoli, como no Documentário sobre a vida do sanitarista “Oswaldo Cruz”, 1997 que faz parte da série de DVDs Encontros do Itaú Cultural sobre artistas e outras personalidades da história do Brasil e na série “Somos 1 só”, Sesc TV em 2011, que abordou as relações do homem com o meio ambiente.

Outro trabalho: “Retrovisor” foi um curta escrito e dirigido por Eliane Coster e fotografado por Jay Yamashita. O curta participou de Mostras e Festival no Brasil e no exterior. Minha atuação foi pequena, mas a inspiração proveio de fatos reais. Eliane havia feito fotos com carroceiros e uma família específica foi decisiva para a realização desta obra. Pelo que me lembro, ela contou que a relação entre pais e filhos chamaram sua atenção devido ao esforço para levar na escola, alimentar e estimular a autonomia para a sobrevivência. Por coincidência, na mesma época do ensaio fotográfico saiu a notícia do aumento de 25% no número de menores trabalhando nas ruas em SP.

De alguma forma, busco sempre a verdade nos trabalhos que faço.

Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Apenas divagando em pensamentos, penso basicamente que é porque infelizmente não faz parte da nossa cultura. Será que a herança da retórica lusitana na mistura com os nativos, enraizou de tal forma que não conseguimos incorporar o formato dos curtas?

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Nas escolas onde trabalho, sessões de curtas permeiam os espaços. As crianças tem contato tanto como suporte para discussões de temas relacionados as séries, como em momentos de descanso. Algumas instituições realizam mini mostras regulares como “Curta no Intervalo”. Quando meus filhos traziam dicas de curtas legais que viram na Escola, eu me realizava.

Antigamente era obrigatória a exibição de curtas antes do filme nos cinemas, confere? Me lembro dos primeiros contatos com este “tipo de filme” ser assim. Me indagava: “- Está começando o filme ou essa história é outra?”. Quando me via totalmente absorvida, puff, acabava. As vezes a lembrança do curta ficava mais presente que a do filme principal.
Hoje temos uma série de tele mídias em painéis de LED espalhados pela cidade. Deveria passar em locais de acesso público como em ônibus, no metrô, nos Shoppings, nas filas de espera de banco e por aí afora.

O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Sim, sem dúvida, mas a vida deveria ser sempre assim. Neste caso, talvez o fato de nas produções de curtas ter-se que administrar orçamentos mais enxutos em relação as produções comerciais de publicidade ou de longas, amplia a margem da liberdade para experimentação, que é, a meu ver, um estado de consciência.

Após ter participado do  processo criativo do espetáculo “Dança em Jogo”, com a Balangandança Cia., onde tudo era improvisado (coreografias, dramaturgia, momento de trocas de figurinos, textos, músicas, etc) constatei que só quando nos permitimos estar de corpo e alma em situações assim é que nos desenvolvemos enquanto seres humanos.

O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
No geral, isto é o que acontece. Imagino que ele seja funcionalmente como um “test drive”, uma prévia, um aquecimento que seleciona quem encara a produção de um longa. Mas prefiro não pensar nos curtas como um estágio, mas sim como um formato específico. Ele tem o poder de sintetizar sem perder a profundidade. Se a publicidade é Haikai, o longa é Novela e o curta-metragem é um conto.

Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
De verdade não me sinto apta a responder esta pergunta, mas sigo divagando. A gente precisa vencer em tantos outros quesitos antes… O Brasil ainda não entende a dimensão da importância do desenvolvimento cultural para o país. Seu alcance, suas consequências…

Suponho que não deve haver uma receita. Nem os nutricionistas acreditam que fornecer receitas ajudem a garantir a força do hábito. Quando participei de Congressos Internacionais de Dança e Educação (Daci_Unesco) na Austrália, Finlândia e Holanda, aprendi observando a maneira como cada cultura lidava com as circunstâncias favoráveis e desfavoráveis de seus contextos, mas que era inócuo tentar reproduzir diretamente as experiências bem sucedidas dos outros lugares para o Brasil. Mesmo em se tratando de uma Conferência onde algumas dicas e receitas eram fornecidas, na prática não funcionavam como aplicativos para nossa realidade nacional.

O mesmo penso para com o audiovisual. Talvez o caminho a ser trilhado seja agora o de se firmar a identidade contemporânea brasileira no mundo globalizado e…cultivar. Cultivar o que é orgânico para si, ou seja, o que te comove e te dá vontade de realizar, investigar, aperfeiçoar e passar adiante. Em outras palavras, o que se quer comunicar. Acreditar, confiar e não esmorecer diante dos obstáculos. Cultivar a liberdade de pensamento que anda junto com a liberdade de ação.

Onde este discurso quase piegas pode ter haver com o audiovisual brasileiro? No sentido de que sinto a sociedade cada vez menos humanizada e os meios de comunicação, oprimindo os comunicadores. Neste caso vencer é se manter íntegro, coerente e saber se adaptar as demandas, sem sucumbir, sem se perder dos princípios.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Profissionalmente, fiz apenas um vídeo dança com Kiko Ribeiro intitulado “Pé de Moleque”, sobre a argumentação do espetáculo de dança contemporânea para crianças “Roda pé” da Balangandança Cia. A pesquisa do companhia para a montage cênica do espetáculo foi do pé como gerador de movimento, sua presença nas danças brasileiras de sapateio do Sul e Sudeste, expressões idiomáticas que envolvem esta parte do corpo (“pé na tábua”, “pé direito”, “pé de vento”) e a relação entre ambiente urbano e rural. Para filmar, passamos por uma seleção pós workshop intensivo com a cineasta canadense Laura Taler. Fomos contemplados no Rumos Dança Itaú Cultural em 2004 e depois com patrocínio da Usina Filmes, Brasília e da Petrobrás, reeditei o material bruto na Elástica Filmes da Tatiana Toffoli, ganhando assim no título de “Em outro pé”.

Gostaria de participar de produções que, assim como esta, abordassem temas que pesquiso nesta companhia. Dirigida por Geórgia Lengos, uma visionária do universo infantil, o grupo existe há 16 anos e desenvolve pesquisa na linguagem de dança contemporânea para crianças, através de uma série de ações: espetáculos, workshops, Fóruns, palestras, intervenções, blogs, entre outros.  Meu desejo seria relacionar de forma lúdica e artística, abordagens do desenvolvimento cognitivo em paralelo ao sensório motor da criança, bem como o recheio da poética dos seus movimentos, mas acho que não gostaria de dirigir. Amo ser dirigida!

Se tiver curiosidade em saber mais sobre a Balangandança, acesse: http://balangandanca.wordpress.com/ e http://dancaemjogo.wordpress.com/

Uma mostra dos meus trabalhos na rede estão em Entre takes, blog no wordpress: