sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Tatiana Nequete


Roteirista, produtora e cineasta. Dirigiu o curta-metragem “Fez a barba e o choro”.

Conte sobre a sua experiência em trabalhar em produções em curta-metragem.
A maior parte de minha produção são curtas-metragens. O primeiro curta que dirigi profissionalmente foi realizado com pouco orçamento, nada de pretensão, mas muito amor à camiseta, por parte de todos os envolvidos. Foi uma experiência intensa, mas ao mesmo tempo muito bonita. Depois o filme foi colocado num festival e acabou ganhando. Começamos a ganhar confiança e escrevê-los em muitos festivais. O filme foi arrecadando muitos prêmios nacionais, até que ganhamos a versão ibero-americana do Prix Jeunesse, o maior festival de conteúdo infanto-juvenil do mundo. Entre os prêmios, ganhamos uma passagem para ir assistir ao filme que seria exibido na versão internacional do festival, que acontece na Alemanha. Inscrevemos o filme lá também e entramos na mostra competitiva. A recepção foi incrível e saímos de lá com o Next Generation Prize e em segundo lugar na competitiva geral da categoria (perdemos apenas para uma produção da BBC, o que me deixa muito orgulhosa). Depois disso dirigi outros documentários, e escrevi outros curtas conjuntamente com amigos. O curta-metragem sempre nos proporciona experiências muito ricas e ainda que a maior janela de divulgação sejam os festivais, é possível fazer um curta que tenha uma linda carreira de festivais, o que é muito compensador.

Por que os curtas não têm espaço em críticas de jornais e atenção da mídia em geral?
Acredito que exatamente pela razão que mencionei anteriormente: Por que o longa-metragem exerce uma dominação sobre o conceito "filme" na nossa mente, e por isso as possibilidades de exibição são reduzidas e em geral não são focadas no curta em si. A maioria das exibições de um curta são ou televisivas ou exibições em festivais. O que acontece na crítica resultante da exibição em festivais é que o crítico não está avaliando uma obra, mas uma mostra, e que tem acesso aos curtas de um festival acaba sendo exposto a um numero muito maior de obras do que o critico que escreve sobre os longas desse mesmo festival. E assim os curtas dividem a atenção e o espaço de texto desse crítico, resultando num texto menos aprofundado. E no caso da exibição de curtas nos cinemas, por exemplo, eles são colocados ali como um bônus pra quem vai assistir a um longa-metragem, ou seja, eles não são o foco daquela atividade. Quer dizer, a pessoa escolhe ver um longa e vai no cinema com esse intuito, muitas vezes, SE vai passar um curta-metragem antes ele sequer é divulgado como uma obra adicional da mesma sessão, e o espectador simplesmente não foi lá para vê-la, ainda que termine gostando.

Na sua opinião, como deveria ser a exibição dos curtas para atingir mais público?
Na minha opinião o sistema de exibição está mudando para todo o cinema, não só para o curta. Não sei dizer muito bem para onde está indo, mas tenho lido muito sobre isso e acredito que a internet está mudando o conceito que temos sobre o que consideramos "filme" e "exibição". É só olhar o material que as pessoas compartilham nas redes sociais, por exemplo. Não é raro ver alguém postando coisas como "Olha que legal esse 'vídeo' sobre meio ambiente" ou "Esse 'vídeo' é uma animação muito legal sobre não-sei-o-que". Na verdade tem uma grande parte desse material que são nada mais nada menos do que curtas-metragens que estão sendo compartilhados e vistos por centenas de pessoas, portanto não dá pra ignorar que isso é uma nova janela de exibição. Esses dias li uma reportagem onde o Spielberg e o George Lucas falavam sobre a falência do sistema de produção e distribuição dos grandes estúdios de Hollywood. Eles basicamente falam que vai haver uma implosão desse sistema e que apenas algumas poucas produções vão ser feitas com os mega-orçamentos que eles estão acostumados. De resto vão começar a surgir muitos outros filmes de orçamentos menores. Se isso acontecer esses filmes menores também precisarão encontrar novas janelas de exibição, assim como os curtas já fazem, e talvez a internet seja um caminho alternativo para a exibição desses filmes.

O curta-metragem para um profissional (seja ele da atuação, direção ou produção) é o grande campo de liberdade para experimentação?
Claro, porque o curta não tem uma estrutura tão rígida quanto a de um longa. A pessoa que assiste a um curta espera ver essa liberdade, espera ver algo diferente, novo. Assim como os mecanismos de seleção são mais flexíveis. Se espera de um curta que ele seja inovador, ao passo que em termos de produção, pode ser difícil aprovar um longa inovador. Simplesmente pelo fato de que quem seleciona e aprova os roteiros de longa sabem que investir numa obra maior pressupõe um gasto considerável, e por isso preferem apostar em estruturas conhecidas, cujos resultados e retornos são mais certeiros (e por consequência mais conservadores).

O curta-metragem é um trampolim para fazer um longa?
Não exatamente, ele possibilita sim a entrada de novos realizadores no mercado, e a visibilidade do curta pode ser reconhecida na hora desse realizador tentar fazer um longa-metragem. É algo a se colocar no currículo, e algo no currículo é sempre melhor do que nada. Mas uma coisa não necessariamente leva a outra.

Qual é a receita para vencer no audiovisual brasileiro?
Realmente não acredito que haja uma receita. Tem que ser muito insistente e paciente. Tem que se estar preparado para falhar muitas vezes até ter sucesso nas realizações - e não desistir no meio do caminho. Parece bobagem, mas vi muita gente boa desistir de fazer cinema por encher o saco do nosso terreno acidentado. Acho que todo o realizador tem que ser crítico consigo mesmo também, tem gente que faz os primeiros trabalhos e vai razoavelmente bem e sai achando que é o cara, daí acaba não evoluindo em sua carreira. Mas como eu disse, isso é minha opinião baseada em observações, é completamente pessoal, longe de ser uma receita. Aliás, se houver uma receita e tu descobrir primeiro, me avisa, ok?

Pensa em dirigir um curta futuramente?
Claro, estou sempre pensando em dirigir curtas. É um formato que eu adoro e além disso tenho muitos roteiros prontos esperando para serem produzidos.