Ator e diretor teatral. É tradutor da obra
de Fiódor
Dostoiévski.
O que te faz aceitar participar de produções em
curta-metragem?
A meu ver, é como ser
personagem de um conto ou mesmo verso de um haicai cinematográfico. A concisão
radical – na direção, na atuação, no roteiro – atrai-me radicalmente. Como os
bons videoclipes, que são “curtas-curtas”, tiros certeiros – e um desbaste
esperto em relação ao caráter romanesco dos longas. Contra os quais nada tenho
– trabalho muito, por exemplo, com Dostoiévski, prosador prolixo. Os longas no
Brasil acabam sendo, oficial ou informalmente, superproduções, enquanto que os
curtas são muitas vezes quase cinema de guerrilha.
Conte sobre a sua experiência em trabalhar em
produções em curta-metragem.
Não trabalhei muito com
curtas, mas posso dizer que, nas pequenas produções de que participei, como
ator ou como assistente, cito, imodestamente, Hamlet, de Shakespeare:
“Eu poderia estar confinado a uma casca de noz, e ainda assim me achar o rei do
infinito.” Um curta talvez seja essa luminosa casca de noz.
Por que os curtas não têm espaço em críticas de
jornais e atenção da mídia em geral?
A imprensa, quando não
é informante, é aliciante. Quanto a cinema, então, nem se fala. Como crítica, é
raramente boa intermediadora entre arte e público. Há uma arrogância por parte
dela contra os curtas. Como se os curtas sofressem a opressão da hipótese de
que o mais longo é necessariamente o mais complexo. Transformam um nome
técnico, “curta-metragem”, num conceito estético de segunda classe. O curta,
repito, é um gênero com digna organicidade própria. Ele é tão cinema quanto o
longa, às vezes até mais impactante do que duas horas de tela. Mas, é claro,
com outro tempo, outra ginga, que tende, de fato, à “pílula” – imagem, aliás,
que vários poetas já usaram para definir os seus escritos e que,
etimologicamente, é o diminutivo de globo terrestre. Embora um curta custe meia
eternidade para ser gerado. Quem faz, que o diga. Mas à mídia em geral deveria
interessar, sim, a “pílula”, a pérola plena de arte, instigação e inquietude. O
shot, como um beijo roubado. Eu substituíra “curta-metragem”, em
homenagem a Kazu Ono e a Yasushito Ozu, por “haicai-metragem”: três versos,
trinta minutos; hai = brincadeira e kai = harmonia, realização.
Ou seja, sou pela ideia de que “curta” (corte, brevidade) seja substituída por
uma noção de totalidade independente.
Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos
curtas para atingir mais público?
Em princípio, uma
proposta aos governos e, consequentemente, aos circuitos de cinemas – proposta
um tanto utópica, é claro – de promover ciclos permanentes e circulantes de
curtas, e encontros do público com os diretores e os atores, e toda uma bulha
de imprensa em torno disso. Como já há, na verdade, mas esporadicamente. A
coisa toda deveria ser mais constante, fazendo jus à intensidade, à qualidade e
à velocidade da produção atual de curtas no Brasil e no mundo. Película ou
digital, tanto faz. Sou mais pelo digital, porque esse é um processo mais
dinâmico e mais barato de produzir, editar, lapidar – em suma, dar passagem à
liberdade poética. O importante é que há um desejo fre mente de fazer cinema
nacional e que é preciso revelá-lo. Provocá-lo, inclusive. Além de estimulá-lo.
Afinal, curta ou longa, tudo é fantasia, não é? (Uma vantagem do curta, entre
muitas outras, é a dieta: assistindo a um, come-se menos pipoca.) Uma
negociação fundamental com as televisões, que, salvo engano, sofrem de
programação precária e ao mesmo tempo de uma inflação de propagandística pífia.
Mas aqui vai o principal: para atingir e formar público: promover sessões em
centros culturais de comunidades ditas “carentes” – que normalmente não dispõem
de outro cinema que não a TV ou têm dificuldade de chegarem ao centro. É quase
um programa cultural. A Mostra Internacional de Cinema costuma realizar, a céu
aberto, exibições transcendentais no Parque do Ibirapuera. Em resumo: para ter
mais público, o curta precisa enlaçar política cultural, televisão e todos os
centros culturais que pululam pelas cidades. Não acho justo um curta, que suou
tanto para existir, ser exibido simplesmente em função de um festival ou coisa
assim. Que o cinema seja do povo, à mancheia, como o céu é do condor!
O curta-metragem para um profissional (seja ele da
atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para
experimentação?
O curta é apenas um dos
grandes campos de experimentação do cinema – cinema!, que é uma arte de
carreira custosa, há décadas superinflacionada pelo mercado. Mas o curta é
decerto um grande campo de reinvenção, na medida em que, regido à base de
planilhas mais brandas, pode arriscar mais. Num set de haicai-metragem,
para usar o neologismo, a liberdade de criação dos atores e da equipe
destrava-se e sai das trevas.
O curta-metragem é um trampolim para fazer um
longa?
Não. Curtas e longas
são, mal comparando, como poesia e prosa. O breve e o extenso, o verso e o
parágrafo, o poema e o romance. Dois gêneros, válidos cada um por si, com
evidentes entremeios e trocas. Bobagem achar que, fazendo um poema, depois
sairá um romance, como se um fosse menor do que o outro. Um curta é uma
odisseia em miniatura, que não precisa, para existir, ser trampolim de nada. É
um gênero em si. Como dança e teatro: o mesmo palco, mas estruturas e tempos
diferentes. O curta aproxima-se mais da síntese da dança, e por isso talvez
permita riscos cinematográficos que os longas não permitem, por conta de
dinheiro, distribuição, mercado. O que não impede que diretores como Je an-Luc
Godard façam longas feito curtas e Júlio Bressane faça imensas narrativas no
bojo de um take só. Quem se propõe a realizar um longa, faça-o a partir
de que vai encarar um longa. Um curta é condensação, e não um
laboratório-trampolim para um longa. Um curta, ou um haicai-metragem, é um
tempo em si.
Qual é a receita para vencer no audiovisual
brasileiro?
Não há receita, porque
o Audiovisual Brasileiro não é um bolo. Mas acredito que uma dica de cozinha
seja válida: poesia. Seja o frenesi do videoclipe, seja uma escultura do tempo,
como diria Tarkóvski. O cinema do curta é capaz de resgatar algo do que o
cinema do longa vive a perder em nome da mania de querer ser Hollywood
de araque. Tempo e espaço à poesia! É com esse risco que se desafia o
Audiovisual Brasileiro.
Pensa em dirigir um curta futuramente?
Pretendo dirigir um curta, sim. Trabalho
basicamente com teatro, mas tenho vários pequenos roteiros de cinema na gaveta.
Um deles sobre meu pai, que ainda não conheço pessoalmente – um grande ator de
Moscou, Valentin Gaft. Moscou, minha cidade natal, onde nasci há quarenta anos.