sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Paola Prestes


Documentarista. Criou a produtora Serena Filmes, onde tem realizado documentários autorais e etnográficos para agências de comunicação e pesquisa. Assistiam sua entrevista para o programa Zootropo (TV Cronópios) em: https://www.youtube.com/watch?v=enXPRnrK7eU 

O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
No meu caso, não recebo convites. Sou a realizadora dos meus curtas. Isto é, dirijo e produzo, por meio da minha produtora, a Serena Filmes. Faço documentários, formato que tem uma característica de cinema de guerrilha, portanto, de maior informalidade e flexibilidade, o que não quer dizer desorganização e falta de disciplina. Muito pelo contrário. Portanto, meus curtas nasceram de iniciativas próprias, de um grande desejo de realizar um determinado trabalho ou de uma situação inesperada que me intrigou. Documentarista é curioso por natureza, destemido e normalmente tem um forte vínculo pessoal e emocional com o projeto.

Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Como disse, sou documentarista. Trabalho com elementos diferentes de um diretor de ficção. Um desses elementos fundamentais é o imprevisto. Gosto de trabalhar com aquilo que o personagem ou a situação me dá, pois frequentemente é muito melhor do que eu tinha pensado. Todo documentarista deve pesquisar, se preparar, planejar, mas chega o momento em que ele deve jogar seu roteiro fora, aceitar aquilo que o personagem e a situação estão propondo a ele. Se ele não fizer isso, mata o filme. Alguns dos curtas que fiz e que foram melhor recebidos foram trabalhos que, eu diria, se impuseram a mim, como Na cama com King, Morumbé e A cor do samba é azul. Entreguei-me ao personagem nos dois primeiros casos e à situação no terceiro. O que não quer dizer que eu tivesse perdido o controle da situação. Era uma equação que foi equilibrada no momento da gravação, e em seguida, na ilha de edição.

Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Considerando a qualidade de grande parte do pensamento crítico no Brasil, talvez seja uma bênção os curtas-metragens serem poupados dessa atenção. A crítica não está e, acredito, jamais estará interessada em dar atenção à produtos de baixa repercussão junto ao público. A crítica no Brasil é pedante demais, talvez com a finalidade de esconder seu próprio vazio. O curta-metragem não precisa da crítica. Aliás, toda e qualquer manifestação artística que dependa da crítica está condenada. Não é preciso procurar longe, basta olhar para o lado e ver o que acontece com nossas "parentes", as artes visuais: tornaram-se reféns da crítica, asfixiadas por um discurso que nada tem a ver com arte. Curtas-metragens precisam de espaço na TV e de plataformas na internet, como o Vimeo, o Portacurtas da Petrobras, o Filmessay, o Curtadoc e blogs como este, que abrem espaço para a troca de experiências, de informação e trabalhos de maneira democrática. No mundo de hoje é possível sermos produtores e espectadores, sem intermediários. Se a crítica está obstruindo/ignorando em vez de ajudar/ampliar canais, para que pedir a ela de joelhos que fale de nós? Nós é que não precisamos dela.

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Acredito que a televisão seja o melhor meio de difundir curtas-metragens para o grande público. As pessoas não vão ao cinema para ver curtas, infelizmente. Não acho que seja um fenômeno brasileiro apenas. Há festivais de curtas, e isso é muito bom. Mas festivais não bastam, pois o curta continua circulando entre pessoas que já são do meio, ou têm alguma simpatia por cinema. O curta, por sua duração, tem vocação televisiva. Pode se encaixar de diversas maneiras numa grade, e tem o potencial para atingir um público variado. Minha esperança é que com a mudança nas regras de exibição de conteúdo na TV, aumente de fato a demanda por mais conteúdo produzido no Brasil, e o curta-metragem consiga se afirmar como produto audiovisual de ampla abrangência. Porém, jamais podemos sacrificar a qualidade em nome da quantidade. Seja para televisão, cinema ou internet, é preciso fazer bons filmes que não subestimam a inteligência do público.

O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Sem dúvida é um campo que oferece mais liberdade para a experimentação de linguagem, a começar pelo fato que custa bem menos que um longa-metragem. Fazer experimentação com um orçamento de longa de dois, cinco, dez milhões de reais é loucura, a não ser que o diretor seja um gênio, o que não anda correndo pelas ruas e muito menos pelos estúdios ultimamente. Ainda com relação ao dinheiro: com o cinema amplamente patrocinado por empresas como é o caso no Brasil, não acredito que haja muitos diretores de marketing interessados em patrocinar filmes experimentais, longas ou curtas. Portanto, via de regra é preciso botar a mão no bolso e fazer seu curta experimental sozinho. Há também o fato que linguagens experimentais são frequentemente pouco palatáveis e o espectador se cansa depois de um certo tempo: assistir linguagem experimental por 15 minutos é algo bem diferente de assistir linguagem experimental por 90 minutos. É preciso ter cuidado para não deixar um filme ser vítima da experimentação. Como disse o Antunes Filho, não se pode confundir o novo com novidade. Eu acrescento: não se pode confundir pesquisa de linguagem com truque, nem poesia com vale-tudo. Uma outra opção viável nos dias de hoje é, sempre respeitando limites de honestidade intelectual, assumir a natureza interdisciplinar do trabalho e colocar seu curta experimental numa galeria de arte.

O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
Tradicionalmente, escolas de cinema começam pedindo aos alunos trabalhos de curta-metragem. Faz sentido: é mais barato, mais rápido e, claro, um projeto de menor envergadura, portanto mais fácil de administrar. Por esse motivo, pode sim ser um trampolim para um longa, e já foi para muito cineasta de longa-metragem. Mas, não acredito que o curta-metragem se limite a isso. Senão, grandes diretores de longas jamais fariam curtas. Recentemente vi um curta-metragem belíssimo "1943-1997", de Ettore Scola. É de 1997, relativamente recente. Não é nem um pouco menos genial que os longas que ele fez antes. É a prova que o curta-metragem é muito mais que um trampolim para um diretor: é um formato tão válido quanto qualquer outro, pois afinal das contas, não é o formato do filme que importa, mas se ele é bom, ou não.

Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
A palavra receita é perigosa. A palavra vencer também. "Vencer no audiovisual brasileiro" é uma expressão que beira o surreal. Salvo raríssimas exceções, que eu saiba, ninguém no Brasil "venceu" no audiovisual brasileiro. Temos sido vencidos como classe década após década por diversos motivos, talvez o maior deles a nossa incapacidade crônica de implementar uma indústria cinematográfica no Brasil. Sonhamos com o primeiro Oscar brasileiro -- verdadeiro Santo Graal -- sonho este alimentado pela mídia e almejado por algumas empresas produtoras. Essas miragens hollywoodianas nos fazem esquecer de regras básicas que valem para qualquer profissão: é preciso ler, ter cultura, construir bases de conhecimento, ter senso crítico com relação ao seu próprio trabalho, rigor intelectual, humildade para reconhecer seus erros e limitações, respeito pelas pessoas que trabalham em nossa equipe, perseverança e muita, muita paciência. E, claro, é preciso trabalhar, noção nem sempre associada à função de diretor de cinema. Mas, já que o assunto é audiovisual, quem no Brasil realmente aborda esse assunto com propriedade é Eduardo Escorel. Recomendo a todos que queiram trabalhar com cinema (e àqueles que não querem também) que leiam o blog dele. É uma rara fonte de pensamento inteligente e sensível sobre cinema: http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/questoes-cinematograficas 

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Sem dúvida. Sempre tenho um projeto engatilhado. Cineasta tem de ter projetos, sonhos, o desejo de fazer o próximo filme, mas não pode ficar no sonho ou no desejo apenas. Cineasta tem de trabalhar, tem de ir pra rua filmar. Curtas-metragens tornam esses sonhos mais realizáveis.