terça-feira, 22 de setembro de 2015

Penna Filho (in memoriam)


Cineasta. Na sua filmografia constam mais de 30 produções. Dirigiu atores como Mazzaroppi e trabalhou para diversas emissoras de televisão. Na TV Globo de São Paulo faz reportagens especiais para os principais jornalísticos e programas como “Fantástico” e Globo Repórter, até 1976. Faleceu neste ano.

Qual é a importância histórica do curta-metragem na filmografia nacional?
Vejo o curta como o formato ideal para os diretores estreantes, porque ele permite o exercício e a experimentação. A prática na sua realização dá segurança para o grande voo do longa-metragem. É difícil encontrar no cinema brasileiro um cineasta importante que não tenha começado a carreira através do curta. Dentre os melhores filmes brasileiros, incluo alguns curtas-metragens que nada ficam a dever aos filmes para o longa-metragem. Começo pelo conjunto da obra de Humberto Mauro. Mas considero a década de 60 como a mais importante porque revelou vários novos talentos, como Linduarte Noronha com o seu clássico "Aruanda", Paulo Cesar Sarraceni com "Arraial do Cabo", Leon Hirszmann com "A Pedreira", Joaquim Pedro de Andrade, com "Couro de Gato" - os dois últimos do longa "Cinco vezes Favela", e Vladimir Carvalho, com "A Bolandeira".

O que nós temos de mais expressivo como arte cinematográfica tem o curta como berço, não apenas pelo empenho artístico, mas principalmente pelo olhar humanista e crítico dos seus autores.

O que te faz aceitar participar de produções em curta-metragem?
Um tema forte do ponto de vista social e político, que provoque reflexão, mas que permita a poesia. O diabo é que assim como eu tenho meus próprios projetos - e há algum tempo estou mais direcionado para o longa - quem poderia me convidar não o faz porque também faz seus projetos.

Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
Fiz poucos curtas, sendo alguns de encomenda, os chamados institucionais, que não passavam de comerciais de DEZ minutos exibidos nos cinemas, da mesma forma que os produzidos por Jean Manzon e Primo Carbonari. O primeiro curta de caráter cultural foi "Mensagem", de 1967, uma encomenda do antigo MEC - Ministério da Educação e Cultura para a Documental Filmes, de SP, onde já estava dirigindo comerciais para televisão. Foi uma oportunidade muito melhor do que a oferecida para outros jovens que começavam. O filme era sobre o relacionamento dos pais com filhos portadores de necessidades especiais, com enfoque muito interessante: mais do que os excepcionais, os pais é que precisavam ser educados e preparados para entender e aceitar o que o destino lhes reservou. Infelizmente, não tenho uma cópia desse filme.

Outro trabalho interessante foi "Herança", de 1976, sobre um oleiro negro beirando os 90 anos, que ainda vivenciou a escravidão. A "herança" era o trabalho que ele passava aos seus descendentes, todos empregados de uma mísera olaria na periferia paulistana. Integrava o projeto coletivo "Cinema de rua" da Raiz Produções, com curtas de vários profissionais do núcleo paulista do Globo Repórter e Fantástico, onde trabalhei entre 1971/76. Nessa condição, ganhou prêmio especial da Jornada do Curta-Metragem da Bahia.

Somente em 1995 voltaria ao curta com "Naturezas Mortas", cujo projeto vencera o III Prêmio Resgate do Cinema Brasileiro, edital de 1994. É um filme que me deu muitas alegrias, com reconhecimento em festivais no Brasil e exterior. Um dos prêmios mais gratificantes foi o "Margarida de Prata", concedido pela CNBB, uma versão brasileira do Prêmio europeu do Ofício Católico, conhecido como OCIC, porque contemplava obras que tinham um olhar humanista e voltado para os direitos do homem. Este filme viria servir de inspiração para "Das Profundezas", meu último longa, em montagem, vencedor do edital catarinense de 2011.

Fiz outros também, como "Victor Meirelles - Quadros da História" , abordando a obra do pintor catarinense na sua fase de telas históricas, selecionado para os festivais de Gramado, Vitória e Brasília, e "Fendó m- Tributo a uma Guerreira", sobre uma índia centenária sobre a etnia kaigang e conflito de terras no oeste catarinense, também com participação e premiações em festivais. A maior parte da minha produção foi na televisão - Globo e Cultura/SP -, mas voltada exclusivamente para o documentário de média-metragem.

Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
A maioria da mídia dá atenção ao que considera mais interessante para os seus leitores.
Muitos veículos estão mais interessados no sensacionalismo barato. Falta espaço para o curta, como falta espaço para o nosso cinema como um todo - normalmente, só entra na pauta o que nos é desfavorável. Vejo esse quadro assim: a mídia praticamente não dá espaço para a nossa cultura, o que é fácil de constatar diante da pobreza dos raros “cadernos 2” de vários jornais.
Raríssimos filmes despertam interesse da mídia. As exceções correm por conta de alguns críticos mais sensíveis, como Luiz Zanin e Luís Carlos Merten, do Estadão. De uma forma geral, é o conjunto do cinema brasileiro que é marginalizado.

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Precisávamos cumprir a lei do curta do início dos anos 70. Não tenho muita clareza se a lei ainda existe. Há quem afirme que ela não foi revogada. O interessante dessa lei era - ou é - estabelecer que um curta brasileiro deveria antecipar a exibição de um longa estrangeiro, remunerando o produtor com determinado número de ingressos vendidos. Os exibidores fizeram tudo que estava ao seu alcance para boicotar o curta, eles mesmos encomendando produções de baixíssimo nível para produtoras como a Amplavisão, de Primo Carbonari, "obras" que mereciam muitas vaias da plateia. Dessa forma, criou-se uma imagem desfavorável não apenas para o curta, mas para o conjunto do cinema brasileiro.
Outra janela, mais adequada ainda, seria a televisão, principalmente a por assinatura. O que vemos, porém, é desalentador, pois com raríssimas exceções de alguns canais (os legislativos, o Canal Brasil, emissoras oficiais como TV Brasil e TV Cultura/SP) a televisão brasileira não dá valor ao curta, como também não dá valor ao nosso cinema como um todo. O que interessa é a produção norte-americana, principalmente a que privilegia o entretenimento alienante.

O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Não tenho dúvida. Não podemos esquecer que o cinema começou com filmes de curta metragem. Foi através desse exercício que grandes nomes construíram a linguagem e fizeram do cinema a arte mais popular da história da humanidade. Todo o começo da obra de Chaplin foi nesse formato, onde ele experimentou a exaustão. Há inúmeros exemplos, desde Bunuel/ Dali, com "Cão Andaluz", de 1929. No início da sua carreira, Alain Resnais ganhou prestígio com seus curtas sobre artes. Não foi gratuitamente que ele nos encantou - pelo menos a mim - com o seu Hiroshima, Meu Amor e o pouquíssimo lembrado O Ano Passado em Marienbad.

O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
É, sim, mas não obrigatoriamente. Sei de muitos cineastas desde a minha geração que começaram no longa. Um bom assistente, fotógrafo ou montador, enfim, qualquer um que atue profissionalmente em cinema pode começar no longa-metragem.

Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Bem, Rafael, eu não tenho essa receita e creio que nem os chefões do cinemão norte-americano tem. Um exemplo que sempre lembro é "Cleópatra" que quase levou a Fox a falência. Aqui, a expectativa de alguns é ter a chancela da Globo Filmes ou conseguir a "distribuição" de uma major norte-americana, uma "Columbia do Brazil", "Paramount do Brazil" e outras menos lembradas, que usufruem dos nossos incentivos fiscais. Nesse caso, os elencos devem ser "globais" e terem um certo padrão que não faz o gênero de alguns, como é o meu caso. Eu não tenho preconceito, não. A história do cinema prova que para haver grandes filmes muitos filmes de qualidade inferior precisam ser produzidos. Fiquemos no exemplo do cinema italiano: para que houvesse De Sica, Fellini, Germi, Visconti, Scola e tantos outros mestres e faroestes inqualificáveis - claro, com as exceções de Leone, Corbucci e mais alguns que agora me fogem - foram feitos? No que me concerne, o que eu faço está invariavelmente na contra corrente, dai não saber como vencer essa luta.

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Penso, não, sonho. Mas preciso que os produtores que pediram roteiros meus vençam o edital para curtas daqui de Santa Catarina.